Ryan Schwark via FlickrEm eleição que vale Câmara e 1/3 do Senado, missão de Kamala é evitar banho de sangue democrata

Sinais de Washington

Um atentado, uma desistência, uma nova candidata e um jovem senador de Ohio como companheiro de chapa: nestes últimos dias aconteceu de tudo na campanha eleitoral
26.07.24

Desembarquei em Washington no dia seguinte ao atentado contra Donald Trump e a sensação entre os políticos com quem conversei era a mesma. A eleição estava decidida e o republicano poderia preparar o terno para a posse. Se a convenção que ocorreria em Milwaukee era apenas uma formalidade, tudo indicava que a eleição que teríamos pela frente poderia seguir enredo similar.  

Os últimos dias estão sendo de intensa movimentação, algo atípico para esta época do ano, tanto pelo calor que invade a capital americana, como pelas férias de verão que esvaziam a cidade nestes meses. Porém, tudo mudou diante de um ano eleitoral como este que estamos presenciando: Um atentado, uma desistência, uma nova candidata e um jovem senador de Ohio como companheiro de chapa. Nestes últimos dias aconteceu de tudo na campanha eleitoral.  

A desconfiança sobre a saúde e o vigor de Biden escondia angústias maiores. Além da Casa Branca estarão em disputa diversos cargos, como governos estaduais, a totalidade da Câmara de Representantes e 1/3 do Senado. Isto representa poder político. Sem um candidato a presidente que impulsione estas candidaturas, as chances de os democratas perderem governos, enxergarem os republicanos dominar o Senado com folga e sofrerem uma surra de proporções épicas na Câmara era uma realidade.  

Neste momento entrou em campo o establishment do Partido Democrata, decidido a afastar Biden e unir as bases em torno de um nome comum. O processo durou toda a semana até o anúncio de domingo, quando o partido emergiu unificado em torno do nome de Kamala Harris, como já havia sido definido nos altos círculos de poder. Ela herda as doações, os delegados e apoios. Em menos de 24 horas, todos os 50 diretórios estaduais e principais cardeais democratas já haviam anunciado o endosso ao seu nome.  A convenção em Chicago, em 19 de agosto, servirá apenas para sua consagração e formalização eleitoral.  

Ao optar por Harris como candidata, os democratas mostram que ainda tentarão manter a Casa Branca, porém o mais importante neste momento é evitar o pior e brigar para manter a dignidade do partido, lutando de forma viável pelas vagas no Congresso e pelo controle de governos estaduais. A primeira missão de Kamala é ajudar a impulsionar os democratas nessas disputas e evitar o massacre eleitoral que se desenhava com Biden. A disputa pela Casa Branca é apenas a consequência deste movimento ou o instrumento para operar a máquina nacional democrata com alguém capaz de puxar votos locais. 

Apesar do frenesi em torno da nova candidata, as notícias não são boas do seu lado do tabuleiro. Nos últimos dias passei exatamente pelos estados mais voláteis do quadro eleitoral, onde certamente este pleito será decidido, no cinturão industrial americano, aquele que mais sofreu nas últimas décadas, onde estão Ohio, Michigan, Wisconsin e Pensilvânia. Nestes locais se encontra a senha para a vitória.  

Trump sofreu o atentado que quase tirou sua vida na Pensilvânia. Os republicanos decidiram levar sua convenção para Wisconsin e por fim, mas não menos importante, escolheram como vice na chapa o Senador J.D. Vance, cria do interior de Ohio, um jovem que viveu a decadência industrial e econômica do estado e escreveu um best-seller sobre o assunto, uma autobiografia que virou filme produzido pela Netflix. Neste jogo, os republicanos ganharam momentum em três dos quatro mais importantes estados desta eleição. Se conseguirem manter a vantagem, será um passo importante para a vitória. 

A conta, entretanto, tem nuances interessantes. Wisconsin é um battleground state, governado até recentemente por um republicano (que inclusive já flertou com a ideia de ocupar a Casa Branca), Scott Walker, mas atualmente é comandado por um democrata, Tony Evers; Michigan é governado por um nome em ascensão, que poderia inclusive ter sido a candidata no lugar de Kamala, chamada Gretchen Whitmer; e a Pensilvânia é comandada pelo democrata Josh Shapiro, que seria a escolha mais inteligente para ser o companheiro de chapa de Harris na disputa presidencial. 

Os democratas precisarão muito do trabalho desses governadores, uma vez que Ohio deve fornecer seus 17 votos no Colégio Eleitoral para Trump, impulsionado  por J.D. Vance. Os votos de Michigan, com 15, Wisconsin com 10 e Pensilvânia com 19 podem certamente definir a eleição. Sem eles, não há chance de vitória. O trabalho será árduo, pois nesses estados existe uma forte tendência pró-Trump, especialmente nas cidades que sofreram com a desindustrialização e zonas mais afetadas pela recente onda de inflação e o desemprego. A campanha de Trump sabe conversar como ninguém com esse eleitor.  

Se os democratas não agirem de forma firme e objetiva, Trump iniciará seu segundo mandato com a maioria dos governadores, vantagem plena na Câmara e confortável superioridade no Senado. Com uma Suprema Corte de maioria conservadora, que poderá ser ampliada nos anos seguintes, o trumpismo se consolidará de forma esmagadora na política norte-americana, um fenômeno que se apropriou do Partido Republicano e passará em pouco tempo a se confundir com a realidade política do país.  

Do outro lado, o desafio de Kamala está lançado. Sua candidatura foi bem articulada até aqui nos bastidores do partido. Biden e os cardeais democratas fecharam apoio irrestrito do partido a dela. A chance de vitória existe, porém, se acontecer será por uma margem muito estreita. O favoritismo ainda é de Trump e seu grupo político, porém, se Kamala Harris souber se movimentar, há um pequeno espaço para virar o jogo.  

Márcio Coimbra é presidente do Instituto Monitor da Democracia e Conselheiro da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig)


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  1. Kamala é muito impopular, basta lembrar o fiasco que foi sua última participação em primárias e a má avaliação como VP. A recuperação dos democratas nas sondagens tem mais a ver com quem foi substituído do que com o substituinte. Para agonia do mundo ocidental, Trump vencerá

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