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A intrincada história das figurinhas
No próximo dia 21, uma boa parte do mundo dará um tempo em seus afazeres para acompanhar a partida de abertura da Copa do Catar, o 22º campeonato mundial de futebol. Nós, brasileiros, prenderemos nossa respiração no dia 24, quando a seleção brasileira fará sua estreia contra a Sérvia. Por mais realista que o torcedor seja, rola sempre aquela esperança de que, agora, conquistaremos o hexa.
Há uma dimensão de fé, emoção e memória afetiva na relação que as pessoas estabelecem com o futebol. Especialmente, quando se tratam de mundiais, que são amplamente explorados por um mercado de lembranças, do qual as figurinhas fazem parte. A cada quatro anos, adultos e crianças desprendem tempo e, principalmente, dinheiro para completarem os álbuns de figurinhas dos mundiais de futebol editados pela Panini, cujo grupo é, atualmente, o maior editor de figurinhas do mundo. Fundada na cidade italiana de Modena, em 1961, pelos irmãos Giuseppe e Bruno, a Panini revolucionou o mercado e a cultura do colecionismo de figurinhas, cujas origens estão situadas na virada do século 19 para o 20.
Diversão para uns, negócios para outros, as figurinhas não são meras imagens coloridas e autoadesivas para fixação em álbuns. Há muita história em torno delas que ajuda a entender o surgimento da sociedade de massa e a importância das imagens visuais entre nós.
“As imagens pertencem ao universo dos vestígios mais antigos da vida humana que chegaram até nós”, afirma o historiador Paulo Knauss. De fato, um tipo específico de produção pictórica conhecida como arte rupestre fornece aos estudiosos os indícios mais remotos de arte, religião e simbolismo, atributos exclusivos da nossa espécie.
Sobre essas primeiras imagens produzidas, a história da arte sugere uma forte conexão entre representação pictórica e magia. Afinal, o sobrenatural foi o primeiro meio através do qual nossos ancestrais atribuíram sentido e significado ao mundo, aprendendo a olhar para além do visível das coisas.
Séculos e milênios mais tarde, a modernidade promoveu o “desencantamento do mundo”, que teve na palavra escrita seu esteio. A invenção da imprensa barateou e tornou os livros e demais impressos produtos acessíveis. Porém, ela não substituiu as imagens. Na medida que as artes gráficas se desenvolveram ao longo do tempo, escrito e visual misturaram-se ao ponto de se tornarem uma das mais potentes janelas para o mundo, cujo componente pedagógico ajudou na disseminação de costumes, hábitos e ideias, pois, como disse o filósofo da comunicação Vilém Flusser, uma imagem é, entre outras coisas, “uma mensagem”. Sua produção e circulação têm conteúdo e intencionalidade.
Cartões postais, estampas, fotografias e figurinhas são parte dessa história. Surgiram durante a segunda metade do século 19, no hemisfério norte, em um contexto marcado pelo desenvolvimento de uma tecnologia que permitiu a produção de imagens visuais em escala industrial e de movimentos políticos nacionalistas, cujas tradições inventadas tiveram na iconografia um dos seus suportes, a exemplo dos selos postais, lançados inicialmente na Inglaterra, em 1840. Até hoje, emissões comemorativas e regulares são expressões públicas de identidades, memórias e tradições dos países emissores.
As primeiras séries de figurinhas não tinham nada a ver com o futebol. Muito menos com os seus mundiais, sendo o primeiro disputado no Uruguai, em 1930. O hábito de colecionar imagens, do qual as figurinhas fazem parte, surgiu na virada para o século 20, na Europa e nos Estados Unidos. No caso específico das figurinhas, foi a indústria do tabaco a responsável pela sua difusão, através dos cigarrete cards ou Zigarretenbild. Os temas abordados pelas coleções eram variados e giravam em torno de conhecimentos gerais e celebridades da nascente cultura de massa. Em uma época em que ainda não existia o Google para encontrar qualquer imagem, reunir e organizar estampas ou estampilhas em álbuns eram formas de sociabilidade e de acesso a um saber geral sobre cultura e ciências. Neste sentido, vale citar os primeiros álbuns de selos postais editados na Europa. Além dos espaços específicos para a fixação em ordem cronológica das emissões, cada país era acompanhado por mapas e litogravuras das suas armas e dos seus líderes. Os álbuns foram produzidos em grande variedade, desde os “populares” até as “edições de luxo”, para todos os gostos e bolsos, indicando a preocupação dos seus editores em alcançar o máximo possível de pessoas.
