AlexandreSoares Silva

O que mais dói em um político é ser ignorado

06.01.23

Aquela frase de Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa, de que o homem superior não sabe nem o nome do presidente do seu país, sempre me pareceu uma verdade, um objetivo espiritual a ser atingido: “O supremo estado honroso para um homem superior é não saber quem é o chefe de estado do seu país, ou se vive sob monarquia ou sob república.”

Fernando Pessoa sabia muito bem o nome de cada presidente sob o qual viveu. É um ideal impossível de ser atingido, exceto na infância ou num manicômio.
Mas é um ideal muito bonito: a vida sem o governo. O governo caiu por um alçapão, caíram todos, tudo é um imenso jardim agora, e nossas mentes estão livres para decorarmos nomes de pessoas mais importantes, como quadrinistas da Marvel nos anos 70.

Obviamente é impossível esquecer o nome do presidente do seu país, uma vez que você sabe. Mas talvez seja possível não tê-lo muito presente na memória. Pensar nisso com tão pouca frequëncia que esse conhecimento fique meio vago, como o conhecimento da capital de alguns países. Porque alguns países, quando nos perguntam a capital, respondemos com um ponto de interrogação implícito:

P: Qual a capital da Guiana?

R: Hmm… Georgetown?

É assim que os nomes dos presidentes deviam aparecer nas nossas mentes pelo menos com uma certa dúvida.

O que não se deve fazer e acabamos de ver isso acontecer por quatro anos seguidos é fingir indiferença ao presidente, trocando o seu nome: o Coiso, Aquele Lá etc. Isso não engana ninguém. Isso não é indiferença, é um paroxismo histérico de náusea e ódio. Isso não é não dar importância, que é o que proponho; isso é dar uma importância enorme, e uma importância indevida, e uma importância ridícula.

Eu sou um proponente da indiferença mesmo ou nem indiferença, eu sou um proponente da ignorância. Você pode achar que não há nada que um governo odeie mais do que a oposição, mas não é verdade. Isso não leva em conta a força da vaidade humana.

Quem um governante mais odeia não é o opositor que leu duas biografias suas de 800 páginas, e comparou as duas em resenhas prolixas nos jornais. Quem um governante odeia mais é quem nem pensa nele, mal sabe quem ele é, não sabe o seu sobrenome nem a cidade em que nasceu, nem nenhuma anedota pitoresca do seu passado, nem o nome da sua mulher e filhos, nem o do seu partido; e não o reconheceria se a polícia o colocasse no meio de um grupo de punguistas, crackudos e masturbadores públicos.

Imagine o Lula cruzando na rua com alguém que não o chama de paínho, nem de ladrão; que ao passar por ele não lhe faz uma massagem aiurvédica testicular, nem lhe cospe; que não o louva, nem lhe arenga; e que deixa os olhos passarem tranquilos e ignorantes por ele, como passariam tranquilos e ignorantes por um homem-sanduíche ou um vendedor de cocadas.

Podem imaginar o choque presidencial? Era capaz de ter um súbito declínio da saúde e morrer duas semanas depois.

A objeção tradicional ao que estou dizendo, e sei que você está impacientemente formulando essa objeção na sua mente desde o primeiro parágrafo deste texto, é que se não nos inteirarmos das coisas que o governo faz, ele: 1) fará o que quiser, já que ninguém está se opondo a ele, e 2) não sabendo o que ele está fazendo, não nos prepararemos, e seremos prejudicados em dobro.

É razoável achar isso, mas é um erro também, porque me parece evidente que, 1) não é o número de editoriais contra ele que você leu, nem quantas horas de podcast que você ouviu, que vai impedir o governo de fazer qualquer coisa, e 2) na prática, qual porcentagem de toda informação que você lê serve para que você se proteja mesmo de alguma coisa? Você acha exagero retórico da minha parte se eu disser que é próximo de zero? Que mais vale a pena ler Moby Dick, Os Maias e coisas assim? E que o único conselho que serve para alguma coisa, em quase todos os momentos históricos do país, é o de sair do país?

Mas, bom, tendo dito isso, vou confessar uma coisa. Às vezes quero fazer exatamente o contrário. Decorar os nomes de cada ministro corrupto (e juntos eles já têm uma ficha criminal maior que a de todos os outros criminosos brasileiros desde a Guerra do Paraguai) e saber na ponta da língua os detalhes dos escândalos todos em que o governo se mete, só para poder despejar esses detalhes em qualquer conversa com qualquer petista que me passe na frente.
Passar quatro anos fazendo isso, com grande gosto e torpe erudição de alma mesquinha.

Sim, sim, é como eu disse: o mais eficiente é ignorar, é não fazer nada. Não só agir como se você fosse superior ao governo, mas de fato ser superior ao governo. Nem perceber que ele existe, percebe? Tudo isso é mais eficiente, mais sábio. Dói mais no governo, porque eles não querem ser ignorados.

Mas qual a graça de ser sempre eficiente e sempre sábio? A graça da vida está às vezes em ser um pouco tolo, e reagir, e lutar, e atrapalhar, e incomodar tanto quanto possível.

E apesar de tudo que escrevi no início desse texto, é isso que ando com vontade de fazer durante os próximos anos. Só porque sim. Só por uma espécie de senso esportivo, mesmo.

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  1. Bom, se é assim, então vou parar de ler Crusoé e Antagonista e vou pro youtube ver aulas de artesanato. Sempre aprende-se alguma coisa. Boa noite, vou ver o passo a passo de como pintar cabeça de pulga.

  2. Alternativamente, mas não muito longe disso, preferiria q a eleição de fulano ou sicrano para a presidência não me tirasse o sono, confiante que as instituições da República fossem devidamente fortes, harmônicas e alinhadas para manter a nau no seu devido rumo, apesar dos disparates do indivíduo eleito (que jamais será um deus ou semideus, mas um cidadão igual a nós, sujeito a erros e malfeitos)

  3. Aproveitando o seu (muito bom)artigo, gostaria de fazer um enunciado sobre nossos políticos clepto’s, (a maioria infelizmente): “O país em que vc paga menos impostos, geralmente tem os melhores políticos “

  4. Olha, o conselho é bom, vale a tentativa, pq os últimos 4 anos foram um s4c0! Preciso de uma folga, ou de uma fuga da realidade. O problema é que ela sempre se impõe. Mas vamos tentar um mundo mais pollyannesco!

  5. Fui convencido pelo texto de tal forma que nem mais chamarei de l@drão o l@drão, corrupto, covarde, analfabeto, condenado, ex-presidiário que foi eleito por estúpidos sem nenhum senso de decência. 👀

  6. Alguém muito competente, não eu obviamente, deveria se dedicar a escrever com será 01 01 2027, o epitáfio do ora governo é claro. Em algum ponto escreverá que olhando do alto como uma foto de um país em guerra, veremos um ponto luminoso aqui e outro acolá, como na Ucrânia, o resto será escuridão.

  7. Impossível ter reação como agulha que toma na bunda e não perde a linha. Opor, reagir e vigiar o tempo todo, nada de moleza para a ptralhada.

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