Ray Gunn via InstagramKristen Wiig e Will Ferrell dariam um ótimo filme sobre o incompetente — mas esfuziante breakdancing

Viva os boçais

Os ataques terroristas. Os ataques institucionais. Os ataques de dancinhas inexplicáveis valendo medalha nos Jogos Olímpicos de Paris
16.08.24

Os protestos que aconteceram agora na virada do mês na Inglaterra, depois que três crianças morreram esfaqueadas na rua, foram chamados de “badernas da extrema-direita” pela Wikipédia. “Ataques racistas”, diz o verbete que estou lendo aqui, se referindo não ao ataque às três crianças mas aos protestos que aconteceram por causa deles; “sentimentos islamofóbicos, racistas, anti-imigrantes, alimentados por desinformações…” — e por aí vai.

Os jornais e os políticos ingleses estão agindo da seguinte forma. É como se um médico um pouco boçal, com um jeito de falar um tanto brusco e desagradável, o examinasse e dissesse que você tem, digamos, lepra. 

Sua pele está de fato insensível, formando cascas estranhas. Mas como você não gosta do jeito do médico, você ri e desdenha do diagnóstico. Daí você tenta mostrar o dedo do meio para o médico, e de repente o dedo cai no chão. Você pega o dedo no tapete, enfia de volta no osso e tenta mostrar de novo o dedo do meio para o médico, mas, que desgraça, o dedo cai de novo no chão; você pega e tenta botar de volta, ele cai de novo etc.

Os jornais e os políticos ingleses, e as pessoas assim-chamadas moderadas, estão mostrando o dedo do meio para metade da população inglesa, desde pelo menos Enoch Powell, um político inglês que advertiu em 1968 que ainda haveria “rios de sangue” na Inglaterra por causa da imigração descontrolada. 

Essa metade da população inglesa que protestou agora contra a imigração em massa é talvez (realmente) um pouco boçal, um pouco desagradável. Em todas as sociedades, em todas as circunstâncias, as primeiras pessoas a notarem e a comentarem que têm alguma coisa errada acontecendo geralmente são mesmo boçais e desagradáveis. O problema das pessoas muito agradáveis é que elas tendem a esperar que os jornais e os políticos digam primeiro que alguma coisa errada está acontecendo. Antes disso, elas acham que não é educado comentar o problema, ou sequer notar que ele existe. Então, todos nós sempre dependemos dos boçais e dos desagradáveis para nos dizer o que ninguém mais tem a coragem de dizer.

***

Uma das melhores expressões populares que eu criei foi “chantilly no nariz”, por causa de alguém que se achava muito manipulador e esperto mas na verdade era desajeitado e óbvio – um Frank Underwood com chantilly na ponta do nariz. Mas infelizmente só foi popular entre três pessoas.

Esta semana, por exemplo, Alexandre de Moraes foi visto com chantilly na ponta do nariz. Na verdade ele foi chantilly no nariz total. Seus assessores também foram extremamente chantilly no nariz. Bolsonaro foi chantilly no nariz a vida inteira, coitado. Lula às vezes é, mas às vezes lembra de passar o guardanapo na cara antes de tentar ser maquiavélico. Eu próprio, obviamente, sou meio chantilly no nariz, como dá pra ver por essa última tentativa óbvia de fazer esse termo pegar.

***

Vi com alguma simpatia a australiana picareta que ficou famosa pelo seu breakdancing, digamos, singelo, nas Olimpíadas de Paris. Fiquei com vontade de ver um filme sobre isso. E seria assim:

Kristen Wiig é uma australiana que precisa ir para Paris para o casamento da sua melhor amiga, Melissa McCarthy, com um chef francês estereotipado (Ben Stiller). Como não tem dinheiro, sua única chance é ir como competidora de breakdancing para as Olimpíadas. 

Mas Wiig nunca fez breakdancing. Ela procura o maior técnico de breakdancing de todos os tempos, que é o Will Ferrell. Mas Ferrell se aposentou desde que um aluno seu morreu executando o movimento mais perigoso do breakdancing, o Flying Didgeridoo. Ferrell agora é um alcoólatra vivendo num trailer no meio do deserto australiano, casado com uma aborígene que bate nele. 

Se recusa a ensinar Wiig. Mas ela fica no frio e no sol do deserto durante dias até que ele perceba que ela está mesmo determinada a aprender. Ferrell ensina para ela o famoso Breakdancing Aborígene que ele aprendeu diretamente do espírito de um coiote. 

Wiig vai para Paris, perde, faz um papel ridículo, mas consegue ir no casamento da melhor amiga e fica feliz. Durante o casamento, o espírito do Coiote do Breakdancing aparece para ela, e diz que ela ensinou ao mundo a virtude de fazer as coisas de modo incompetente porém esfuziante. O Coiote do Breakdancing dá para Kristen Wiig uma medalha sagrada feita de esterco. Ficamos sabendo que, no mundo inteiro, as pessoas (juízes, engenheiros, cirurgiões etc) se inspiraram na australiana para fazer as coisas de modo incompetente porém esfuziante. 

Descem os créditos com aborígenes fazendo breakdancing. Fim.

 

Alexandre Soares e Silva é escritor
 

As opiniões emitidas pelos colunistas não necessariamente refletem as opiniões de O Antagonista e Crusoé

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
    1. Excelente o enredo do filme e mais uma excelente coluna. A imagem do dedo caindo tb foi ótima sacada (“olha, vc está errado, não tenho nenhum problema” e cai o dedo…). Os agradáveis seriam os politicamente corretos? A beautiful people?

  1. Fiquei pensando que eu deveria usar estratégias semelhantes para conseguir melhorar minha vida, já que trabalhando com Carteira Assinada não consegui muita coisa, não.

  2. Escreva já o script para esse filme! Se há Rouanet para Bacurau, Marighella e outras bost@s, para um filmezinho de comédia bacana não pode faltar verba

Mais notícias
Assine agora
TOPO