O perigoso jogo de Putin
Se as ações futuras de um governante podem ser previstas pelos seus movimentos mais recentes, então o mundo pode se preparar para uma guerra assim que começar a nevar no Leste da Europa. Nos últimos meses, a Rússia concentrou entre 100 mil e 175 mil soldados em cerca de dez pontos da fronteira com a Ucrânia. Uma parte dos acampamentos está instalada perto das cidades de Donetsk e Luhansk. Outra parte está próxima à capital Kiev, ao norte do país. Os comboios costumam se mover durante a noite, para despistar os satélites de monitoramento que coletam informações estratégicas. Muitos dos tanques e veículos de transporte estão adaptados para se locomover no gelo, e alguns deixaram bases militares na distante e gélida Sibéria, de trem. Equipamentos de artilharia para proteger um possível avanço terrestre de ataques pelo ar também foram deslocados.
Para além das ações práticas no terreno, os movimentos de Putin ameaçam mudar o equilíbrio militar da Europa. Ele disse que prefere ter “todas as opções na mesa” para o caso de suas exigências não serem atendidas. Os pedidos são basicamente dois. O primeiro é para que a Organização do Tratado do Atlântico Norte, a Otan, feche as portas caso a Ucrânia decida se juntar ao grupo. O segundo é para que militares e equipamentos de defesa antiaérea sejam retirados de países que fizeram parte da órbita soviética, como os países bálticos, a Polônia e a Romênia. Como a Otan não vê motivos para se comprometer com essas questões, até porque tais decisões só podem e devem ser tomadas pelos próprios países de forma soberana, não se chegou a um consenso. Sucessivas reuniões diplomáticas acabaram fracassando. “Há um risco real de um novo conflito armado na Europa”, disse o secretário-geral da Otan, o norueguês Jens Stoltenberg, na quarta-feira, 12, após um encontro com diplomatas russos.
A obsessão de Putin com a Otan é de longa data, e tem mais a ver com ameaças percebidas do que com um risco real. A Otan é uma organização de defesa, que foi criada para conter a antiga União Soviética. Seu propósito não é o de atacar outros países, mas sim o de defender seus membros caso um deles seja invadido. Contudo, para o presidente russo, o fato de a organização estar transferindo tropas e armas para perto de suas fronteiras nos últimos tempos é uma ameaça não apenas militar, mas também política. Desde o colapso da União Soviética, em 1991, 15 países que faziam parte do antigo bloco aderiram à Otan.
Com a adesão da Ucrânia se configurando como algo inevitável, o cálculo de Putin foi o de que seria melhor agir agora. Putin quer a todo custo evitar que a entrada da Ucrânia na Otan ou na União Europeia funcione como uma provocação para opositores a ele nas antigas nações soviéticas, como o Cazaquistão, onde quase 8 mil pessoas foram detidas e 164 morreram no início deste ano após protestos contra o governo. Putin não quer que os descontentes cazaques, da Belarus ou da Geórgia entendam que qualquer país do que chama de esfera de influência russa possa decidir livremente se tornar uma democracia, nos moldes ocidentais. Há outro ponto: se a Ucrânia de fato avançar para a aliança com a Otan e a União Europeia, haveria uma repercussão ainda mais forte, uma vez que a Rússia eslava surgiu de um antigo estado com sede em Kiev, ainda no século X. Com esses laços históricos entre os dois povos, seria difícil esconder dos russos que os irmãos ucranianos querem ficar longe de seu autocrata preferido — o que poderia fortalecer os adversários do Kremlin.
Se Putin conseguir manter a situação como está, já terá alcançado uma vitória. Desde que começou a sofrer sanções após a tomada da península da Crimeia, em 2014, ele tem buscado enfraquecer as democracias ocidentais, seja com ataques cibernéticos, mensagens enganosas nas redes sociais ou com veículos de imprensa dominados por oligarcas ligados ao Kremlin. Com a ameaça de invasão da Ucrânia, Putin coloca vários de seus rivais ocidentais discutindo na mesma mesa e testando suas alianças. Mais do que isso, ainda consegue recuperar a aura de poder que desfrutava a falida União Soviética, pela qual sente forte nostalgia.
Na quinta, 13, o vice-ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergei Ryabkov, falou em escalar o conflito até para fora da Europa. Ryabkov disse que não poderia “nem confirmar nem negar” a possibilidade de a Rússia enviar militares para Cuba e para a Venezuela. O conselheiro de Segurança Nacional americano, Jake Sullivan, tratou a frase como uma “bravata“.
Além de não existir um grande obstáculo para barrar Putin, as três principais medidas que poderiam ser aplicadas contra ele não têm eficiência comprovada. Fala-se em retirar as instituições financeiras russas do sistema de transações globais. A medida, que já foi usada contra o Irã, poderia desvalorizar o rublo e dificultar o pagamento de exportações russas, como as de petróleo e gás. Mas a Rússia tem larga experiência em driblar medidas como essas e poderia compensar a perda ampliando seus negócios com a China. Uma segunda possibilidade é impedir que componentes eletrônicos com tecnologia americana entrassem no país, o que afetaria a produção local de diversos itens, de televisores a foguetes – nesse caso, novamente a China poderia socorrer os russos. A terceira possibilidade é a de armar a população ucraniana. Quase 60% dos homens ucranianos estão dispostos a se juntar a milícias para responder a uma eventual ocupação russa. Nesse caso, a história é a melhor conselheira. Afinal, foi com armamento americano que os talibãs do Afeganistão derrubaram inúmeros helicópteros soviéticos e expulsaram as tropas de Moscou de seu país. Os resultados, porém, não estão assegurados. Enquanto o Ocidente permanece paralisado, cresce o medo de que, neste mês de janeiro, com a neve começando a cair na Ucrânia, o solo fique ainda mais apropriado para os tanques de Moscou.
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