DivulgaçãoA cientista política Sandra Avi: debates são ferramenta para falar com o eleitor indeciso

“Lula e Bolsonaro inverteram papéis no debate da Band”

A cientista política Sandra Avi dos Santos analisa o primeiro debate presidencial de 2022 e explica o impacto desse tipo de programa nas corridas eleitorais
02.09.22

A história dos debates presidenciais televisionados começou para valer em 1960, nos Estados Unidos, quando John F. Kennedy e Richard Nixon duelaram frente às câmeras, em busca da Casa Branca. Dali em em diante, a prática se espalhou pelo mundo e estreou no Brasil em 1989, depois do fim da ditadura militar. Ao longo das últimas décadas, diversos tipos de estudo foram feitos para tentar compreender o impacto dos debates no processo eleitoral. “Para os eleitores indecisos, não há maneira mais rápida e econômica de obter informação política do que um debate na televisão”, diz a cientista política Sandra Avi dos Santos, da Universidade Federal do Paraná. Coordenadora do Observatório Abrapel, da recém-fundada Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais, ela dedicou uma tese de doutorado aos debates brasileiros e diz o que se pode esperar da temporada de 2022, iniciada no último sábado, 27 de agosto, quando Lula, Jair Bolsonaro, Ciro Gomes, Simone Tebet, Felipe D’Ávila e Soraya Thronicke se enfrentaram para apresentar suas ideias e questionar os adversários.

Políticos costumam dizer que ninguém ganha voto em debate, mas pode perder, se cometer um erro crasso. É assim mesmo que as coisas funcionam?

Na verdade, é o contrário. Como dizemos no jargão da ciência política, debates não criam volatilidade, ou seja, os candidatos não perdem os eleitores que já conquistaram, por causa de um programa desse tipo. Mas eles podem cativar o indeciso ou consolidar a escolha dos que já tinha alguma propensão a votar neles. Quanto maior o número de indecisos em uma eleição, mais impacto podem ter os debates.

Todos os eleitores assistem a um debate da mesma maneira? 

Um eleitor convicto desculpa os escorregões e usa as falas do seu escolhido para defendê-lo, ou para tentar convencer outras pessoas a votar nele. É diferente com os indecisos e, numa medida menor, com os não-convictos – aqueles que têm uma preferência, mas continuam olhando em volta. Esses dois tipos de eleitor usam os debates para absorver informações, digamos assim, colhidas direto na fonte, com menor mediação do marketing político. O primeiro debate da temporada eleitoral serve para os indecisos identificarem os candidatos, descobrirem quem está na corrida. Numa eleição como a deste ano, em que temos três candidatos, Lula, Bolsonaro e Ciro Gomes, já amplamente conhecidos, o encontro da Band foi crucial para Simone Tebet, Soraya Thronicke e Felipe D’Ávila. Eles passaram a existir em termos eleitorais. O último debate também tem função estratégica, permite tirar dúvidas e fazer uma reflexão final. Ninguém decide o voto apenas com base no que viu na televisão. Mas os debates são uma ferramenta importante para falar com os indecisos – e é isso que os políticos deveriam ter em mente.

Os candidatos chegam aos debates desempenhando alguns papéis: um é o líder, outro está correndo atrás, há os nanicos e assim por diante. De que maneira isso condiciona a performance de cada um? 

Todo participante, não importa a sua posição nas pesquisas de intenção de voto, chega a um debate com dois objetivos. De um lado, promover sua imagem, contar sua história, defender algumas bandeiras. De outro, encaixar bons golpes nos adversários. Mas existe uma diferença significativa entre um político que está no cargo, buscando a reeleição, e aqueles que o desafiam. A estratégia mais adequada ao chamado incumbente é a defesa das suas realizações, do seu legado, do seu grupo político. Para esse candidato, amanhã sempre vai ser melhor do que hoje, pois ele preparou as bases para que a vida do eleitor melhore. A estratégia dos desafiantes, como a palavra já sugere, privilegia o ataque, a desqualificação do incumbente e do seu mandato. É claro que história se complica quando há muitos debatedores, sabemos que candidatos nanicos às vezes combinam o jogo e servem como franco-atiradores para outros mais bem posicionados. Mas esse é o enredo básico. O que existe de inédito e muito interessante na eleição atual é que temos dois candidatos com currículo presidencial, dos quais Bolsonaro, que ocupa o cargo, está atrás nas pesquisas. Isso causou uma certa inversão de papéis no debate da Band. Enquanto Bolsonaro partiu para o ataque, como se fosse o desafiante, Lula exaltou seus feitos e agiu como se estivesse acima das paixões e da briga, como se fosse o incumbente. Soubemos depois que Bolsonaro não seguiu as orientações de sua equipe, agiu por instinto, como costuma fazer. Ele atacou mais que o necessário e falou menos do que devia sobre os seus quatro anos de mandato. 

