Emendas secretas: mudar para ficar do jeito que está
Em todo o mundo, não há nada similar. Por aqui, o Poder Legislativo se apropriou das funções do Poder Executivo
O presidente Lula abraçou o sistema de concessão de emendas parlamentares engendrado durante o mandato de Jair Bolsonaro.
Como seu antecessor, o atual presidente da República “compra” apoio no Congresso por meio da distribuição dessas verbas políticas, disseminadas por centenas de cidades nas franjas do país, bem longe dos mecanismos de fiscalização e controle.
O dinheiro público desaparece.
No final do governo Bolsonaro, o STF sentenciou o fim do “orçamento secreto”, modelo que injetou dezenas de bilhões de reais em emendas secretas.
A pulverização dessas ordens de pagamento em municípios do Brasil profundo escondeu quais foram os deputados e senadores autores das emendas sigilosas, da mesma forma que tornou opaco o destino do dinheiro público.
Simplesmente não informaram em quais atividades ou programas enfiaram o Orçamento da União.
Em vez de simplesmente cancelar as injeções de milhões de reais fragmentados em cidadezinhas perdidas no mapa, como determinara o Supremo, o Palácio do Planalto, sob Lula, tratou de aplacar a voracidade dos parlamentares transferindo o “orçamento secreto” aos ministérios e para a modalidade das emendas de comissão, o que, na prática, manteve o caráter secreto de entrega de dinheiro aos políticos.
Lula deu prosseguimento ao processo iniciado por Bolsonaro, seu “inimigo”, que, por sua vez, havia substituído por meio das emendas os esquemas do mensalão e do petrolão, “instrumentos” para persuadir o Congresso a votar segundo os interesses do mais alto mandatário do país.
Quando Flávio Dino, ministro do STF, bloqueou o pagamento das emendas por falta de transparência, no segundo semestre de 2024, já era tarde demais. O ano eleitoral pressupunha que os pagamentos das verbas políticas teriam de ser providenciados pelo governo federal até o final do primeiro semestre, e assim havia sido feito.
O resultado do pleito mostrou a força das emendas secretas nas eleições dos novos prefeitos, anabolizados com dinheiro que faltou a seus concorrentes.
É indiscutível que os presidentes Bolsonaro e Lula 3 contaminaram ainda mais o ambiente político.
Convertidas em objetivo a se conquistar e ampliar, as emendas parlamentares se ramificaram país afora. Em ritmo crescente, assembleias legislativas e câmaras municipais passaram a exigir, de governadores e prefeitos, quinhões cada vez maiores dessas verbas políticas, como contrapartida pelo apoio ao Poder Executivo.
Em 2024, na contramão da transparência, novo pacote de bondades aos senhores parlamentares previu a sistemática de autorizar emendas de até 1,5 milhão de reais, em parcela única, sem a prefeitura contemplada apresentar, antecipadamente, projeto vinculado ao repasse, para que houvesse escrutínio por parte do governo.
Com a nova modalidade de emenda, isso só seria feito depois de consumado o “investimento”.
Assim, milhares de obras e programas vão correr soltos, de modo simplificado.
Pavimentação de ruas, aquisição de máquinas, tratores, bens e materiais, reformas de instalações públicas e contratação de shows artísticos. O novo modelo de emenda – altamente temerário – engolirá até 5 bilhões de reais por ano.
Ao todo, para 2025, Palácio do Planalto e Congresso teriam chegado ao entendimento de direcionar 50 bilhões de reais às emendas, o equivalente a cerca de 20% ou 25% dos investimentos do próximo Orçamento da União.
Em todo o mundo, não há nada similar. Por aqui, o Poder Legislativo se apropriou das funções do Poder Executivo.
Em tese, a dispersão do “suborno” pelos municípios acabou com o risco de tesoureiros de partido e operadores financeiros levarem dinheiro vivo em mochilas às salas das lideranças partidárias no Congresso, ou de direcionarem quantias milionárias a contas secretas em paraísos fiscais.
Ficou mais fácil traficar o dinheiro, e por isso Lula imitou Bolsonaro.
Quem fez a ponte entre os dois mandatários foi Arthur Lira (PP-AL), o todo-poderoso presidente da Câmara dos Deputados por dois anos sob Bolsonaro, e depois por dois anos sob Lula.
Na transição que deve ungir o deputado Hugo Motta (REP-PB) ao comando da Câmara, faz-se um esforço para mudar tudo, a fim de ficar exatamente do jeito que está.
Engana-se a opinião pública, com aval do STF, em comum acordo com o governo. Acredite quem quiser que as emendas secretas, enfim, vão se tornar transparentes e rastreáveis.
Sob Bolsonaro ou Lula, se o Palácio do Planalto optasse por enquadrar o Congresso e de fato garantir a boa aplicação dessas verbas, bastaria aos presidentes seguirem o dinheiro. Afinal, são recursos públicos e os governos têm a incumbência legal de fiscalizar a sua boa aplicação.
Em vez dessa conversinha sobre a necessidade de publicizar os nomes dos deputados e senadores que direcionam as emendas, o governo auditaria todo o processo, do começo ao fim.
Acompanharia o uso que se fez do dinheiro e os resultados práticos dos valores transferidos às contas bancárias de prefeituras, governos estaduais e entidades privadas também beneficiadas com as emendas. E elas deixariam de ser secretas.
Cabe ao Poder Executivo e está a seu alcance assegurar que as emendas sejam empregadas com eficiência, sem a sobrevalorização de materiais e bens, sem superfaturamento de contratos, fraudes, planilhas de custos forjadas, pagamentos de comissões e demais expedientes que nos mantêm como o país da corrupção e da impunidade, onde vive um povo desassistido e uma classe política de privilegiados e milionários.
Ivo Patarra, jornalista e escritor, é autor do livro Emendas Secretas – o “toma lá, dá cá” que garantiu o 3º governo Lula (2024)
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