Palácio do PlanaltoO presidente em apresentação para os embaixadores: estrutura do Palácio do Planalto e TV Brasil

Bolsonaro, a Anitta de Lula

Não se sabe se artista (de verdade) elege candidato, mas o grande cabo eleitoral do petista é o presidente desatinado
22.07.22

Abraçada a uma barra de pole dance, com o braço dobrado para sugerir o “L” de Lula e a estrela do PT na nádega esquerda, a cantora Anitta produziu o tuíte mais popular dentre todos os que este ano citaram o petista, que oficializou sua candidatura nesta quinta, 21. A imagem teve 40 mil compartilhamentos e mais de 300 mil curtidas no Twitter. O anúncio de apoio da artista foi comemorado por Lula com uma dancinha em um evento do PT, em Brasília, e levou os especialistas em estratégias digitais a especular sobre como ela poderia conquistar eleitores usando sua presença nas redes sociais. Contudo, a eficiência dos artistas em virar votos, com ou sem internet, nunca foi comprovada. Por enquanto, o melhor cabo eleitoral de Lula continua sendo mesmo o presidente Jair Bolsonaro, que em vez de tentar atrair novos eleitores, segue direcionando o seu discurso principalmente para a franja aloprada que o apoia — e afastando, assim, cidadãos mais ajuizados.

Na segunda, 18, o presidente chegou ao seu ápice como cabo eleitoral de Lula, numa espécie de pole dance golpista. Ele reuniu 40 embaixadores em Brasília, para tentar enfiar pela goela dos dignitários estrangeiros a mentira de que o sistema eleitoral brasileiro, com as suas urnas eletrônicas em uso desde 1996, é fraudulento. Usando um PowerPoint tosco, com erro de grafia da palavra inglesa “briefing” (estava escrito “brienfing”), ele avacalhou a democracia duramente conquistada pela nação. A apresentação causou um vexame internacional — nenhum diplomata presente acreditou na insegurança de um sistema de votação que funciona há mais de um quarto de século sem qualquer indício de fraudes.

No dia seguinte, a Embaixada dos Estados Unidos em Brasília divulgou uma nota com posições contrárias às de Bolsonaro: “As eleições brasileiras, conduzidas e testadas ao longo do tempo pelo sistema eleitoral e instituições democráticas, servem como modelo para as nações do hemisfério e do mundo“. Em seguida, o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, reforçou a ideia em uma entrevista: “Nossa visão é que as eleições têm sido conduzidas pelo capaz e já testado sistema eleitoral brasileiro e instituições democráticas brasileiras ao longo de muitos anos“.

Bolsonaro causou protestos até do Centrão. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, do PSD, contestou as afirmações do presidente. “A segurança e a lisura do processo eleitoral não podem mais ser colocadas em dúvida”, afirmou em nota. Com algum atraso, o presidente do STF, Luiz Fux, reiterou sua “confiança total na higidez do processo eleitoral e na integridade dos juízes que compõem o TSE“. E a eles se juntaram associações de juízes, de procuradores, de policiais federais e até mesmo de funcionários da Abin, a agência de inteligência vinculada à presidência da República. Só o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), ficou em silêncio.

O encontro com embaixadores provocou desânimo no quartel-general eleitoral e no entorno político de Bolsonaro. “Em uma hora de apresentação, o presidente jogou 30 dias de trabalho no lixo”, diz um dos integrantes da campanha. Em meados de julho, havia uma expectativa de que o presidente adotaria um tom mais leve, seguindo os conselhos de seu filho Flávio Bolsonaro e de Valdemar Costa Neto, do PL. Os dois querem montar uma estratégia cuidadosa e baseada em pesquisas, seguindo as recomendações do marqueteiro Duda Lima. A orientação desse grupo era para que Bolsonaro se voltasse mais para temas econômicos. O momento era oportuno para isso: além da aprovação pelo Congresso do aumento do Auxílio Brasil e dos vouchers para caminhoneiros e taxistas, a redução de quase 5% no preço da gasolina vendida para as distribuidoras poderia ter sido alardeada como vitória pelo presidente.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéCarlos Bolsonaro, que comanda a guerrilha digital
Bolsonaro, contudo, mais uma vez fugiu do roteiro e deu outro tiro no pé. Na quinta, 21, ele desdenhou do Auxílio Brasil, que foi feito para beneficiar o seu governo: “Não venda seu voto por uma dentadura, por promessas de emprego ou porque o Bolsa Família vai aumentar para tanto“. Nas demais conversas, o que dominou foi a repetição do ataque às urnas – que contam com a confiança de 73% dos brasileiros, segundo pesquisa Datafolha realizada em maio. Na campanha, os ainda otimistas estimam que só no final de agosto seja registrada a melhora nas pesquisas que se aguardava para o começo do mês.

Ao seguir com discursos que só agradam a seu público mais fiel, Bolsonaro dá também vazão ao seu próprio ego, além de atender aos pedidos de seu filho Carlos Bolsonaro. Na campanha eleitoral, Carluxo assumiu o comando de um gabinete autônomo, com controle das mídias digitais. Sua tática é a da guerrilha, que foi bem-sucedida em 2018. Fazia sentido. Naquele ano, a revolta com a corrupção petista levou milhões de brasileiros a escolher Bolsonaro, que apesar de estar há três décadas no Congresso se colocava como alguém de fora do sistema, um outsider. Mas agora ele é um presidente com quase quatro anos no cargo. Bolsonaro deveria defender o seu mandato e fazer as pessoas acreditarem que poderia entregar mais, no caso de ganhar mais quatro anos no Palácio do Planalto.

Apesar de tudo, o presidente que tenta a reeleição avisou que não irá recuar dos ataques ao sistema eleitoral e aos ministros do Tribunal Superior Eleitoral, o TSE. Ele continuará falando, portanto, apenas para seu grupo de seguidores. Enquanto isso, Lula joga quase parado diante de uma população preocupada principalmente com a inflação. O petista se dedica a tecer alianças no plano estadual, a fim de eleger mais governadores da própria sigla e partidos aliados e uma bancada mais encorpada na próxima legislatura.

Com Lula à frente em todas as pesquisas, o maior desafio da campanha do petista é o de aprender a trabalhar na velocidade das redes sociais e, assim, reduzir a vantagem de Bolsonaro nesse campo. Somando todas as redes e o Youtube, Bolsonaro tem 47 milhões de seguidores, enquanto Lula conta com 14 milhões. Na comparação das interações (curtidas, comentários e compartilhamentos) de todos os candidatos presidenciais, feita pela consultoria Bites, Bolsonaro fica com 64% e Lula com 26%.

O presidente, portanto, tem uma capacidade muito maior de pautar o ambiente digital, que orienta o noticiário e a maior parte das discussões. O apoio de Anitta, de longe a personalidade brasileira com maior influência nesse meio, deu a Lula e a seus aliados a esperança de reverter esse jogo. Uma semana depois, a declaração política da artista se mostrou mais proveitosa para ela do que para ele. Anitta ganhou 300 mil novos seguidores no Instagram e no Twitter, enquanto o petista permaneceu estagnado.

Quanto à capacidade dos artistas de atraírem eleitores, não há evidências que comprovem esse efeito, como mostra nossa outra reportagem. O petista, portanto, não deve botar muita esperança nisso. Ele terá muito mais a comemorar se o presidente Bolsonaro seguir com pavio curto, atacando as urnas eletrônicas e seguindo as táticas duvidosas de guerrilha digital de seu filho Carlos. Ou seja, se continuar a ser a grande Anitta de Lula.

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