Divulgação/Governo do Estado de São Paulo

Proteção à vista

O mundo comemora a iminente chegada das vacinas que farão a vida voltar ao normal. No Brasil, parte da população pode ter que se contentar com opções com desempenho menor, mas que podem ser facilmente distribuídas
20.11.20

Em um intervalo de poucos dias, duas empresas anunciaram que suas vacinas alcançaram alta eficácia contra a Covid-19, trazendo uma lufada de esperança para um mundo que já registrou 1,3 milhão de mortos e já enfrenta uma segunda onda da doença. Nesta quarta, 18, a farmacêutica americana Pfizer, em parceria com a alemã BioNTech, disse que sua vacina teve uma eficácia de 95%. Dois dias antes, a americana Moderna anunciou um índice de 94,5%. Os dois laboratórios pretendem pedir a aprovação da agência americana de medicamentos nos próximos dias, para iniciar a vacinação de milhões de americanos ainda neste ano. No Brasil, os primeiros pedidos de registro à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Anvisa, devem ser apresentados em dezembro ou na primeira quinzena de janeiro. A partir de então, a Anvisa tem até 60 dias para avaliar as vacinas. Com o aval da agência, algumas delas já estarão prontas para distribuição.

Pfizer e Moderna foram as primeiras a divulgar dados sobre eficácia porque começaram os seus estudos clínicos antes. A agilidade está ligada ao método diferente — e totalmente novo — para desenvolver os seus imunizantes. Em vez de usar um vírus atenuado ou inativo, as duas companhias apenas tiveram de fazer o download do código genético do vírus, que foi disponibilizado pelos cientistas chineses na internet ainda em janeiro. “Entre obter o sequenciamento do genoma e inocular o primeiro voluntário, a Moderna demorou só 42 dias. É uma rapidez espantosa, que nunca tínhamos visto antes”, diz a imunologista Keity Souza Santos, da Faculdade de Medicina da USP.

De posse do código genético do coronavírus, Moderna e Pfizer construíram um RNA mensageiro capaz de produzir a mesma proteína que está na espícula do vírus real. A espícula, também chamada de espinho, é aquele braço em formato de “T” que envolve todo o vírus e o ajuda a penetrar nas células humanas. Ao receber o RNA mensageiro, o corpo produz uma proteína idêntica à que existe no coronavírus. O processo não oferece risco algum para a saúde, porque o vírus não está presente. Ao deparar com uma proteína estranha, o organismo cria anticorpos capazes de destruí-la. Se a pessoa, mais tarde, for contaminada de verdade, essa infantaria ataca a espícula e o vírus não consegue penetrar nas células.

A eficiência das duas vacinas foi comprovada após testes que envolveram dezenas de milhares de pessoas nos últimos meses, em vários países. Algumas tomaram a vacina. Outras, um placebo. Ninguém foi avisado em que grupo estava. No estudo da Pfizer, 170 pessoas tiveram a Covid-19. Ao olhar para suas planilhas, os cientistas descobriram que 162 delas tinham tomado o placebo. Apenas oito tinham recebido de fato a vacina. A Moderna, por sua vez, divulgou resultados parciais. De um universo de 30 mil voluntários, 95 desenvolveram a doença ao longo de dois meses. Noventa estavam no grupo placebo. Os cinco que tomaram a vacina não desenvolveram sintomas graves.

Agência BrasilAgência BrasilLinha de produção de vacinas na Fiocruz
As demais vacinas que estão na fase 3, a última antes da aprovação, ainda não acumularam informação suficiente para atestar sua eficácia. No início de novembro, os russos, apressados, anunciaram que seu imunizante, batizado de Sputnik V, tinha 92% de eficiência. A amostra, contudo, só tinha 20 casos de voluntários que desenvolveram Covid, um volume insignificante do ponto de vista estatístico. Outra que anunciou números recentemente foi a Sinovac, que fez parceria com o Instituto Butantan e o governo do estado de em São Paulo. Um artigo publicado na revista The Lancet apontou que a vacina tem capacidade de produzir anticorpos em 97% dos casos. O dado, contudo, não diz sobre sua eficácia, uma vez que a produção de anticorpos não necessariamente previne a doença. Na mesma linha, a AstraZeneca, em parceria com a Universidade de Oxford, publicou um artigo dizendo que 99% dos seus voluntários desenvolveram anticorpos. A AstraZeneca e a Universidade e Oxford fizeram um acordo com o Ministério da Saúde para a venda de 100 milhões de doses para o Brasil. As vacinas serão produzidas pela Fiocruz.

