MarioSabino

Doria e máscara social

01.04.22

Escrevo este artigo em meio à confusão instalada com a notícia de que João Doria não disputaria mais a presidência da República. Neste exato momento, o presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, divulgou uma nota reafirmando que o até ontem governador de São Paulo vai concorrer, sim. É um aborrecimento ter de acompanhar profissionalmente essa gente.

João Doria, que conseguiu suas seis horas de fama extra com o episódio, talvez ao custo de precioso meio ponto percentual a menos nas pesquisas de intenção de voto, é de uma falta de graça absoluta. Todas as vezes em que estive com ele, sempre como jornalista, saí das conversas com o cérebro saturado de marketing. Na última vez, antes de um almoço no Palácio dos Bandeirantes, João Doria me obrigou a assistir a um filmete de propaganda do governo de São Paulo, que estava sendo veiculado na CNN Internacional, para atrair investimentos para o estado, segundo ele. A única coisa que vi de notável foi o rio Tietê e o rio Pinheiros azulados por filtros. Os dois esgotões tinham de parecer limpos para os investidores. À mesa — sem o meu celular, porque visitantes precisavam deixar o aparelho na entrada do gabinete –, perguntei a ele se gostava de povo. João Doria respondeu que sim e que gostava de vestir jeans e camiseta para fazer comícios. Afirmei que ele era muito engomadinho, muito paulistano. Doria sorriu, enquanto fazia anotações. 

Sou péssimo em matéria de marketing pessoal, não tenho a menor aptidão para esse troço, embora ele seja essencial para a vida. Marketing pessoal exige que você seja um personagem de si próprio capaz de despertar atenção positiva da parte de quem você quer agradar. Demanda ter uma máscara social que realce a parte que você julga boa e esconda a que você acha ruim. A máscara social, contudo, requer um rosto e nem sempre há um rosto por trás dela. É a impressão que João Doria me passa — e que deve ser um dos motivos da rejeição que ele cultiva entre o eleitorado: a de um homem sem rosto. É um problema não ser capaz de fazer marketing pessoal, mas é um enorme defeito ser apenas uma máscara social. A coisa vai muito além da hipocrisia, aquela homenagem que o vício presta à virtude, para usar a máxima surrada de La Rochefoucauld.

O banqueiro Daniel Dantas é outro que parece ser apenas uma máscara social. Em 2006, por aí, conversei com Daniel Dantas duas vezes, quando ele estava no meio da briga com o PT, o Citibank e a Telecom Italia, pelo controle da Brasil Telecom. A sua máscara era a do gênio financeiro que conseguia dar a volta em sócios que colocavam muito mais dinheiro do que o banqueiro nos negócios dos quais ele fazia parte. Na segunda conversa, perguntei-lhe se ele não se cansava de ser o Daniel Dantas o tempo todo. Acho que vi um rosto atrás daquela máscara perplexa com a minha pergunta, mas não tenho certeza. Derivo. Daniel Dantas não tem mais nada a ver com a política brasileira. Quer dizer, acho que não tem.

Quem não mostra o próprio rosto, ou até parece não ter um rosto, é prisioneiro da sua máscara social. A máscara passa a ser de ferro, como a de Eustache Dauger, aquele encarcerado francês que passou boa parte da vida na Bastilha e entrou para literatura. Homens da máscara de ferro podem ser presidentes da República?

João Doria acaba de confirmar que é pré-candidato ao Planalto. E de dizer que a sua desistência foi um blefe.

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