Marlene Bergamo/FolhapressOs ex-presidentes Dilma e Lula: R$ 287,5 mil mensais para consolar a companheira

Quem melhor comprou o Centrão

Governar, no Brasil, significa gerenciar um amontoado de partidos. Nem Lula nem Bolsonaro, os candidatos mais fortes na corrida eleitoral, têm boas histórias para contar a esse respeito. Na estatística, o mais eficiente foi FHC
15.07.22

Seja quem for o presidente eleito em outubro, ele terá de comprar o Centrão para governar. Fernando Henrique Cardoso o fez, assim como Lula, Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro. O que diferencia uns dos outros não é o fato de terem entregado cargos e emendas a esse grupo movediço de parlamentares, de modo a aprovar projetos no Congresso, proteger-se de CPIs e de ameaças de impeachment. A questão é quanto poder cada um cedeu, quanto dinheiro transferiu legalmente e, claro, se recursos ilegais também entraram na jogada. Governar, no Brasil, significa gerenciar um amontoado de partidos volúveis. Nem Lula nem Bolsonaro, os candidatos mais fortes nas eleições deste ano, têm boas histórias para contar a esse respeito. Em seus mandatos, manobrar o Congresso custou caro – para eles e para o Brasil.

Na compra de apoio no Congresso, houve o mensalão,o  petrolão, esquemas variados de corrupção instaurados em ministérios e, mais recentemente, o orçamento secreto. Mas é preciso separar as barganhas toleráveis daquelas que desfiguram o sistema político ou são pura e simplesmente criminosas. 

Os Estados Unidos olham esse processo com mais naturalidade. A cientista política Diana Evans, da Universidade Yale, abre desta maneira um dos seus estudos sobre o assunto: “O argumento deste livro é que uma estratégia importante por meio da qual líderes de coalizão criam maiorias legislativas e aprovam leis controvertidas, mas de interesse geral, é a compra de votos dos parlamentares, um a um, favor a favor.” O livro tem o título sugestivo de Greasing the Wheels (Azeitando a Engrenagem) e está centrado no “pork barrel” – o equivalente americano das nossas emendas parlamentares. Obviamente, a autora não justifica manobras escusas e corrupção. 

Os Estados Unidos têm dois partidos. O Brasil tem dezenas deles. É altamente improvável, para não dizer impossível, que um presidente chegue um dia ao poder dono de uma maioria tão sólida no Legislativo que lhe seja possível até mesmo emendar a Constituição – o que demanda três quintos dos votos da Câmara e do Senado – sem fazer acordos com legendas que não pertencem ao seu campo político. A liberação transparente de emendas ou a entrega de ministérios pode ser aceita, se partidos e parlamentares se tornarem corresponsáveis pelo governo e suas políticas – inclusive as impopulares.

Lula tem dito com frequência que tão importante quanto conquistar a presidência é eleger uma base forte na Câmara dos Deputados. O PT arrebanhou outros seis partidos de esquerda numa aliança: PCdoB, PV, PSB, Solidariedade, PSOL e Rede. Seus estrategistas políticos estimam conseguir uma bancada de180 a 200 deputados. Na hipótese mais otimista, ainda faltariam 108 votos para aprovar uma PEC. A situação não é diferente para Bolsonaro. Caso ele seja eleito, seu núcleo duro de apoio deverá contar com o PP e o PTB, além de seu próprio partido, o PL. O primeiro pretende crescer de 56 para 70 parlamentares, o segundo de 3 para 10 e o PL, de 77 para 90. Mais uma vez, algo em torno de 180 deputados.   

Os cientistas políticos Carlos Pereira (FGV), Frederico Bertholini (UnB) e Marcus Melo (UFPE) criaram uma fórmula para medir o custo de arregimentar apoios para cada presidente da República, de Fernando Henrique Cardoso a Michel Temer. O Índice de Custo de Governabilidade leva em conta o número de ministérios (ou secretarias com status de ministério) que cada administração tem para preencher, o dinheiro disponível para cada ministério e o volume de emendas parlamentares pagas pelo governo. Esses são os recursos nas mãos do presidente. Eles serão suficientes para garantir a governabilidade a depender de outros quatro fatores: o número de partidos na coalizão; a similaridade ideológica entre eles; a distância entre o perfil ideológico do governo e o da maioria dos deputados; e a disposição do presidente para compartilhar o poder.

Numa escala de zero a cem, o custo médio de FHC para manter sua base no Congresso foi de 36 pontos no primeiro mandato e de 59,5 pontos no segundo. Houve um grande salto no governo Lula: 90,6 e 95,2 pontos, respectivamente. Dilma, no primeiro mandato, registrou 88,1 pontos, e 58 no segundo. Finalmente, o índice de Michel Temer foi de 15,4 pontos.

Os números são interessantes por si sós, pois mostram que os custos do PT foram altíssimos, enquanto FHC e Temer tiveram menos dificuldades para interagir com os parlamentares e aprovar leis. Mais significativo, no entanto, é compreender quais escolhas políticas levaram a esses resultados.

Keiny Andrade/FolhapressKeiny Andrade/FolhapressFernando Henrique Cardos: baixos custos para governar
Segundo os pesquisadores, a coalizão de Temer tinha pouca disparidade ideológica: eram todos do centro ou do Centrão. Além disso, ele levou em conta o tamanho de cada partido no Congresso na hora de franquear acesso aos recursos do governo, reservando apenas 30% para sua própria legenda, o MDB. Desse modo, apesar de sua baixíssima popularidade, e do escândalo da JBS, ele conseguiu aprovar medidas polêmicas nos oito meses em que ocupou o Planalto, como a reforma trabalhista. O governo de Fernando Henrique Cardoso tem roteiro semelhante. No primeiro mandato, ele deu mais aos aliados do que ao PSDB. A coisa se inverteu no segundo mandato, o que explica o aumento no custo de governabilidade, mas não de forma gritante. 