No contexto de expansão dos nacionalismos e do fascismo histórico durante as décadas de 1920, 30 e 40, em especial, na Europa, as figurinhas se tornaram um dos suportes de uma pedagogia política direcionada às massas, sendo o regime nacional-socialista na Alemanha (1933 – 1945) um exemplo emblemático.
Em 30 de janeiro de 1933, Adolf Hitler (1889 – 1945) foi nomeado chanceler pelo presidente Paul von Hindenburg (1847 – 1934). Foi o início de um regime político conhecido historicamente como “Terceiro Reich”. Embora Hitler tenha se tornado autocrata somente após a morte de Hindenburg, sua posse como chanceler desencadeou uma produção em larga escala de imagens visuais sobre os mais variados suportes, como a figura a seguir, cromo número 9 de uma coleção denominada “Adolf Hitler”, que deveria ser fixada em um livro ilustrado. Até o início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o nazismo usou as figurinhas como um meio de propagação das suas ideias.
![Wilson Oliveira Neto](https://cdn.crusoe.com.br/uploads/2022/11/Adolf-Hitler-Nazismo-figurinha-463x700.jpeg)
Passatempo, sociabilidade, fonte de conhecimentos gerais, meio de doutrinação política ou oportunidade de negócios no mercado dos itens colecionáveis. Eis as figurinhas, que para os profissionais da História, como o autor deste texto, são ricas fontes sobre o passado. Em tempo de Copa do Mundo, um meio de diversão envolve a paixão nacional dos brasileiros.
Wilson de Oliveira Neto é historiador e professor da Universidade da Região de Joinvile
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Sem esperanças… Nem com as “figurinhas” …
👍 🍀 🍀 🍀 🤗
Ótima reportagem, tbem colecionei vários álbuns de figurinhas, alguém lembra de um álbum de figurinhas que eram de lata,mais se não estou enganado acho que a abertura da Copa do Mundo de Futebol foi antecipada para o dia 20 de novembro, a cerimônia de abertura às 12 hs (de Brasília) e a partida inaugural às 13 hs (de Brasília).
Ótimo texto! 👏👏👏👏
é verdade
Interessantíssimo. O primeiro álbum que colecionei (e completei) ainda criança foi o da copa de 94. Ainda me lembro de álbuns do Brasileirão de algum ano da mesma época e de um dos Mamonas Assassinas. Folheá-los com amigos, trocar figurinhas, disputá-las no bafo e ver, orgulhoso, o álbum completo era um deleite. Bons tempos!
Muito legal! Desconhecia a história por trás dos álbuns de figurinhas. Valeu!
Interessante. Aguardemos o álbum Grandes Figuras da República Moderna, onde 80% do seu conteúdo será dedicado ao herói do povo, o arauto do amor, o cuidador dos pobres deste país: LULA. Esta será a propaganda que capturará as mentes fracas, criando o “gado da esquerda” que de bom grado se submeterá ao seu comando, pois vira da mão que os alimenta, lhes da sustento e uma vida cômoda. A contrapartida? A usurpação da LIBERDADE, da PROPRIEDADE e até da VIDA.O gado vai ao matadouro pelo seu dono.
Seu texto me fez recordar dos álbuns de figurinhas que completei. Agora, meu neto joinvilense e o outro argentino conversam sobre os álbuns que estão preenchendo. Vou usar seu texto para ensinar mais a eles.
Excelente! Amei.