Censor na mira
Pela liberdade de expressão, EUA vão atrás de Alexandre de Moraes

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) estão acostumados a não abaixar a cabeça para ninguém.
Por serem a última instância da Justiça brasileira e decidirem ações penais contra ocupantes de cargos do Executivo e do Legislativo, eles assumiram a aura de intocáveis.
Essa confiança leva os togados a participarem de cantorias com empresários e a não se declararem impedidos quando suas esposas defendem clientes endinheirados na mesma Corte.
Poucos são os jornalistas e parlamentares com coragem para denunciar essas atitudes, que solapam qualquer esperança de uma Justiça isenta.
Esta semana, anúncios do governo americano mostraram que, quando o Congresso se mostra inapto para frear o STF, alguma ajuda pode vir de fora.
Sanções
O secretário de Estado americano Marco Rubio prometeu mudar o sistema de “restrição de vistos”.
Estrangeiros e familiares que cercearam a liberdade de expressão de americanos e residentes nos Estados Unidos ficarão impedidos de entrar nos Estados Unidos.
Dias antes, Rubio disse que havia uma “grande possibilidade” de Alexandre de Moraes sofrer sanções pela Lei Magnitsky, que pune pessoas acusadas de violações dos direitos humanos e atos de corrupção.
Na quarta, 28, o Departamento de Estado publicou em nota que entre as autoridades que sofreriam punições estariam aquelas que “adotaram medidas flagrantes de censura contra empresas de tecnologia americanas e cidadãos e residentes americanos, mesmo sem autorização para fazê-lo”.
Moraes derrubou o X e o Rumble no Brasil, além de ter ordenado a derrubada de contas de redes sociais de brasileiros que vivem nos Estados Unidos. Ao menos dois deles têm cidadania americana.
Soberania
As sanções deverão ser mais brandas do que aquelas que foram cogitadas inicialmente. Quando o Departamento de Estado se pronunciou oficialmente esta semana, a Lei Magnitsky não entrou no jogo.
E é possível que nada mais seja anunciado nos próximos dias, meses ou anos.
Ao final, os americanos optaram por uma solução mais amigável.
O que poderá ocorrer, então, é Moraes e seus familiares serem barrados ao tentarem entrar nos Estados Unidos.
Essa mera possibilidade deve fazer com que Moraes, ministros do STF e o procurador-geral da República, Paulo Gonet, evitem viajar para os Estados Unidos.
Mas Moraes não terá problemas para usar cartão de crédito no Brasil ou movimentar valores na sua conta bancária — o que poderia ocorrer com a Lei Magnitsky.
Ele poderá levar uma vida normal no Brasil, sem qualquer dificuldade.
Ao maneirar na dose, o governo americano torna mais difícil a defesa dos ministros do STF e de autoridades do governo brasileiro, que reclamaram de uma suposta afronta à soberania nacional.
Os americanos, contudo, têm todo direito de decidir quem pode entrar ou ficar em seu país.
“Sob o ponto de vista do direito internacional, não se pode questionar a legalidade de eventuais decisões proferidas em território americano por juízes americanos com base no ordenamento jurídico dos Estados Unidos, a menos que tais decisões contrariem tratados internacionais que previamente limitassem esse tipo de decisão, o que não é o caso”, diz o advogado Dorival Guimarães Pereira Jr, coordenador da Skema Business School, em Belo Horizonte.
Resistência
Quando as sanções estavam na iminência de serem anunciadas, teve início um movimento para tentar deslegitimá-las.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, enviou para o Supremo Tribunal Federal um pedido para que o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro fosse investigado, por impulsionar sanções contra o STF, a Polícia Federal e a PGR.
Eduardo foi acusado de “coação no curso do processo, obstrução de investigação de organização criminosa e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito”.
Mas Eduardo não é o governo americano. E qualquer ação individual contra Moraes está longe de ser uma tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Big techs
Ao longo da semana, veículos aliados ao governo Lula espalharam a narrativa de que as empresas de tecnologia “big techs” teriam abastecido ou pressionado o governo americano, com o objetivo de prejudicar o Brasil.
A questão é que não importa se Eduardo ou as big techs articularam ou forneceram dados ao Departamento de Estado americano, porque essas atitudes não têm nada de ilegal e, no final das contas, trata-se de uma decisão soberana do Estado americano.
E nada disso apaga o fato de que o governo da maior e mais longeva democracia do mundo tomou uma decisão contra Alexandre de Moraes, acusado de censura.
“Amigo do amigo do meu pai”
É pouco provável que uma sanção contra Moraes mude o comportamento dos ministros do STF.
A investida contra a liberdade de expressão começou em 2019, quando os ministros do STF ficaram incomodados com publicações da imprensa e investigações da Lava Jato.
O ministro do STF Dias Toffolli, então, abriu o Inquérito das Fake News e colocou Alexandre de Moraes para ser seu relator.
Um dos primeiros atos foi censurar Crusoé, após a reportagem de capa “O amigo do amigo do meu pai”.
O texto citava o empreiteiro Marcelo Odebrecht, segundo o qual seu pai usava esse codinome — “o amigo do amigo do meu pai” — para se referir a Toffoli.