Tudo muda com a chegada do PT ao poder. “Lula e Dilma foram péssimos gestores de coalizão”, diz Carlos Pereira, um dos formuladores do ICG. Lula abriu as portas do governo para os companheiros. Dos 35 ministérios criados em seu primeiro mandato, 21 foram ocupados por petistas de diversas tendências. O MDB e o PCdoB ocuparam dois ministérios cada, apesar de o primeiro ser poderoso no Congresso e o segundo, nanico. Cinco pastas foram entregues a “independentes“, ou seja, seus titulares não haviam sido indicados por nenhum partido. Cinco legendas ratearam as demais cadeiras: PPS, PV, PTB, PSB e PL. A coalizão era grande, sem coerência ideológica e o poder estava fortemente concentrado no PT. 

Isso ilumina um episódio como a vitória de Severino Cavalcanti para presidir a Câmara, em 2005 – o deputado do baixo clero atropelou o candidato do governo, o petista Luiz Eduardo Greenhalgh. Também ajuda a explicar que Lula e o PT tenham recorrido ao mensalão. “O PT não gostava de compartilhar poder e olhava os outros partidos com desdém e desconfiança”, diz o parlamentar veterano Roberto Freire. “A certa altura, em vez de negociar com os partidos, passou a conversar com os deputados individualmente, atraindo-os para legendas da base, mas não para o próprio PT, que pretendia ser puro. Nesse corpo a corpo, além de emendas, também o dinheiro do mensalão servia como isca.” Freire preside o Cidadania, partido que na época do mensalão se chamava PPS e pertenceu durante algum tempo à base lulista.

Dilma seguiu pela mesma trilha do seu mentor, com o agravante de não esconder sua aversão ao jogo político. No seu governo, também coube ao PT a parte do leão nos ministérios. E havia o petrolão. Embora não tenha criado esse esquema bilionário de desvio de dinheiro público e cooptação política, ele estava a pleno vapor quando Dilma chegou ao Planalto e ela se beneficiou dele. É curioso ver que os custos de governabilidade de Dilma caíram no segundo mandato. “Isso aconteceu porque ela tentou reequilibrar o jogo quando o risco de um processo de impeachment começou a crescer”, diz Carlos Pereira. “Um dos seus principais movimentos foi entregar o controle de uma parte do orçamento ao Congresso, deixando que as emendas individuais se tornassem de execução obrigatória. Mas já era tarde demais.” Além da animosidade dos parlamentares, encarnada no ardiloso Eduardo Cunha, Dilma tinha contra ela  uma crise econômica decorrente de suas escolhas de governo e toda a sujeira revelada pela Lava Jato. 

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéBolsonaro: como o PT, ele atulhou a Esplanada com a sua patota
O ICG de Jair Bolsonaro ainda não foi calculado, mas é possível intuir que não será bom. Ao confundir corrupção graúda com as barganhas de poder que acontecem em qualquer governo, dentro ou fora do Brasil, ele imaginou que poderia governar sem base estável no Congresso, arregimentando bancadas temáticas à medida que precisasse. Semelhante ao PT, ele atulhou a Esplanada com a sua patota: militares à mancheia e radicais ideológicos como Ernesto Araújo, Abraham Weintraub, Damares Alves e aquele homem que imitava Goebbels na Secretaria da Cultura. Não deu certo, e não se pode atribuir à sua liderança a aprovação de medidas de impacto como a reforma da Previdência, o Marco do Saneamento ou o novo FNDE (o Ministério da Educação só prestou atenção ao assunto na undécima hora). 

Como Dilma, Bolsonaro cedeu quando o risco de impeachment se tornou real. O orçamento secreto será para sempre o símbolo de sua inabilidade política: ele transferiu aos tubarões do Centrão o poder de distribuir bilhões de reais em emendas como bem entendessem e, com isso, o virtual controle de maiorias no Congresso. Nada disso exclui a existência de corrupção no seu governo – há sinais dela no Ministério da Educação, na Codevasf, no Ministério da Saúde ou na compra de Viagra para militares. 

Diz Carlos Pereira: “A questão sobre os dois candidatos que lideram as pesquisas em 2022 é: eles aprenderam alguma coisa?” Lula, se vencer, chegará a Brasília com sua aliança de esquerda, cercado por companheiros que habitaram o poder por 13 anos e perderam tudo com a queda de Dilma. Ele vai repetir seu primeiro mandato e privilegiar essa multidão ao distribuir cargos ou saberá dizer não? E Bolsonaro, caso se reeleja, vai usar o cacife das urnas para tentar operar novamente em chave ideológica ou vai gastar energia de outra maneira – procurando, por exemplo, ampliar suas alianças no Congresso e reduzir sua dependência do Centrão? 

Nesta terça-feira, o Congresso aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2023. Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, os presidentes da Câmara e do Senado, queriam tornar obrigatório o pagamento das emendas do relator, assim como aconteceu com as emendas individuais em 2015. Não o fizeram, mas apenas porque não houve consenso sobre o critério de distribuição do dinheiro. Eles devem voltar à carga brevemente. O que o próximo presidente fará em relação a isso? Tentará recuperar o controle sobre essa ferramenta de negociação ou abrirá mão dela? E mais tarde, se até as emendas do relator, uma vez tornadas obrigatórias, não bastarem para saciar a fome dos parlamentares, o novo presidente recorrerá a métodos “heterodoxos” de cooptação política, como foi o mensalão? Sempre será preciso comprar o Centrão. Mas há formas melhores e piores de fazer isso. 

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