Putin: no fundo, temor de que os russos possam se contaminar com clima pró-Ocidente

O perigoso jogo de Putin

Ao ameaçar uma guerra na Ucrânia, o presidente russo enfraquece as democracias ocidentais e se coloca jubilosamente na mesa de negociação mundial
14.01.22

Se as ações futuras de um governante podem ser previstas pelos seus movimentos mais recentes, então o mundo pode se preparar para uma guerra assim que começar a nevar no Leste da Europa. Nos últimos meses, a Rússia concentrou entre 100 mil e 175 mil soldados em cerca de dez pontos da fronteira com a Ucrânia. Uma parte dos acampamentos está instalada perto das cidades de Donetsk e Luhansk. Outra parte está próxima à capital Kiev, ao norte do país. Os comboios costumam se mover durante a noite, para despistar os satélites de monitoramento que coletam informações estratégicas. Muitos dos tanques e veículos de transporte estão adaptados para se locomover no gelo, e alguns deixaram bases militares na distante e gélida Sibéria, de trem. Equipamentos de artilharia para proteger um possível avanço terrestre de ataques pelo ar também foram deslocados.

Para além das ações práticas no terreno, os movimentos de Putin ameaçam mudar o equilíbrio militar da Europa. Ele disse que prefere ter “todas as opções na mesa” para o caso de suas exigências não serem atendidas. Os pedidos são basicamente dois. O primeiro é para que a Organização do Tratado do Atlântico Norte, a Otan, feche as portas caso a Ucrânia decida se juntar ao grupo. O segundo é para que militares e equipamentos de defesa antiaérea sejam retirados de países que fizeram parte da órbita soviética, como os países bálticos, a Polônia e a Romênia. Como a Otan não vê motivos para se comprometer com essas questões, até porque tais decisões só podem e devem ser tomadas pelos próprios países de forma soberana, não se chegou a um consenso. Sucessivas reuniões diplomáticas acabaram fracassando. “Há um risco real de um novo conflito armado na Europa”, disse o secretário-geral da Otan, o norueguês Jens Stoltenberg, na quarta-feira, 12, após um encontro com diplomatas russos.

A obsessão de Putin com a Otan é de longa data, e tem mais a ver com ameaças percebidas do que com um risco real. A Otan é uma organização de defesa, que foi criada para conter a antiga União Soviética. Seu propósito não é o de atacar outros países, mas sim o de defender seus membros caso um deles seja invadido. Contudo, para o presidente russo, o fato de a organização estar transferindo tropas e armas para perto de suas fronteiras nos últimos tempos é uma ameaça não apenas militar, mas também política. Desde o colapso da União Soviética, em 1991, 15 países que faziam parte do antigo bloco aderiram à Otan.

ReproduçãoReproduçãoSoldado ucraniano faz treinamento com americanos
A Ucrânia poderia ser o próximo. Em alguns momentos, o país pareceu estar prestes a seguir o caminho dos demais, afastando-se de Moscou. Em 2014, uma manifestação popular depôs o presidente Viktor Yanukovytch, aliado da Rússia. O apoio entre a população para que o país se una à Otan subiu de 30% há dez anos para mais de 50%. A fatia que pede para a Ucrânia entrar na União Europeia também cresceu, de 50% para 60%. Em 2019, o ex-presidente ucraniano Petro Proshenko assinou uma emenda constitucional para remover as amarras que impediam o país de se tornar membro da Otan. Em fevereiro do ano passado, o atual ocupante do cargo, Vladimir Zelensky, perguntou retoricamente ao presidente americano, Joe Biden, por que a Ucrânia ainda não fazia parte da organização. O quadro, portanto, mudou significativamente.

Com a adesão da Ucrânia se configurando como algo inevitável, o cálculo de Putin foi o de que seria melhor agir agora. Putin quer a todo custo evitar que a entrada da Ucrânia na Otan ou na União Europeia funcione como uma provocação para opositores a ele nas antigas nações soviéticas, como o Cazaquistão, onde quase 8 mil pessoas foram detidas e 164 morreram no início deste ano após protestos contra o governo. Putin não quer que os descontentes cazaques, da Belarus ou da Geórgia entendam que qualquer país do que chama de esfera de influência russa possa decidir livremente se tornar uma democracia, nos moldes ocidentais. Há outro ponto: se a Ucrânia de fato avançar para a aliança com a Otan e a União Europeia, haveria uma repercussão ainda mais forte, uma vez que a Rússia eslava surgiu de um antigo estado com sede em Kiev, ainda no século X. Com esses laços históricos entre os dois povos, seria difícil esconder dos russos que os irmãos ucranianos querem ficar longe de seu autocrata preferido — o que poderia fortalecer os adversários do Kremlin.

