ReproduçãoLula depõe na Lava Jato: decisões de primeira instância foram mantidas, integralmente e por unanimidade

E Moro não foi o único a condenar Lula

Sem contar ministros do STF que lhe negaram habeas corpus, nove juízes condenaram Lula à prisão, mas este só quer vingar-se de Moro, por quê?
24.03.23

Em entrevista ao portal de esquerda Brasil 247, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou de lado sua prioridade de vingar a ex-presidente Dilma Rousseff por causa do impeachment, que encurtou seu segundo mandato. Agora, ele abriu nova temporada de caça contra um inimigo pessoal. Na investida, ele recordou que, no período em que cumpriu pena na sede da Polícia Federal em Curitiba, teve surtos de ira, nos quais insultava o ex-juiz – e agora senador – Sergio Moro (União Brasil-PR). “Pensava em vingança”, disse. “De vez em quando ia um procurador, de sábado ou de semana, para visitar, ver se estava tudo bem. Entravam três ou quatro procuradores, e perguntavam ‘tá tudo bem?’ e [eu respondia] ‘não tá tudo bem, só vai estar bem quando eu f… esse Moro’”.

A triste lembrança “coincidiu” com a ocasião em que agentes federais prenderam nove membros do Primeiro Comando da Capital (PCC), mais perigosa quadrilha de São Paulo, quiçá do país. Entre as informações colhidas pela autoridade policial há imagens, publicadas em vídeo pela Folha de S.Paulo, de uma casa em ruínas que, segundo o jornal, serviria de cativeiro para sequestrados. Os alvos de tais raptos seriam alguns servidores públicos que atrapalharam a atividade criminosa do bando. Entre eles, o ex-juiz paranaense e seus familiares mais próximos.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, apressou-se em definir como “vil, leviano e descabido associar a declaração de Lula à operação da PF contra o PCC”. Com as devidas escusas, talvez a definição caiba mais à transformação de um desafeto pessoal em inimigo público número um sem que haja nenhum fato que justifique. A primeira dúvida cabível no caso é a escolha de um julgador como responsável por todas as decisões de todo o sistema judiciário brasileiro pelo eventual réu. Moro foi o primeiro juiz a condenar Sua Excelência, mas não foi o único. Uma simples leitura do noticiário bastará para comprovar esta afirmação. Não há provas de que a juíza substituta Gabriela Hardt tenha sentenciado o petista por ordem emanada pelo titular da vara. Ou haveria? E ainda há outros. As decisões de primeira instância foram mantidas, integralmente e por unanimidade, pela Oitava Turma do TRF 4, Thompson Flores, presidente, Pedro Gebran Neto, relator, e Leandro Paulsen. Posteriormente seriam acatadas, também unanimemente, pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, o presidente, Reynaldo Soares da Fonseca, o relator, Felix Fischer, e os ministros Jorge Mussi e Marcelo Navarro. Ao todo, nove magistrados.

Em 4 de março de 2018, seis membros da corte definitiva, o Supremo Tribunal Federal (STF), negaram habeas corpus contra a prisão de Lula, pedido por sua defesa: Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia. É possível argumentar que a composição do STF mudou e a maioria dos ministros não inocentou o atual chefe do Executivo, como ele tem propagado aos quatro ventos, mas cancelou a condenação e isso permitiu sua candidatura presidencial pelo Partido dos Trabalhadores (PT), em 2022. Por isso, esta conta para nos nove e não alcançou os 15 porque quem votou contra o HC certamente concordou oficialmente com as sentenças até então vigentes.

Isso ocorreu, aliás, por decisão de um dos majoritários, Fachin, que liderou a maioria responsável pelo cancelamento de cinco anos de vigência do processo penal, que voltou à estaca zero. A vitória dos cinco derrotados em 2018 – Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello – os excluiu da lista de quem viu culpa nas provas apresentadas pela Operação Lava Jato do Ministério Público Federal. Mas não altera o argumento fundamental deste texto sobre a inimizade exclusiva com o primeiro, mas não único, juiz.

Desde que os processos foram cancelados, afloraram as razões pelas quais essa distorção foi adotada como fato. Em acachapantes maiorias, o Congresso Nacional pôs fim ao combate à corrupção com a extinção da Operação Lava Jato pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. Este foi conduzido e reconduzido ao posto por Jair Bolsonaro, apesar das notórias relações com políticos de esquerda, sob as bênçãos do pai, Roque Aras, principal assessor de Chico Pinto, destacado líder esquerdista na resistência à ditadura militar, que o ex-presidente exaltava. Essas ligações certamente inspiram a decisão do protagonista deste texto a mantê-lo no posto, apesar de seus dois mandatos em que prestou de forma insistente e abusiva, inestimáveis serviços ao capitão-terrorista.

A falsa frente ampla que levou Lula à vitória final na disputa com seu aliado na demolição da Lava Jato não é a primeira falseta na vida do ex-sindicalista do ABC e muito provavelmente não será a derradeira. A farsa da reconstrução da democracia ao estilo petista de ser porá por terra os elevados conceitos morais que pregam a escolha de uma mulher, de preferência negra, para a vaga de Ricardo Lewandowski em 11 de maio próximo. Ela afundará no mesmo pântano em que foram sepultados os sonhos do combate à corrupção, alimentados pelas multidões nas ruas desde 2013. O ministro será branco, do sexo masculino e é tido como advogado do presidente. Mas não é. O causídico a serviço do metalúrgico é o sogro deste, Roberto Teixeira. Só que, ao contrário do genro, cuja ficha é limpa, uma tentativa de substituir um velho amigo por outro não resistiria às polêmicas que podem azedar a champanhota da festa da indicação com lembranças dos escândalos que inauguraram a saga petista. Refiro-me à  participação em casos pra lá de suspeitos em denúncias feitas pelo economista Paulo de Tarso Wenceslau em histórica entrevista a Luiz Maklouf de Carvalho no Jornal da Tarde, em 1997, nas prefeituras do PT de Campinas (Jacob Bittar) e São José dos Campos (Ângela Guadagnin).

Lula não deveria agir como um fanfarrão de boteco, que adota a lei do talião, instrumento próprio da barbárie, para vingar-se de inimigos pessoais. Mas foi eleito para ser princeps, “primeiro magistrado” de uma sociedade que anseia por alcançar os benefícios da civilização, zelando pela paz e pela justiça para todos os cidadãos.

 

José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor

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