Em 2020, o plenário do STF chancelou a legalidade do inquérito, que envolveu outras empresas de comunicação, jornalistas e blogueiros.
Medidas que poderiam conter o ativismo do STF no Congresso não foram adiante por resistência de políticos de bolsonaristas a petistas.
Regulamentação das redes sociais
Sem encontrar resistência, o STF agora se prepara para dar mais um passo autoritário, elaborando uma lei para regulamentar as redes sociais.
Nesse movimento, o STF não apenas assume o papel legislador do Congresso, como ainda atropela o Marco Civil da Internet.
Com o Senado acovardado, não houve nada até agora capaz de provocar um revés nas atitudes censórias de Moraes ou de outros ministros do STF.
“As consequências são no campo da retórica e da imagem, sobretudo no campo internacional. Na prática, nada muda”, diz a advogada Maristela Basso, professora de direito internacional na Universidade de São Paulo.
“O STF não vai deixar se influenciar pelas sanções. Não vai recuar ou decidir sobre pressão qualquer que seja. Seguirá soberano seguindo a sua própria Constituição”, diz Maristela.
Imagem institucional
Mas algumas consequências são inevitáveis. Em primeiro lugar, a imagem internacional do STF ficará ainda mais manchada.
Nos últimos meses, a Corte tem sido tema de vários jornais estrangeiros, sendo que a grande maioria deles tem alertado para o seu crescente autoritarismo.
Além disso, é possível que o Congresso se torne mais recalcitrante em relação ao projeto do STF de avançar com a regulamentação das redes sociais.
Esta semana, o ministro do STF André Mendonça devolveu a ação sobre a regulamentação das redes para julgamento, o que deve permitir que o processo siga adiante na Corte.
Mas tanto o presidente da Câmara, Hugo Motta, como o do Senado, Davi Alcolumbre, defendem que esse tipo de coisa é prerrogativa do Congresso, e não do STF.
Com a imagem do Tribunal arranhada ainda mais com os anúncios do governo americano, o Congresso ganha mais autonomia para criticar qualquer nova regulamentação vinda do Tribunal.
Uma medida mais contundente do Congresso para barrar o ativismo do STF, contudo, talvez tenha que esperar a instalação da próxima legislatura, em 2027.
Enquanto o Congresso não resolver fazer a sua parte, não serão os Estados Unidos que acabarão com as violações da liberdade de expressão no Brasil.
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Comentários (7)
MARCOS
2025-06-11 19:01:23NADA MELHOR PARA O stf DO QUE UM CONGRESSO DE "RABO PRESO". SÃO MARIONETES AMEDRONTADAS POR CRIMES COMETIDOS QUE PODEM SER ESCLARECIDOS E OS CRIMINOSOS PROCESSADOS E PRESOS, CASSADOS E PERDERÃO O PODER E A GRANA, ENTÃO FICAM SOMENTE BALANÇANDO AS CABEÇAS POSITIVAMENTE PARA QUALQUER DECISÃO DO stf.
Gabriel Cajaty
2025-06-05 15:37:08Não devemos esperar nada, absolutamente nada de um Congresso composto por elementos como ALCOLUMBRE e HUGO MOTTA. E, mais ainda, suas excelências do Supremo estão se lichando p/ os arranhões que possam tisnar suas respectivas imagens internacionais!
Pedro Ivo Pinheiro Reis
2025-06-03 12:07:26A censura moderna se aproveita da dificuldade da opinião pública de entender que 3+2 será sempre 5, não importando se a conta é feita com laranjas ou maçãs. Não importa se a mídia é impressa ou digital. Se um jornal ou editora não podem ser objetivamente responsabilizados, derrubados ou ter suas portas fechadas em razão do conteúdo produzido por algum dos seus integrantes; da mesma forma é proibido fechar/derrubar uma plataforma de comunicação pelo conteúdo produzido por algum de seus clientes. Ou está com má-fé ou é absolutamente ignorante aquele que defende a censura das plataformas digitais.
FRANCISCO JUNIOR
2025-05-31 14:16:45Bobagem afirmar que tem poucos jornalistas que criticam o STF. Vejo em todos os jornais que assino criticas ao Xandão, o qual mandou muito bem em 2022 para não termos tido um golpe, porém ultrapassa qualquer limite razoável no inquérito das fake news, que não sabemos mais porque os acusados estão sendo acusados, não permitindo que a população saiba até que ponto o STF entende que é liberdade de expressão, a partir do qual o se considera crime.
Carlos Renato Cardoso Da Costa
2025-05-31 04:43:24Acho humilhante que o único embaraço ao STF seja causado por outro país quando temos ferramentas legítimas e constitucionais para fazermos nós mesmo. O mau voto tem consequências nefastas, sem dúvidas.
BRozoBR
2025-05-30 10:16:10Levar pito de um sabujo de um protoDitador foi onde chegamos depois de escolhas desastrosas como as de 2018 e 2022. Só citando as últimas.
Clayton De Souza pontes
2025-05-30 09:00:55Todo ajuda é boa pra jogar luz nesse ativismo do STF, que certamente distorce a balança de poder no país . A imprensa livre também é super importante !!