Fábio Queiroz / Agência ALO deputado estadual catarinense Julio Garcia: citado em delações, beneficiado por questões processuais

O que dizem as novas delações da ‘Lava Jato catarinense’

Contestada nos tribunais, a Operação Alcatraz tenta provar que não cometeu erros processuais, enquanto prossegue nas investigações que trazem à luz mais revelações
02.09.22

No começo de agosto, a Operação Alcatraz, deflagrada em 2019, e sua derivada, a Hemorragia, de 2021, pareciam estar a caminho de um fim melancólico. Responsáveis por trazer à luz um esquema de corrupção profundamente entranhado na administração pública de Santa Catarina, que ao longo de mais de uma década desviou pelo menos 265 milhões de reais dos cofres públicos, elas sofreram três reveses sucessivos.

No primeiro revés, que data do início de agosto, o ministro Edson Fachin, do STF, tornou imprestáveis todas as provas colhidas pela Alcatraz contra o ex-presidente da Assembleia Legislativa catarinense, o influente deputado Júlio Garcia, do PSD, por incompetência de foro. Em fevereiro de 2021, Garcia chegou a ter o mandato suspenso e a prisão preventiva decretada. Passou alguns meses portando uma tornozeleira eletrônica. Hoje, livre da investigação, acaba de lançar sua campanha à reeleição.

No segundo, também em agosto, Joel Ilan Paciornik, ministro do STJ, anulou todas as decisões de uma das seis ações que integram a operação Hemorragia, que investiga especificamente os desvios de recursos para área da saúde. O Paciornik alegou que havia um erro de competência: ela deveria ter corrido na Justiça Estadual, não na Federal.

O terceiro revés, igualmente recente como as outras, é o mais grave. A operação Alcatraz teve origem num relatório da Receita Federal que apontou movimentações financeiras suspeitas de pessoas que, conforme se soube mais tarde, estavam no centro de grandes negociatas. Numa decisão ainda sujeita a recursos, o mesmo ministro Joel Paciornik decretou que o relatório não poderia ter sido compartilhado com o Ministério Público Federal da maneira como foi feito, sem autorização prévia do Judiciário. Se esse entendimento prevalecer, todas as denúncias e processos cairão por terra.

Enquanto apela contra essas decisões, o MPF continua o seu trabalho de investigação. No final de agosto, três delações premiadas foram homologadas, abrindo perspectivas para aquela que já foi apelidada de “Lava Jato catarinense”.

Crusoé analisou as delações a que teve acesso. Elas desvendam, com riqueza de detalhes, fraudes em licitações do governo estadual.

Nome conhecido no setor de tecnologia, o empresário Jaime Leonel de Paula Jr. se comprometeu a ressarcir os cofres públicos em R$ 39,2 milhões de reais, entre multas e devolução de valores desviados. Ele terá de cumprir sete anos de reclusão, mas apenas o primeiro será em regime fechado – e no seu domicílio. Paula Jr. teve bons motivos para querer relatar o que sabe e escapar de uma prisão mais severa. No final de 2021, ele vendeu sua empresa, a Neoway, para a B3, a Bolsa de Valores de São Paulo. Valor da transação: 1,8 bilhão de reais. Um futuro sem preocupações o aguarda daqui a sete anos.

Segundo o empresário, ele manteve, entre 2006 e 2018, uma estreita parceria com Milton Martini, funcionário público hoje aposentado, que durante sua carreira chefiou da administração estadual de Santa Catarina e ocupou por duas vezes uma secretaria de estado. Os dois se reuniam regularmente para analisar os projetos do governo estadual que envolviam serviços de TI. Eles escolhiam os alvos mais promissores e estabeleciam o valor que pretendiam ganhar. Em alguns casos, a empresa de Paula Jr. tinha a expertise necessária. Em outros, era preciso encontrar parceiros que topassem participar da falcatrua. Foi assim que, no caso esmiuçado na delação, eles aliciaram a empresa Micromed.

Como sempre acontecia, Paula Jr. e Martini prepararam o edital de licitação, superestimando os custos e incluindo nele requisitos que só a Micromed possuía. Cabia a Martini fazer com que o edital fosse adotado pela administração pública. Vencedora da disputa, em 2008, e contratada pelo estado, a Micromed passou a transferir uma parte dos pagamentos para uma empresa de fachada chamada Alfa, controlada pela família de Martini, mas na qual Paula Jr. também tinha participação. Essa empresa, sem nenhum funcionário e cuja especialidade era apenas lavar dinheiro permitia que seus cotistas recebessem “lucros” com benefícios tributários. Corrupção boa é aquela que não paga imposto.