O ataque é sempre a melhor defesa em um debate? 

Para o espectador que também é um eleitor convicto, talvez. Para o eleitor indeciso, não. Esse eleitor está em busca de informações e propostas. Ele entende que o debate é uma forma eficiente de suprir a sua falta de conhecimento sobre aqueles personagens e a respeito do momento político. Ele vai apreciar uma crítica contundente, uma boa estocada. Mas tende a ficar insatisfeito se um candidato exagerar na dose. O segundo turno das eleições de 2006 é um bom exemplo. Geraldo Alckmin partiu para cima de Lula, contrariando inclusive a sua fama de ser uma pessoa ponderada. O debate em que isso aconteceu lhe custou o voto dos indecisos e até mesmo de muitos que o haviam escolhido no primeiro turno, mas sem muita convicção. Ele acabou a eleição com menos votos que no primeiro turno.

Além das palavras, os gestos e a postura de um candidato também transmitem informações relevantes ao eleitor?

Com certeza. No debate da Band, isso ficou muito visível na atitude de Bolsonaro depois que ele criticou a jornalista Vera Magalhães. Seus ombros caíram, ele ficou mais murcho. Ele sentiu ter cometido um erro e transmitiu essa imagem ao espectador. Na minha opinião, Lula também pareceu ter menos energia do que o normal. Ele, que costuma falar bem sob pressão, causou uma impressão de dispersão e até deixou de aproveitar todo o seu tempo em algumas respostas. A informação não verbal chega ao eleitor e contribui para a sua tomada de decisão, mesmo que não seja de maneira totalmente consciente. 

As regras dos debates brasileiros costumam ser bastante engessadas, por exigência dos próprios candidatos. Existe um modelo ideal que deveria ser seguido?

O debate da Band foi bom. Os moderadores interferiram muito pouco. Quatro minutos para pergunta, resposta, réplica e tréplica foi um tempo generoso, permitiu que as ideias fossem desenvolvidas. Os candidatos também podiam dividir o tempo que lhes cabia como achassem melhor. Podiam alongar a resposta e encurtar a tréplica, ou vice versa. Isso criou algumas situações interessantes. A transmissão num sábado, às 21 horas, foi muito mais razoável do que em outros anos, quando o programa foi ao ar tarde da noite, no meio da semana. Talvez não seja justo comparar o Brasil com os Estados Unidos, onde o modelo não muda desde 1976. Afinal de contas, todos os debates americanos reúnem apenas dois candidatos, enquanto aqui pode haver um palco lotado, o que torna tudo muito mais complicado. Ainda assim, acho que deveríamos importar algumas ideias. Por exemplo, os temas considerados relevantes poderiam definidos com antecedência, o que garante que as questões que interessam ao eleitor serão abordadas. Além disso, os debates poderiam começar cedo, por volta das 20h, e a transmissão feita em conjunto pelas principais emissoras, o que afastaria a concorrência de outros programas. Tudo isso facilita a vida do eleitor e o ajuda a se informar.

É legítimo quando um candidato decide não participar dos debates? 

Na minha opinião, sim. Os candidatos devem ter liberdade para traçar sua estratégia eleitoral. Não comparecer também envolve algum risco, também transmite uma mensagem ao eleitor. Já mencionei as eleições de 2006. Como tinha bastante vantagem, Lula decidiu não participar do último debate antes do primeiro turno. Acontece que os eleitores não convictos queriam ouvir o seu discurso sobre economia. A ausência deixou dúvidas no ar e pode até ter impedido sua vitória no primeiro turno. As pessoas quiseram mais tempo para decidir.