Se Putin conseguir manter a situação como está, já terá alcançado uma vitória. Desde que começou a sofrer sanções após a tomada da península da Crimeia, em 2014, ele tem buscado enfraquecer as democracias ocidentais, seja com ataques cibernéticos, mensagens enganosas nas redes sociais ou com veículos de imprensa dominados por oligarcas ligados ao Kremlin. Com a ameaça de invasão da Ucrânia, Putin coloca vários de seus rivais ocidentais discutindo na mesma mesa e testando suas alianças. Mais do que isso, ainda consegue recuperar a aura de poder que desfrutava a falida União Soviética, pela qual sente forte nostalgia.

OtanOtanJens Stoltenberg, com emissários russos, na sede da Otan
O presidente russo poderia ir mais além, contudo, já que não há muitos obstáculos reais à sua frente. Após a atrapalhada retirada de tropas americanas do Afeganistão, Joe Biden deixou evidente sua total falta de disposição para enfrentar conflitos armados no exterior. O calendário eleitoral americano também não ajuda. No final deste ano, os Estados Unidos terão eleições legislativas, e uma pesquisa do instituto Yougov mostrou que apenas 34% dos americanos defendem que o seu país deveria ajudar a Ucrânia no caso de uma invasão militar russa. Cerca de 22% dos americanos são contra e os demais não sabem responder. Os europeus, por sua vez, temem que uma rusga com a Rússia possa cortar o suprimento de gás para o continente. Os ânimos para defender os ucranianos, portanto, não estão muito aflorados.

Na quinta, 13, o vice-ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergei Ryabkov, falou em escalar o conflito até para fora da Europa. Ryabkov disse que não poderia “nem confirmar nem negar” a possibilidade de a Rússia enviar militares para Cuba e para a Venezuela. O conselheiro de Segurança Nacional americano, Jake Sullivan, tratou a frase como uma “bravata“.

Além de não existir um grande obstáculo para barrar Putin, as três principais medidas que poderiam ser aplicadas contra ele não têm eficiência comprovada. Fala-se em retirar as instituições financeiras russas do sistema de transações globais. A medida, que já foi usada contra o Irã, poderia desvalorizar o rublo e dificultar o pagamento de exportações russas, como as de petróleo e gás. Mas a Rússia tem larga experiência em driblar medidas como essas e poderia compensar a perda ampliando seus negócios com a China. Uma segunda possibilidade é impedir que componentes eletrônicos com tecnologia americana entrassem no país, o que afetaria a produção local de diversos itens, de televisores a foguetes – nesse caso, novamente a China poderia socorrer os russos. A terceira possibilidade é a de armar a população ucraniana. Quase 60% dos homens ucranianos estão dispostos a se juntar a milícias para responder a uma eventual ocupação russa. Nesse caso, a história é a melhor conselheira. Afinal, foi com armamento americano que os talibãs do Afeganistão derrubaram inúmeros helicópteros soviéticos e expulsaram as tropas de Moscou de seu país. Os resultados, porém, não estão assegurados. Enquanto o Ocidente permanece paralisado, cresce o medo de que, neste mês de janeiro, com a neve começando a cair na Ucrânia, o solo fique ainda mais apropriado para os tanques de Moscou.

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  1. Putin poderia salvar o povo brasileiro, explodindo a praça dos 3 poderes em Brasília em dia de votação de mamata! Seríamos o povo mais feliz do mundo.

  2. .....ditador complexado e assassino envenenador é assim mesmo... quando não tem nada o que fazer (não que falte, lógico!) só pensa em grilagem pra aumentar o quintal. Que saudades do MIKHAIL SERGEEVITCH GORBATCHOV... a única centelha de lucidez e inteligência ocorrida no Kremlin de Moscou nos últimos longos, torturantes e torturadores tempos....

