Presidência do Peru/ FlickrA presidente Dina Boluarte ofereceu uma conferência aos jornalistas da Associação de Imprensa Estrangeira do Peru - 24/01/2023. Foto: Presidência do Peru/Flickr

Rolex ostentação

Presidente do Peru Dina Boluarte desfila 15 relógios de pulso de luxo e é acusada de enriquecimento ilícito
05.04.24

Eleita como vice-presidente na chapa do Peru Livre, um partido de ideologia marxista-leninista e aliado da ditadura de Cuba, Dina Boluarte foi nomeada ministra do Desenvolvimento e Inclusão Social em julho de 2021. A partir dessa data, seu pulso começou a ostentar uma riqueza escandalosa. Em eventos oficiais como ministra e, depois, como presidente da República, ela apareceu com quinze diferentes relógios de luxo, incluindo peças das marcas Rolex, Fossil e Michael Kors. Estima-se que o conjunto das joias da presidente, que vai além dos relógios de luxo, valha meio milhão de dólares. Dina, porém, tem um salário de 4 mil dólares, o que equivale a 20 mil reais. O caso foi apelidado de “Rolexgate”.

Dina agora está sendo investigada pelo Ministério Público do Peru, acusada de enriquecimento ilícito. Atuando com independência, os procuradores obtiveram a autorização da Justiça para realizar uma operação de busca e apreensão na casa de Dina, no seu gabinete e na residência presidencial. A ação — impensável no Brasil, onde Executivo e Judiciário andam de braços dados — não teve grandes resultados. Os oficiais encontraram apenas oito relógios, todos bem mais baratos dos que ela usava em atos oficiais. Nesta sexta, 5, Dina foi convocada para dar um depoimento e levar os relógios mais caros.

A presidente é imune ao processo legal enquanto estiver no exercício de seu mandato, mas não está livre do juízo político. Na segunda, 1º de abril, a oposição protocolou um pedido de impeachment, ou de vacância, como chamam os peruanos. A iniciativa partiu do partido Peru Livre, que rompeu com Dina após a queda de Pedro Castillo, o presidente que tentou um golpe de Estado em 2022 e de quem a atual mandatária era vice. Foi o terceiro processo de impeachment levantado contra Dina. No primeiro processo, em abril de 2023, ela quase caiu após ser responsabilizada pela morte de cinquenta manifestantes nos protestos que sucederam ao impeachment de Castillo. A outra tentativa de destituição envolveu uma viagem ao exterior.

Nesta terceira vez, a base do governo no Congresso, com cerca de 60 dos 130 parlamentares, e a fragmentação da oposição salvaram a presidente na quinta-feira, 4 de abril. A oposição não teve votos nem para avançar o pedido à fase de debate em plenário. “O governo conta com o apoio de sua coalizão”, diz o cientista político peruano Fernando Tuesta, da Pontifícia Universidade Católica do Peru, em entrevista ao episódio do podcast Latitude deste sábado, 6 de abril. Dina, contudo, não sairá desse episódio totalmente ilesa. Após a operação policial e do anúncio do processo de impeachment, seis ministros foram substituídos, sem que os motivos fossem esclarecidos.

O caso Rolex é o mais recente episódio de uma novela de instabilidade na Presidência do Peru. O país teve seis mandatários nos últimos seis anos. Dois foram derrubados por impeachment, dentre eles Castillo, que tentou fechar o Congresso e fez uma convocação para um golpe de Estado na televisão. Para sorte dos peruanos, ninguém lhe deu ouvidos e Castillo foi detido.

A instabilidade política no Peru tem diversas explicações. A primeira é o enfraquecimento dos partidos políticos desde que Alberto Fujimori deu um golpe de Estado, em 1992. A partir daí, muitos partidos se tornaram legendas individuais, com apenas um político importante. A segunda é a pressão do fujimorismo a todo governo que não o incorpore em sua base. Em 2016, Pedro Pablo Kuczynski, de centro-direita, elegeu-se presidente, mas teve de lidar com uma forte oposição dos fujimoristas. “Nunca antes um único partido na oposição havia conseguido maioria absoluta no Congresso”, diz Tuesta. A terceira explicação está na penetração da corrupção nos mais altos escalões do governo. Quando a empreiteira brasileira Odebrecht saiu pela região comprando governantes para conseguir aprovar a construção de represas, usinas e estradas, vários presidentes peruanos foram corrompidos.

Os desdobramentos da operação Lava Jato em território peruano resultaram na prisão ou expedição de mandado de prisão preventiva de quatro ex-presidentes, incluindo Kuczynski. Hoje, um quinto presidente é alvo de investigação no âmbito da Lava Jato, que segue a passos lentos no Peru, apesar de medidas recentes do Congresso peruano sucatearem o combate à corrupção. Outras lideranças políticas, como Keiko Fujimori e um ex-prefeito de Lima, também foram atingidas pela Lava Jato peruana.

Dina ainda terá a chance de se defender, mas até agora não deu nenhum argumento convincente para explicar a sua coleção de relógios. Os peruanos então se perguntam quem teria dado os relógios para Dina Boluarte e o que essa pessoa teria recebido em troca. Segundo um levantamento do fórum Americas Society, Dina Boluarte é a mandatária mais impopular da América Latina. Ela tem apenas 9% de aprovação — um nível comparável ao da brasileira Dilma Rousseff, em 2016. A brasileira caiu porque ficou sem apoio no Congresso. Dina ainda tem como se segurar. Pelo menos por enquanto.

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  1. Ocultação de património ou trata-se de suborno/presente oficial. Ficou faltando o que diz a lei peruana acerca de presentes recebidos por agentes públicos no exercício de seus mandatos

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