Em mais de mil páginas de documentos, Paula Jr. forneceu à Justiça toda a contabilidade da empresa fantasma. Entre 2009 e 2011, o esquema desviou 2 milhões de reais por ano. Desses, 600 mil iam parar nos bolsos de lideranças políticas. Segundo Paula Jr., cabia a ele entregar o dinheiro para o deputado Julio Garcia, um dos mais influentes da Assembleia estadual, enquanto Martini fazia o mesmo com o emedebista Eduardo Pinho Moreira (assista ao vídeo). Moreira foi vice-governador de Santa Catarina nos dois mandatos de Raimundo Colombo, do PSD, entre 2011 e 2018. Nesse período, Martini também teve duas passagens de cerca de um ano pela Secretaria de Administração do governo.

As outras duas delações recém-homologadas são das irmãs Irene e Paula Minikovski. A história que elas contam é bastante parecida com a de Paula Jr.. Mais uma vez, Milton Martini faz parte do elenco, dessa vez acompanhado de integrantes da secretaria estadual de Saúde. Fornecedoras de programas de gestão de pessoal para hospitais, Irene e Paula tiveram diversos contratos superfaturados com o governo. Para repassar a propina aos políticos, elas se utilizaram tanto de um escritório de advocacia que fingia lhes prestar serviços idôneos, quanto de empresas de fachada.

Paula Minikovski contou aos investigadores ter entregue dinheiro em espécie no gabinete de Milton Martini. “Eu levava o dinheiro dentro de um envelope em uma mochila”, diz ela. “Martini tinha como hábito colocar a televisão no volume alto para que não houvesse risco de eu estar gravando a conversa.” Segundo o MPF, uma parte desse dinheiro ficava com a família e bancou, por exemplo, a festança de casamento de um dos filhos de Martini. Outra parte, afirma Paula Minikovski, tinha como destinatário o deputado Júlio Garcia.

Miriam Zomer / Agência ALMiriam Zomer / Agência ALO ex-vice-governador Eduardo Pinho Moreira: Janjão era o seu emissário
Um certo João Eduardo Gomes, conhecido como Janjão, também teria recebido quantias polpudas. Ele era assessor e homem de confiança de Eduardo Pinho Moreira. “Os pagamentos realizados a ele tinham como destinatário, do que tenho conhecimento, o vice-governador”, conta Paula. Em certa ocasião, quando as irmãs Minikovski pensaram em interromper o esquema, houve uma discussão séria com Janjão. “Ele disse que o dr. Eduardo ficaria ‘puto'”, afirma Paula.

Com base nessas delações, o Ministério Público Federal pode, em tese, oferecer novas denúncias contra os figurões da política catarinense e seus operadores. A ideia é que os depoimentos, acompanhados de farta documentação, constituem provas autônomas e podem servir como origem para ações independentes.

Em sua outra frente de batalha, o MPF pretende demonstrar que todas as decisões judiciais que atingiram a Alcatraz e a Hemorragia recentemente são “inovações” que contrariam entendimentos consagrados dos tribunais superiores.

A decisão de anular todas as provas contra Júlio Garcia parte da premissa de que ele estava sendo investigado enquanto ocupava o cargo de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, o que lhe daria direito a foro privilegiado. O MPF alega, no entanto, que nesse período a investigação atingiu tão somente a irmã de Garcia e que a simples menção ao seu nome como possível destinatário de propinas, segundo uma ampla jurisprudência, não tornava obrigatório o envio do processo para outra esfera judicial. Segundo os procuradores, Garcia só se tornou  alvo da Operação Alcatraz no intervalo entre sua aposentadoria do Tribunal de Contas de Santa Catarina e seu retorno à Assembleia Legislativa do estado – quando era, portanto, um cidadão comum.

O entendimento de que uma das ações resultantes da Operação Hemorragia deveria ter corrido na Justiça Estadual se ampara no fato de que não houve desvio de dinheiro federal na licitação fraudulenta – tese que o MPF pretende mostrar que não se sustenta, visto que havia recursos federais misturados a estaduais em recursos destinados à área da saúde e que ajudaram a compor o total desviado.

Naquela que constitui a maior ameaça à Alcatraz, não apenas a jurisprudência, mas a própria letra da lei parece jogar a favor dos procuradores. A decisão do ministro Joel Paciornik ignora que a autorização prévia da Justiça para o compartilhamento de dados da Receita só se aplica a casos em que a investigação se relaciona a crimes tributários, ao passo que todos os processos da Operação Alcatraz e da Hemorragia são de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

A corrupção poderá não estar no centro das preocupações dos cidadãos nas eleições. Ela continuará sendo, no entanto, um flagelo para o Brasil, se os corruptos permanecerem beneficiados por uma jurisprudência que parece estar sempre ao sabor do vento.


