Diogo Zacarias

O país dos juros altos

Ao longo das últimas décadas, o Brasil luta para gerar alguma confiança em investidores que continuam a demandar juros elevados para investir no país
24.03.23

Foi em novembro de 1989 que um título de membro do Koganei Golf Club, nos arredores de Tóquio, atingiu o seu pico em valor de mercado: US$ 3,09 milhões, o equivalente hoje a US$ 7,49 milhões (R$ 39 milhões), apenas para se tornar membro do clube.

Os títulos de clubes japoneses de elite são, ainda hoje, um dos exemplos mais vistosos quando o assunto são bolhas especulativas. Dada a escassez de terra no Japão, o mercado imobiliário local viveu um frenesi nos anos 80, conforme o país enriquecia, criando causos surrealistas.

Diz-se que os quatro hectares que compõem o terreno do palácio imperial japonês, chegaram a valer US$ 2 trilhões, ou o mesmo que todos os imóveis da Califórnia. Os títulos de membro dos clubes de elite, que passaram a ser negociados em bolsa, chegaram a valer US$ 153 bilhões no pico, o equivalente a 70% do PIB brasileiro na época.

O colapso da economia japonesa, porém, acabou sendo seguido de um caso sui generis, com um país rico que entrou em uma crise constante, com crescimento nulo, mas preservando seu status e riqueza.

Dados do agora falecido Credit Suisse apontam que os japoneses possuem uma riqueza somada de US$ 25,9 trilhões, ou o equivalente a seis vezes o seu PIB (sendo PIB a riqueza produzida ao longo de um ano).

Essa capacidade de preservar riqueza é o que colabora para o Japão, além de outros países ricos, conviver com situações que, se aplicadas ao Brasil, teriam resultados diametralmente opostos.

É comum que no debate sobre endividamento público, juros ou coisas similares, você vá ouvir que o Japão, uma nação rica, possui uma dívida de 236% do PIB, ou que a França deve 113% do seu PIB, ou ainda, que os EUA têm uma dívida sobre o PIB de 130%.

Mas utilizemos esses três países, além do Brasil, para colocar em perspectiva o que significa essa dívida ante a riqueza total do país (o acumulado, e não o produzido durante um ano).

O mesmo Credit Suisse estima que o Brasil tenha uma riqueza total de US$ 3,3 trilhões, ou 1,6 vezes o seu PIB.

A dívida do governo brasileiro seria, portanto, equivalente a 46% da riqueza do país. No caso japonês, que deve 236% do seu PIB (contra 74% do Brasil), o resultado é que o governo deve 39% da riqueza do país, ou em suma, menos do que o governo brasileiro. Já o governo americano deve 21% da riqueza do país, enquanto o governo francês tem uma dívida equivalente a 21,2% da riqueza dos franceses.

Na prática, o governo brasileiro deve mais do que governos de países, ainda que a dívida em relação ao PIB seja menor.

É evidente que essa diferença não explica nosso diferencial de juros, ou o que justifica o Brasil ter os maiores juros reais do mundo. Mas ela é parte relevante da resposta.

A capacidade que um país possui de acumular riqueza está diretamente relacionada à sua segurança jurídica, ao respeito à propriedade e ao dinamismo do mercado local. Em qualquer local do planeta, terra e imóveis são os ativos mais relevantes no estoque de riqueza.

No Brasil, um estudo produzido pelo Instituto Atlântico, presidido por Paulo Rabello de Castro, estimou em 15 milhões o número de imóveis no país que não possuem regularização fundiária.

Em suma, uma em cada três famílias brasileiras possui o seu direito de propriedade negado. Isso significa que elas não podem acessar o mercado de crédito com imóveis em garantia, que possuem juros significativamente menores do que o crédito pessoal. Significa que sua riqueza não é devidamente preservada entre gerações, e torna essas famílias mais vulneráveis.

E esse é apenas um dos muitos exemplos sobre segurança jurídica que afetam o mercado de crédito no Brasil. Por aqui, mesmo aqueles que possuem o registro do seu imóvel, não conseguem acessar o mercado de crédito por se tratar do imóvel em que residem. Em resumo: a Justiça jamais permitiria ao credor tomar um imóvel que serve de moradia a alguém, mesmo que essa pessoa esteja em dívida.