  3. Que raiva desse Putin! Ele quer ser o dono do mundo pelo jeito... Tomara que os países consigam uma forma de encurralar os russos! Tomara que a Ucrânia vença! E obrigada pela matéria Duda! Muito boa!

    1. Proximidade física com EUA. Venezuela e Cuba ficam no continente americano.

  4. O legado da ex-clanceler da Alemanhã que aumentou sua dependência energética ao gás siberiano foi bom para o Putin e ruim para a Ucrânia, com a construção do gasoduto submarino. Por outro lado, Putin precisa vender gás e não pode esnobar tanto o ocidente.

  5. Quando estive na Rússia o papo rolava é que a Ucrânia é a menina dos olhos de Moscou, na época já estavam pressionando o Peroschenko à se afastar da União Europeia. Não duvido que, agora, Moscou queira dar o bote

  6. Bem....não se tem muitas alternativas nesse caso, assim caso o maluco do Oriente resolva peitar mesmo não vai restar muitas alternativas a não ser o confronto, infelizmente. A China hoje desequilibra o jogo pois servi como válvula de escape não só pra Rússia como Coréia do Sul, ganhando não só dinheiro como apoio geopolítico...Japão, Taiwan, Indonésia....que se cuidem. Enfim, Putin tá posicionando suas peças no jogo, e a UE e EUA tem de faze-lo antes que seja tarde demais. QUE DEUS TENHA PIEDADE

    1. não era uma República Soviética, mas era quase como fosse, pois se fugisse as regras de Moscou, sofreriam consequências.

  7. . a Rússia é hoje um regime autoritário sob a burocracia herdada do pseudo-comunismo que gerou monstros e gângsters no país ... mas tem poder militar igual ao grande rival que terão de se tolerar por simples ambos podem destruir o mundo 14 vezes .. e uma só basta.

  8. Polônia e Romênia nunca fizeram parte da União Soviética , eram países "independentes", que aderiram ao pacto de Varsóvia, também conhecido como cortina de ferro.

    1. URSS era composta por Armênia, Azerbaijão, Bielorússia, Estônia, Geórgia, Cazaquistão, Quirguistão, Letônia, Lituânia, Moldávia , Rússia, Tadjiquistão, Turcomenistão, Ucrânia e Uzbequistão. A Polônia era um país satélite da URSS

    2. A reportagem foi clara ao mencionar que faziam parte do "bloco" soviético.

  9. O eixo de poder e de phoder já foi deslocado: quem manda no mundo é a dupla Rússia-China, só não mandam de fato porque ainda não juntaram forças. Quem viver, verá. Aos arrogantes europeus e aos americanos? O mais legítimo jus sperniandi.

    1. Alessandro, quero ver se vc vai continuar vibrando quando as ditatoriais Rússia e China tirarem seu iPhone ou te mandarem para a cadeia por pederastia. Os " arrogantes" americanos e europeus te garantem o direito de ser adolescente rebelde sem causa, que chora no colo do namorado por que não usaram o pronome neutro para falar com você.

    2. Alex, tu é bobinho. Nutella. Guri de apartamento revoltadinho. Leia um pouco mais sobre historia recente e pare de usar camisetas com a cara do Che. Tá fora de moda já faz um tempinho.

    3. nem tanto Akexandro mas a China é grande potência militar hoje e neste angu creia até pode ser o equilíbrio contra algo mais drástico ... estratégia é assim algo cuidadoso e a arma da sendatez.

    4. Alessandro, vá para o diabo que o carregue para os quintos dos infernos. Com seus amigos e sua familia até a quicentesima geração. Seu filho de uma puta com um comunista chifrudo.

    5. A falta de coerência, noção e bom senso de alguns, culminando com absoluta ignorância, é desprezível. São capazes de transformar qualquer situação em torcia, preferencias pessoais etc. Contudo, fica na retórica da impotência, do falar besteiras na internet, jamais passam disso. Se a coisa ficar feia, choram e se desesperam.

    6. Pelo seu comentario vc e' mais um daqueles que torcem, por falta de cultura, pela expansao do mundo vermelho. Vai estudar cidadao!!

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