Crusoé procurou Júlio Garcia, Eduardo Pinho Moreira e Milton Martini.

Por meio de sua assessoria, Garcia disse que não iria se pronunciar, por não conhecer o conteúdo das delações.

A defesa de Martini disse que só se manifesta nos autos do processo.

A defesa de Pinho Moreira enviou a seguinte nota: “Eduardo Pinho Moreira, por meio de sua defesa, vem esclarecer que, mesmo não tendo tido acesso às colaborações premiadas indicadas pela reportagem, tem plena certeza de que jamais cometeu qualquer ato ilícito e, em nenhuma hipótese, autorizou ou permitiu o uso de seu nome para a prática de qualquer irregularidade, tampouco recebeu por si, ou por interposta pessoa, recursos ilícitos ou indevidos vindos de qualquer pessoa. A defesa manifesta repúdio à divulgação indevida de conteúdo sigilosos de inquéritos em andamento, aos quais nem mesmo supostos envolvidos têm acesso. No mais, reafirma sua inocência.”

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  1. A corrupção é um flagelo, sim, p/o país, pois ela está em todos os órgãos espalhados BR afora e há envolvidos em todas as esferas. E ainda são criadas empresas fantasmas. Calculem o prejuízo.

  2. Das duas, uma: - ou o MP é de uma incompetência absurda; - ou o judiciário, usando-se de jurisprudência movediça e da insegurança jurídica consequente, pretende matar a lava jato Catarinense antes que ela ouse se agigantar como aconteceu com a paranaense. Conhecendo o Brasil, é fácil chegar a conclusão mais provável. PS: foro privilegiado para conselheiro de tribunal de contas estadual? Pelo amor de Deus!

  3. inflação, desemprego e fome são as principais preocupações dos brasileiros, que estão provisoriamente resignados com a corrupção.

  4. Não vejo um parlamentar defendendo o fim do foro Privilegiado, com exceção do Moro, Deltan e Álvaro Dias (que deveria se candidatar ao governo ao invés de ser rival do Moro ao senado).

  5. É só aguardar para ver em qual vírgula do "Estado Democrático de Direito" do Brasil os caríssimos advogados vão se concentrar para anular os processos ou embarrigá-los até que prescrevam ou os réus não tenham mais idade para serem julgados. Se tiverem sorte, um dia ainda podem sentar na frente do Bonner e ouvir: "o Sr não deve nada à Justiça".

  6. A velha política catarinense sempre lambuzada na corrupção, enquanto isso, pessoas morrem nas filas dos hospitais em Santa Catarina. Precisamos de um lava toga urgente, é muito jogo de interesse. A sociedade é muito passiva, precisamos sair da indignação para ação, não dá mais.

  7. Agradeço a Crusoe por mostrar as mazelas estaduais de Santa Catarina, certamente o estado mais corrupto do Brasil, pois aqui não há imprensa nem ministério público nem judiciário para denunciar, ao contrário, escondem a corrupção embaixo do tapete.

  8. A Lava Jato original deu cria e as condutas das defesas também, assim fica todo mundo solto e sem punição não por serem inocentes mas sim pelo foro "errado". É uma vergonha!!!

  9. O Brasil é um país deveras peculiar. Aqui o vento sopra somente para beneficiar o corrupto, jamais esse vento favorece o "público pagante".

  10. Edson Fachin é o especialista na anulação de julgamentos e/ou provas por "incompetência de foro". Enquanto esse elemento e seus discípulos ocuparem cargos nas cortes superiores, não haverá crime de poderosos no Brasil. VERGONHA!

  11. O conluio jurídico se apresenta em forma de afronta ao cidadão pagador de impostos . Pobre país que assiste todos os dias essa justiça direcionada a desfazer provas e direcionar corruptos a decisões do livramento. Não sei o que é pior nesse País o Poder Judiciário amigo dos bandidos ou os políticos brandidos amigo do Judiciário .

  12. Li os 22 comentários abaixo. De fato, a maioria, senão a totalidade, menciona corrupção no Judiciário. Digo mais, corrupção nos 3 poderes! Precisamos de uma nova Constituição para acabar com essa mamata de funcionários estabelecerem acintosamente seus próprios vencimentos, suas mordomias e regalias, vinhos 4x premiados, lagosta, caviar...penduricalhos 1000, basta. O Brasil é inviável como nação democrática? Cada novo presidente, mais corrupção, mais vergonha e sem vergonhice. +Punição e +justiça

  13. A maioria dos juízes no Brasil agem assim: a favor dos bandidos tudo e muito mais, a favor do Brasil e do povo: nada e se possível punir quem ousa coibir a corrupção! Precisamos de uma nova Constituição à prova de corrupção e má fé. Em todas as obras públicas precisamos adotar o "Performance Bond" como sempre recomenda o eminente jurista Modesto Carvalhosa. Desanima de ser brasileiro receber uma notícia como essa! Chega d Lula e PT, chega d Bolsonaro, Renan Calheiros, Roberto Jefferson, etc...

