Dcondrey via PixabayPersonagens, histórias: nada disso sequer existe no mundo horrivelmente solipsista dos wokes

O mundo woke, por trás das câmeras

Resolvi falar do audiovisual brasileiro porque trabalhei durante quinze anos nele. Dez anos atrás era um ambiente menos maluco. Cinco anos atrás, até.
26.04.24

Talvez você não se interesse pelo audiovisual brasileiro. Talvez você não veja filmes brasileiros, nem séries brasileiras, nem nada. Mas sou capaz de apostar que a maioria das pessoas que está me lendo ainda tenta ver alguma coisa ou outra, mesmo que quase sempre largue no meio. A tendência a querer dar uma chance ao audiovisual brasileiro é grande, como é a tendência a dar uma chance a alguém que acabou de sair da cadeia. E ela sobrevive a muitos choques com a realidade brutal.

Queremos ver pelo menos uma boa história de vez em quando que se passe em algum ambiente parecido com aquele em que a gente vive. Em que as pessoas não comam em diners e não vivam nessas casas gigantescas de americanos. Em que policiais da divisão de homicídio não andem pelas ruas carregando copos de café. Os streamings sabem que existe essa vontade, e por isso continuam colocando no ar as coisas que eles colocam no ar, sem ligar para a qualidade. Eles sabem que as pessoas vão pelo menos começar a ver essas coisas — por piedade, por vício, por curiosidade mórbida. Por que está lá. Além disso algumas pessoas têm o horror da incompletude, e quando começam a ver uma coisa, terminam. Se calhar é por causa dessas pessoas que o audiovisual brasileiro ainda existe.

Resolvi falar do audiovisual brasileiro porque trabalhei durante quinze anos nele. Dez anos atrás era um ambiente menos maluco. Cinco anos atrás, até. Era tudo um tanto incompetente, e sujeito às vaidades monstruosas dos executivos de canal. Já havia ideologia em excesso, é claro, e todo mundo que trabalhava à minha volta (menos meu parceiro de escrita e um único roteirista que eu conhecia) era de esquerda, e tentava enfiar umas esquerdices na história em alguns momentos aleatórios.

Mas ainda era possível vender uma história normal sobre pessoas normais, e ainda era possível que os canais ou os streamings comprassem essa história e mandassem produzir.

Hoje não, como você deve ter reparado. Se não for uma biografia do tipo do Ayrton Senna ou coisa assim, todas as histórias têm que ser sobre minorias sofrendo, ou sobre minorias sendo gloriosas, ou sobre minorias sofrendo um pouco no início mas vencendo os preconceitos de tão gloriosas que são. São essas as três possibilidades de história para o audiovisual brasileiro.

E de repente, nos últimos três ou quatro anos, não só um ou dois personagens tinham que ser negros ou gays — não, agora todos os personagens têm que ser negros ou gays, exceto o general torturador que não sabe que é gay, e toda a equipe envolvida tem que ser gay também, ou trans, ou meio confusa. Na falta disso tudo, serve se for um índio ou uma mulher.

Assim são descritos os ganhadores de um edital da Spcine (Prefeitura de São Paulo):

1o lugar: SOCIALMENTE NEGRO como LÍDER DO NÚCLEO
2o lugar: PESSOA TRANS como LÍDER DO NÚCLEO
3o lugar: SOCIALMENTE NEGRO como LÍDER DO NÚCLEO
4o lugar: PESSOA TRANS como LÍDER DO NÚCLEO
5o lugar: PESSOA COM DEFICIÊNCIA como LÍDER DO NÚCLEO
6o lugar: PESSOA INDÍGENA como LÍDER DO NÚCLEO

(O 4o lugar, aliás, se chama GRUPO MYMAMA. Confira você na internet, se não acredita em mim.)

Já estes são os ganhadores de um “edital número 7” para longa-metragens e séries:

1o lugar: SOCIALMENTE NEGRO como PROPONENTE
2o lugar: MULHER como ROTEIRISTA
3o lugar: SOCIALMENTE NEGRO como ROTEIRISTA

E por aí vai, com PESSOA TRANS, PESSOA COM DEFICIÊNCIA e um INDÍGENA mais abaixo na lista.

Aliás, como eles encontram tantos roteiristas índios para cumprir essas cotas? Bandeirantes vão até o sertão escravizar índios para vender para as produtoras e os streamings? Será possível?

Pessoalmente, não sei o que é ser “socialmente negro”, ou o motivo de não existirem pessoas “socialmente trans”, “socialmente indígenas” e assim por diante; socialmente, só negros, aparentemente; mas faz tempo que desisti de entender essas coisas.

Enfim, caso você estivesse se perguntando o motivo dos filmes e das séries brasileiras terem despencado tanto do nível já baixo que tinham por volta de cinco anos atrás, eis uma possível resposta. Nossos filmes e séries são feitos não por fãs de filmes ou séries – não, não, não. Jamais. São pessoas claramente mais interessadas nas suas próprias confusões sexuais do que em arte. E quando não for na própria confusão sexual, é em algum tipo de identidade tribal imaginária. A última coisa que interessa para eles são pessoas que não são eles. Personagens, histórias: nada disso sequer existe no mundo horrivelmente solipsista dos wokes. Nossos roteiristas estão demasiadamente interessados em si mesmos para conseguirem escrever qualquer coisa passada no mundo que acontece, ignorado, do lado de fora deles.

 

Alexandre Soares Silva é escritor e roteirista.

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  1. Acho esse alerta no final do texto - "As opiniões emitidas pelos colunistas não necessariamente refletem as opiniões de O Antagonista e Crusoé" - terrivelmente solipsista.

  2. Esse vírus também pegou de jeito Hollywood: incapacidade de contar uma história com personagens interessantes, apenas se busca a representação de grupos minoritários em produções de qualidade baixíssima (o que acaba não ajudando em nada as minorias em questão)

  3. Perfeito Alexandre. Eu continuo aguardando uma virada nas artes audiovisuais nacionais. Entretanto, se já tínhamos uma cultura woke disfarçada, hoje não só não disfarça como quer exaltar.

  4. Sempre muito interessante! Realmente são pessoas narcisistas, cegas para a realidade e surdas para os absurdos e crueldades que eles próprios dizem.

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