Eduardo Anizelli/FolhapressFachada da Odebrecht: corrupção que rodou o mundo

Como fica a Lava Jato no exterior

Investigações nos Estados Unidos e na Suíça seguem de pé, mas fim da operação brasileira teve efeito negativo na América Latina
14.03.24

Ao se esparrar por dezenas de países, a operação Lava Jato tornou-se a mais abrangente da história. Depois que os desvios foram revelados e informações foram compartilhadas internacionalmente, empresas brasileiras assinaram acordos com o Departamento de Justiça americano, o DOJ. Na Suíça, contas bancárias foram congeladas. No Peru e na Colômbia, forças-tarefas inspiradas na Lava Jato foram deflagradas. Dez anos depois, com a operação minguando no Brasil, seu legado no exterior é duplo. Nos países ricos, os acordos assinados continuam valendo. Nos países em que o combate à corrupção nunca foi digno de mérito, forças políticas enterraram os avanços, usando o ocaso da operação brasileira como exemplo. “Depois de exportar corrupção, o Brasil passou a exportar impunidade”, diz Bruno Brandão, diretor-executivo da ONG Transparência Internacional.

Nos Estados Unidos, o país com a legislação anticorrupção mais avançada do mundo, nada mudou. Os acordos assinados entre as empresas Petrobras, Odebrecht (atualmente, Novonor), Braskem e J&F com o Departamento de Justiça continuam de pé. Em todos eles, o Departamento de Justiça, o FBI e a receita americana atuaram com autonomia e chegaram às suas próprias conclusões. “O FBI, agência que pertence ao Departamento de Justiça, continua investigando e não vai abandonar seu trabalho por causa das notícias que chegam do Brasil”, diz Maristela Basso professora de direito na USP. “Como se trata de uma jurisdição independente, as conclusões dos americanos podem ser totalmente diferentes das dos brasileiros. Mesmo que no Brasil pessoas e empresas que foram condenadas possam sair livres, nos EUA elas poderão ter um destino diferente.”

A Suíça congelou mais de 3 bilhões de reais em seus bancos. O dinheiro se refere a contas de doleiros, políticos e de empresas, que foram bloqueadas a pedido de pessoas e companhias que se sentiram lesadas pela corrupção. Assim como nos Estados Unidos, trata-se de uma atuação independente do Judiciário suíço, que confia nas próprias investigações. “Os suíços não fizeram isso para cumprir um pedido de uma autoridade brasileira. Eles fizeram isso por decisões próprias, após seguir procedimentos próprios”, diz o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, que atuou na Lava Jato (leia entrevista com ele nesta edição da Crusoé).

No futuro, existe uma possibilidade de que o STF, como um todo, anule as provas e as multas da Lava Jato, mas mesmo algo do tipo não necessariamente terá um impacto nesses dois países, que confiam em suas próprias investigações. Também é preciso levar em consideração que, por enquanto, as decisões do ministro do STF Dias Toffoli sobre cancelamento de provas e de multas das empresas corruptas são liminares, monocráticas. Ainda que venham a ser referendadas pelo plenário, haveria a possibilidade de o Ministério Público Federal entrar com um recurso. “As decisões de Toffoli não são definitivas e podem ser revistas”, diz Roberto Livianu, procurador de Justiça, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção e doutor em direito pela USP. “Por fim, nada poderá ser alterado nos acordos de leniência sem o aval do Ministério Público Federal, que tem a legitimidade constitucional de representar o interesse da sociedade e proteger o patrimônio público.”

Em contraste ao que se vê nos Estados Unidos e na Suíça, os esforços para se combater a corrupção perderam força nos países da América Latina e da África. Além do Brasil, outros 11 países foram implicados no esquema de corrupção da Odebrecht em delações de ex-funcionários da empreiteira ao Departamento de Justiça americano. Nesses países, houve um furor em um primeiro momento, em que a população se empolgou com a perspectiva de ver seus corruptos presos. Mas a reviravolta que ocorreu no Brasil, principalmente com a decisão do ministro do STF Dias Toffoli de anular as provas e as multas das empresas, acabou esfriando os ânimos lá fora. O desânimo com o combate à corrupção virou até notícia na revista britânica The Economist, no início de março. “As decisões de Toffoli correspondem a um novo agravamento da percepção da corrupção em toda a região. O Brasil caiu dez posições em um índice anual de corrupção divulgado pela Transparência Internacional, em janeiro. O Peru caiu 20 posições, colocando-o entre os países considerados os mais corruptos do mundo. A maioria dos países latino-americanos teve resultados piores do que seria esperado pelos seus níveis de desenvolvimento”, escreve a revista.