  14. País onde a corrupção é regra, e onde os mais prejudicados, aqueles que não sabem se terão o que comer no dia seguinte, e não têm acesso a educação de qualidade, são os mais vulneráveis a estes políticos safados. Sem luz no fim do túnel. Acho que daqui a pouco não haverá nem mais túnel. Surrupiaram o dinheiro antes.

  15. #Abaixo o foro privilegiado! #Abaixo à reeleição para qualquer cargo eletivo! Ótima reportagem Graieb. Se for fazer uma devassa em todos os governos nos estados no Brasil, muita coisa para ser descoberta e sempre a corrupção no meio.

  16. A mesma artimanha usada para tirar Luladrão da cadeia. Um escândalo vergonhoso para o nosso país. A justiça brasileira revela seus patrões.

  17. IMAGINA, ISSO ACONTECENDO NA ALEMANHA, EUA, JAPÃO, OU QUALQUER PAÍS DEMOCRÁTICO DO PRIMEIRO MUNDO. ESTARIAM TODOS PRESOS INCLUSIVE OS JUÍZES

    1. Com certeza. Aqui Supremo é Deus, uma vergonha estes diabos vestidos de Toga. Vergonha do STF do Brasil.

  18. Alguém acredita, que o judiciário faz, isso de graça. A corrupção esta institucionalizada, O JUDICIÁRIO A FAVOR DOS CRIMINOSOS. VIDE O SUPREMO, DEFENDENDO O LULA, E OS PETRALHAS.

  19. Em qual outro país do mundo o tal rito processual é utilizado pelos togados para anular provas de crime? Incompetência ou conivência do judiciário com os criminosos ricos? É preciso esclarecer isso.

  20. Uma das reformas mais urgentes é a POLÍTICA e a da escolha dos ministros dos tribunais superiores! O partido NOVO está nessa luta!

    1. Sempre voto no Novo. Os demais são franquias do antigo pmdb.

  21. O STF criou a jurisprudência de não ser possível investigar poderosos associados à corrupção, qualquer fio de cabelo fora de lugar será suficiente para anular investigações; se não houver fio de cabelo fora do lugar, alega-se que a jurisdição era estadual (quando for investigado pela federal) ou era federal (quando for investigado pela estadual); se não der ainda, alega-se que o foro era Brasília e não RJ; RJ e não SP ou SP e não Brasília. Não haverá processo que sobreviva.

  22. Movimentações financeiras assim detectam ladrões que lindo MAS vamos a FATOS públicos e notórios ... por que nunca ninguém viu as movimentações da finada Mariza ex revendedora Avon que deixou $11milhões para o maridão gabiru num banco? por que nunca ninguém conferiu as movimentações do Lulinha ex limpador de bosta de zooológico hoje miliardário donos de grandes fazendas de gado e de jatinho que custou $12 milhões? depois sou ameaçlado quando afirmo O BRAZIU É UM PAIS DE MERDA que fede e infecta.

    1. Paulo José ... que mal "prigunte" Simone Tebet é aquela oportunista imbecil que se deixou manipular na imoral e criminosa CPCirco pelo CAGAlheiros e pelo Randolphe a nossa Greta Thunberg da Selva com TPM crônica de repente tornado o inspetor de quarteirão de todo um país de idiotas e estuprados que alugou o STF em favor da quadrilha e do ladrão do qual é coordenador de campanha? e a dura pergunta ESTOU MENTINDO?

    2. Meu voto seria da Simone Tebet se ela não fosse apoiadora do Lula. Ela já declarou apoio ao PT no segundo turno. Infelizmente ela é farinha do mesmo saco podre. Vou votar é no Bolsonaro de novo.

    3. Respondendo a sua pergunta. Porque esta mesma justiça livrou o senador Flávio Bolsonaro, usando dos mesmos artifícios. De um lado, Lula e Geddel dos 51 milhões. Do outro, Bolsonaro e Valdemar Costa Neto. O futuro que teremos com esses dois, é o passado que tivemos e o presente que estamos tendo. A única que pode derrotá-los: SIMONE TEBET, garantindo um futuro melhor e mais ético.

  23. É de dar nojo nossa justiça brasileira que é somente rigorosa com pobres,negros e desvalidos em geral; Temos uma sistema corrupto generico em todas as esferas da sociedade.

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