O debate de domingo gerou centenas de memes. Esse recorte do programa em frases curtas e expressões engraçadas pode revelar algo de interessante sobre os candidatos e definir votos?  

Ao contrário do que muita gente tem dito, não acho que os debates na televisão estejam perto de acabar. Eles se desdobram na internet, não são substituídos por ela. Os memes são prova disso, mas ainda precisamos estudar o seu efeito.  Um possível efeito positivo dos memes é trazer leveza para o dia a dia da política e facilitar a comunicação com os mais jovens. Um possível problema é o uso desses fragmentos de informação para criar fake news. 

 

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  1. Que os debates ajudem os eleitores a votar em alguém que tenha propostas convincentes, e que contribuam para a nossa decisão.

  2. Numa eleição em que os dois líderes isolados na pesquisa não passam de falsários, acho o debate totalmente dispensável. Nada vai mudar, a menos que os eleitores conscientes votem no 3 via melhor nas pesquisas. Uma utopia! ...

  3. Discordo da entrevistada no quesito “assuntos a serem abordados”. Não acho interessante o candidato já saber do assunto a ser abordado e vir com uma resposta pronta, quase sempre cheia de informações falsas. Acho o fator surpresa bem importante, para que o eleitor sinta a reação do candidato a determinados assuntos e perceba se o candidato fez o dever de casa e está pronto para responder sobre qualquer questão. É nesse momento que podemos avaliar seu conhecimento sobre os problemas do país.

    1. Creio que ela se referia mais às perguntas dos jornalistas, que abordariam forçosamente temas importantes como economia, tributação, saúde, segurança, etc. do que das perguntas entre candidatos, que seria espontâneas e de temas livres. Isso ajudaria a prevenir perdas de tempo como as perguntas sobre ministério feminino, por exemplo.

  4. O candidato Bolsonaro foi assertivo ao atacar o candidato Lula no tocante a corrupção. Porém, temos que lembrar, foi a Lava Jato a responsável por trazer essa corrupção à tona. Diversos casos de corrupção pululam no atual governo, quando temos um PGR na minha opinião falho, e uma PF sofrendo ingerência. Qual governo é mais corrupto: Lula ou Bolsonaro? Temos então que escolher pela graduação da corrupção? Eu escolho a Simone Tebet. Eu escolho a Simone Tebet. Eu escolho a Simone Tebet.

  5. Não assisti ao debate. Preferi ver os comentários que aconteceram no Antagonista, Crusoé (que confio) e as emissoras compradas (kkkk). Não aguento mais ouvir promessas e acusações. Especialmente entre Lula e Bozo.

    1. Infelizmente, o erro continua lá. Tanto no enunciado, quanto na resposta da entrevistada.

    2. Já foi corrigido, Regina. Desculpe pelo erro. Obrigado.

  6. Sim, deveríamos ter pelo menos um debate por semana, nos moldes da Band, que achei ótimo! Se algum candidato não quiser comparecer, que não vá e enfrente as consequências!

  7. Os debates na TV até o momento só serviram para mostrar a podridão deste país e a criminosa cumplicidade da imprensa maniqueísta tão criminosa quanto acumpliciada a um ladrão assassino que se eleito escravizará o país dos idiotas insanos algozes de si mesmos nas urnas preferindo cangalhas, cabrestos e comer o lixo e dejetos de seus donos ... pobre Braziu ... criança não vferás nenhum país de imbecís tão submissos quanto este .. e toca o enterro.

  8. Excelente entrevista! Mas surpreende-me que tenha assistido ao debate no sábado dia 27. Por outro lado, quanto a Lula sua alta popularidade sempre foi mais uma jogada de marketing do que uma realidade, eis que jamais venceu nem sua sucessora uma eleição em primeiro turno, o que a rigor, correspondente a ter perdido todas, porque foi sempre foi rejeitado como primeira opção pela maioria dos eleitores. Que Deus nos ilumine a todos e abraços fraternos em agnósticos e ateus! Namastê!

  9. Excelente entrevista, mas precisa corrigir uma informação. O debate da Band foi no domingo, 21h, e não no sábado.

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