No Peru, a Lava Jato local tecnicamente ainda está em andamento, mas ficou muito comprometida a partir de 2023. O Congresso peruano aprovou, em junho, uma lei que limita o prazo para a homologação de acordos de leniência, o que compromete mais de 200 processos. Ainda em 2023, o Legislativo passou outra lei para reduzir o prazo de prescrição do crime de corrupção, dentre outros, para um ano. “Estão ocorrendo algumas condenações. Mas os réus têm recebido muitos benefícios e tudo se dá em um ritmo muito lento. A situação atual lembra muito o cenário do julgamento de Alberto Fujimori por peculato, que levou uma década”, diz o advogado criminalista peruano Dino Carlos Caro. Ele acredita que a Lava Jato peruana deve perdurar até meados de 2030.

Outro lugar onde os desdobramentos da operação seguem, ao menos no papel, é a Colômbia. Apesar de a propina no país caribenho ter ultrapassado os 40 milhões de dólares, segundo as investigações americanas, a Lava Jato colombiana nunca engatou a primeira marcha, como a peruana. Quando a operação brasileira ganhou dimensão regional, o Ministério Público colombiano já sofria de interferências políticas e falta de transparência. Sendo assim, o país relutou a desenvolver processos para permitir acordos de leniência e a firmar tratados de cooperação internacional. Enquanto o Peru solicitou 68 pedidos de ajuda ao Brasil entre 2017 e 2018, a Colômbia enviou apenas oito.

Essas situações diferentes mostram que o combate à corrupção não amadurece nos países de uma hora para outra. Trata-se de um longo processo, que deve ocorrer com participação da sociedade. Naqueles países em que o combate à corrupção é feito com instituições preparadas e sob o olhar de uma população vigilante, retrocessos são improváveis. Mas naqueles em que os poderosos sempre conseguiram escapar impunes, haverá ainda um longo e doloroso processo pela frente até que uma mudança aconteça.

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  1. VERGONHA! VERGONHA! VERGONHA! DESILUSÃO! Pobres coitados passando fome nas ruas e poderosos livres, continuando se refastelando com o produto de seus crimes.

  2. A corrupção campeia no Brasil há décadas, talvez séculos, porém, quando a Lava Jato iniciou seus trabalhos houve uma luz de esperança para os brasileiros honestos e os corruptos tremeram nas bases. Infelizmente, o supreminho e os governantes de plantão, juntamente com os políticos de má fama, destruíram todo o processo e só nos resta lamentar, pois não há mais esperança, não podemos confiar em ninguém!

    1. Aqui no galinheiro Brazyllis estes ladrões criminosos confessos a e que devolverem parte do seu assalto à nação já vencem "licitações" e logo com o latro moris do patropireciperarão o devolvido e roubarão bem mais ... um país onde sua justiça permite isto é puro lixo fétido e infecto e seu destino é a escravização ... estou mentindo ???

  3. Triste legado dos que estão destruindo a Lava Jato: entrar para a história como agentes do atraso, da permanência do Brasil como país de corruptos. Vale a pena, por trinta moedas?

  4. Parabenizo a toda equipe da Crusoé pela retomada dos fatos ocorridos nos 10 anos da operação. Os artigos narram de maneira fidedigna os fatos. Quanto a este último artigo sobre o exterior, vemos que ainda há um longo caminho a percorrer para o Brasil.

  5. A harmonia entre os poderes são muito caro pro pagador de impostos. Governantes corruptos terminam por aparelhar toda a máquina pra se proteger. É o que temos visto por aqui, onde o STF só serve pra blindar corruptos e disseminar insegurança jurídica

  6. Não foi tão difundida e famosa quanto a Lava Jato, mas sem dúvida, a Lava Lula foi muitíssimo mais eficaz, poderosa e exemplar da força da impunidade representada pela associação e conspiração do crime, política, advocacia, imprensa e judiciário contra a Lei e a Justiça.

  7. É isso aí. O Brasil se alinhando aos corruptos e mantendo sua péssima imagem perante o mundo. Mas, quem do alto clero aqui se importa? O negócio é manter os ladrões corruptos soltos, apesar de todas as evidências. E muitos esquerdalhas sabem disso, mas só admitirão se isso for maléfico para suas "carcaças".

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