Foto: Fabio Menotti/PalmeirasFoto: Fabio Menotti/Palmeiras

O estrangeiro Abel Ferreira

O treinador português captou e se apropriou tão bem da faceta bélica do Palmeiras que parece nunca ter conseguido se sentir em casa no Brasil
30.08.24

Melhor seria ter usado “O homem revoltado” no título de um texto para falar sobre Abel Ferreira, mas “O estrangeiro” foi tentador demais, para dizer o que precisa ser dito, e é tudo Albert Camus de qualquer forma. O treinador português tinha acabado de liderar seu Palmeiras em um impetuoso 5 a 0 sobre o Criciúma pelo Campeonato Brasileiro, e conseguiu esconder o triunfo atrás de protestos contra seu machismo.

Não é a primeira vez que Abel é grosseiro em entrevistas coletivas, e é difícil imaginar que será a última. O técnico português se acostumou a ganhar no Brasil. É o atual bicampeão brasileiro, foi bicampeão da Libertadores da América e ganhou uma Copa do Brasil, entre outros títulos menos expressivos. Mas amargou, antes de descontar a raiva em gols no Criciúma, duas dolorosas eliminações para Flamengo e Botafogo, na Copa do Brasil e na Libertadores, respectivamente.

“A revolta nasce do espetáculo da desrazão diante de uma condição injusta e incompreensível. Mas seu ímpeto cego reivindica a ordem no meio do caos e a unidade no próprio seio daquilo que foge e desaparece. A revolta clama, ela exige, ela quer que o escândalo termine e que se fixe finalmente aquilo que até então se escrevia sem trégua sobre o mar”, diz Camus em O homem revoltado (Record).

É como se o franco-argelino estivesse falando do próprio Palmeiras, porque essa revolta precede Abel. Há algo de ressentido no torcedor palmeirense, uma desconfiança em relação a tudo e todos que só tinha se manifestado de forma tão intensa nas passagens de Felipão pelo clube. Abel e sua comissão técnica elevaram esse sentimento a outro nível.

Já destaquei nesta mesma revista, em É preciso saber perder, a declaração do auxiliar técnico João Martins, que, ao comandar o Palmeiras em empate contra o Athletico Paranaense em 2023 — porque Abel estava suspenso —, insinuou que o clube era vítima de um complô: “É ruim para o sistema o Palmeiras ganhar dois anos seguidos”. E os palmeirenses gostaram de ouvi-lo, assim como apreciam a forma como Abel mobiliza seu time.

Minha impressão é de que esse sentimento tem a ver com a forma como o clube conquistou suas grandes vitórias recentes, que dependeram de patrocinadores que competem em atenção com o time, como a Parmalat e a Crefisa — esta última, empresa da presidente do clube, é usada pelos adversários para nomear pejorativamente o próprio Palmeiras, como se a financeira já tivesse se tornado maior do que o clube.

A isso se mistura o fato de que as glórias mais antigas do Palmeiras ficaram tão distantes que não encontram eco nos padrões atuais, como o alegado mundial de 1951. É bobagem, mas tudo isso parece ter contribuído para desenvolver um ambiente raivoso na torcida palmeirense, e Abel o captou e se apropriou dele muito bem. Esse sentimento faz parte de sua gestão vitoriosa no Palmeiras, mas nunca permitiu que ele se sentisse em casa no Brasil.

Abel é o oposto do indiferente Meursault, protagonista de O estrangeiro (Record), que mal liga para a morte da própria mãe. Sua intensidade à beira do gramado já lhe cobrou várias suspensões por cartões amarelos e vermelhos, e suas entrevistas coletivas costumam descambar para declarações agressivas mesmo em vitórias, a depender da fase do time e da pressão a que ele está submetido — em maio de 2023, o português, que já foi alvo (e também acusado) de xenofobia, chegou a tomar o celular da mão de um repórter.

“Como se esta grande cólera me tivesse purificado do mal, esvaziado de esperança, diante desta noite carregada de sinais e de estrelas eu me abria pela primeira vez à terna indiferença do mundo”, diz o narrador protagonista de Camus, ao refletir na prisão após ser condenado à morte por ter cometido um assassinato.

“Por senti-lo tão parecido comigo, tão fraternal, enfim, senti que tinha sido feliz e que ainda o era. Para que tudo se consumasse, para que me sentisse menos só, faltava-me desejar que houvesse muitos espectadores no dia da minha execução e que me recebessem com gritos de ódio”, finaliza Meursault.

Abel não cometeu nenhum crime e nem está à beira da execução, mas também parece torcer por — ou se alimentar de — gritos de ódio.

Rodolfo Borges é jornalista 

 

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  1. E a xenofobia vem do Abel? Esse senhor conhece tao bem de futebol que nao consegue diferenciar o Cricuma e o Cuiaba. Ou talvez, estivesse mais propicio a criticar um vencedor que aponta erros no vergonhoso processo brasileiro. Mais facil criticar e evitar olhar pra verdade.

  2. O Palmeiras é grande desde muito antes da Parmalat e da Crefisa. Aliás, é cômico ler que sem a Crefisa o Palmeiras não conseguiria nada. O patrocínio é de 80 milhões de reais para um faturamento anual médio, dos últimos anos, em torno de 800 milhões. Tira 80, dá 720... Leia um pouco da história do clube. Estou em dúvida se você é são paulino ou corintiano...

  3. Português adora acreditar que o mundo está contra ele. Vivo em Portugal e sei bem isso. Mourinho, durante os anos de sucesso da sua carreira, fechava o clube em torno de si, unindo o grupo, ao criar inimigos externos fosse na imprensa, na arbitragem, na federação, etc. Tática velha aliada a psique portuguesa. Abel apenas repete, não criou nada.

  4. Essas entrevistas coletivas após um jogo são um terror para qualquer técnico. Abel teve que pedir mil desculpas por causa de um ataque de mimimi de jornalista. Ele não estava indiferente ao mundo. Estava cansado de ter que explicar porque ele fez aquilo em vez daquilo.

  5. Dificil no nosso país é ser vencedor e competente, pois logo vem a turba achar uma montanha de defeitos (quem não os tem?), uma sanha demolidora para derrubar a competência daquele que critica mas que não tem. Se ele é por vezes mal educado, das outras vezes (a maior parte) é bem educado (normal), mas os critícos sempre vão dar valor ao lado ruim, esquecendo as qualidades que normalmente superam os defeitos. Mas é assim mesmo. Inveja mata!!! Deixem o Portuga trabalhar em paz!

  6. Abel é um otimo técnico,se deixar de lado esses ataques de ódio, a incapacidade de não saber perder e ao mesmo tempo aceitar a derrota seria um ser humano bem melhor.Atribuo isso a um homem sem auto dominio , sem paciencia , dotado de desinteligencia e desequilibrio emocional, se melhorar pode ser comparado aos grandes lideres fora isso temos um técnico bossal e sem educação. Em memoria dos grandes idolos do palmeira me pergunto se Abel vale a pena .

  7. Primeiro o 5x0 foi contra o Cuiabá e a sua inveja de são-paulino frustrado é gritante e irritante rsrsrsrs

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