É uma questão social, claro. Mas indo um pouco além do direito da família, é importante notar que isso implica em custos para a sociedade. Uma pessoa que esteja em dívida gera custos a todos os bons pagadores, elevando a média dos juros no país.

E esse é um fator relevante em uma outra estatística: apenas 14% do crédito em atraso consegue ser recuperado no Brasil.

Em países ricos, a média está em 70%. Nossa média, que já foi pior (antes da lei de falências e da reforma que permitiu a alienação fiduciária, estávamos em 2% de taxa de recuperação, implicando que qualquer calote geraria custos muito maiores aos demais tomadores de crédito).

O risco de calote compreende 39,5% do custo total de crédito, segundo o Banco Central. E nossa pouca segurança jurídica não ajuda muito a mudar essa questão.

Então, recapitulando até o momento, temos que o Brasil é um país com taxa bastante baixa de poupança, o que implica menos recursos disponíveis, além de um país com garantias escassas, levando a uma maior incidência de calotes.

Como juros não são uma questão de justiça, ou definidos de forma aleatória, estes dois fatores importam bastante e ajudam a entender nossas taxas elevadas.

Mas há ainda um outro fator histórico na jogada.

Ao longo de quase todo século 20, o Brasil foi um país de mercado de capitais praticamente incipiente. Nos anos 40, criamos uma lei da “usura“, que proibia juros acima de 12% ao ano, em um país com inflação que chegava a 30% ao ano.

Entre 1940 e 1990, vivemos quase todo este período em juros negativos, com o governo se financiando de duas maneiras: empréstimos em dólar, além de impressão de dinheiro.

O resultado foi que convivemos com moedas que não preservaram valor, levando boa parte da população brasileira a pagar o preço de uma moeda hiperinflacionária.

Havia crescimento econômico na base da dívida, além de uma transição da população do campo para a cidade, mas pouco ou quase nada de desenvolvimento de fato, que crie e preserve riqueza.

Nos tornamos o 7⁰ país mais desigual do planeta, com uma imensidão de pessoas vivendo na pobreza enquanto o governo comemorava números elevados no PIB.

Mudamos em parte este cenário com o Plano Real. Um plano que ajustaram de forma pesada as contas públicas.

Em meio ao boom de commodities, trocamos a dívida externa pela interna.

E aí é que está a grande questão. Temos agora um país que deve em moeda nacional, mas não poupa, tem pouca segurança e um governo que deve muito em relação à riqueza do país.

Some esses fatores e faça uma pergunta a si mesmo: você aceitaria correr o risco de emprestar ao governo brasileiro com juros europeus?

A resposta é um sonoro não para qualquer pessoa consciente de suas finanças. O governo brasileiro possui riscos, que estão sendo precipitados em real. E veja, poderia ser pior. Na Argentina, também não existe preservação de riqueza (poupança), segurança jurídica e ainda não existe também um mercado de capitais local.

Os juros na Argentina estão hoje em 20% negativos, quando descontada a inflação. Isso leva o país a não conseguir se financiar no mercado local e ficar dependente de impressão de dinheiro.

É claro que esse é um caso extremo, mas é o caso de inúmeros países em desenvolvimento ou emergentes como o Brasil. Há pouco dinamismo local e muito endividamento em dólar.

Se quisermos de fato baixar os juros, é preciso olhar para todos estes fatores com segurança e apontar um caminho futuro que seja plausível.

Fizemos isso em anos recentes, criando uma regra fiscal simples e de grande impacto, o teto de gastos. O resultado foi uma queda nos juros de maneira organizada, sem levar a um aumento da inflação.

Fernando Haddad promete criar seu “arcabouço fiscal” para dar essa garantia de estabilidade novamente. Se conseguir soar plausível, é algo que precisamos descobrir.

Mas até que o Brasil consiga desvencilhar-se do rótulo de país inseguro, instável e pouco confiável (o fato de termos três regras fiscais e termos descumprido as três não ajuda muito), ainda seremos um paraíso de rentistas.

 

Felippe Hermes é jornalista

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