Entre todas as competidoras, a Coronavac é a que tem o método mais antigo. A vacina usa um vírus inativado. É semelhante, portanto, às da gripe ou da raiva.  “Se a Coronavac chegar a 60%, já será uma grande vitória. Quando o vírus é inativado pelo calor ou por componentes químicos, ele perde um pouco da sua forma, o que o torna menos capaz de provocar uma boa resposta imunológica”, diz o imunologista Gustavo Cabral, do Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP. O pesquisador, que também trabalha no desenvolvimento de uma vacina, defende o uso da Coronavac por outros motivos. O principal deles é a capacidade de a vacina ser facilmente armazenada e transportada. O produto nem sequer precisa de temperaturas negativas. As da Pfizer e da Moderna, que usam o RNA mensageiro, precisam de temperaturas negativas de -75 graus e -20 graus, respectivamente.

Outro ponto a favor da Coronavac é a segurança. “Vacinas com vírus inativado são mais conhecidas. Em teoria, elas têm menor toxicidade e causam menos problemas graves”, diz o infectologista Renato Grinbaum, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, a SBI. Como as vacinas deverão ser aprovadas sem que os estudos tomem o devido tempo tradicional, de três a cinco anos, é provável que a preocupação com a segurança prevaleça. Como os idosos são um dos grupos que mais precisam ser protegidos, a Coronavac poderia furar a fila de aprovação na Anvisa.

O Instituto Butantan espera pedir o registro da Coronavac na Anvisa entre o final de dezembro e a primeira quinzena de janeiro. A agência então terá 60 dias para concluir a avaliação. No limite, o prazo se encerraria em meados de março. Assim que o aval for dado, a vacinação pode começar. Até dezembro, o Instituto Butantan deve receber da China 46 milhões de doses da Coronavac, das quais 6 milhões prontas para aplicação – o primeiro lote, com 120 mil, chegou a São Paulo nesta semana. Outras 15 milhões de doses devem chegar até fevereiro.

Governo do Estado de São PauloGoverno do Estado de São PauloO governador de SP, João Doria, com a vacina Coronavac
Todos os cálculos sobre prazos ignoram o fator político, que pode afetar a disponibilidade de vacinas nos vários estados do Brasil. Em outubro, o Ministério da Saúde chegou a formalizar um pedido para comprar doses da Coronavac do Instituto Butantan. Logo depois, o presidente Jair Bolsonaro cancelou o ofício e, no Facebook, publicou uma mensagem no dia 21 de outubro falando sobre “a vacina chinesa de João Doria” e dizendo que “o povo brasileiro não será cobaia de ninguém”. Ao saber da morte de um voluntário brasileiro que tinha tomado a Coronavac, Bolsonaro espalhou desconfiança sobre a vacina. “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”, escreveu o presidente nas redes sociais, festejando o incidente como uma vitória política. A investigação mostrou que a causa da morte foi suicídio, e os estudos seguiram. Mais tarde, Bolsonaro afirmou que poderia autorizar a compra da Coronavac, mas alegou que não seria pelo preço que um “caboclo aí quer”, sem citar Doria.

Entre o vanguardismo das vacinas que usam o RNA mensageiro e a tradição da Coronavac, há um grande grupo intermediário que usa vetores virais. Essa técnica foi usada em uma vacina aprovada pela Organização Mundial de Saúde no ano passado, contra o ebola, o que, em tese, pode encurtar os trâmites na Anvisa. A vacina russa Sputnik V emprega um adenovírus capaz apenas de gerar uma leve gripe e que pode ser manipulado pelos cientistas. Nele, é inserido um pedaço do coronavírus. Ao entrar no corpo, esse vírus montado em laboratório provoca o sistema de defesa humano a produzir anticorpos. Ainda neste mês, a vacina russa deverá começar a ser produzida em uma fábrica da União Química, em Brasília. A vacina da Johnson & Johnson, que também tem conversado com o governo brasileiro, segue o mesmo sistema dos russos. A da Universidade de Oxford, em parceria com o laboratório AstraZeneca, usa estratégia semelhante, mas optou por um adenovírus comum em chimpanzés. Uma fábrica está sendo montada na Fiocruz, no Rio de Janeiro, e as primeiras doses deverão ser entregues ao Ministério da Saúde em fevereiro. O pedido de registro deve acontecer em janeiro e a vacinação poderá começar em março.

A profusão de vacinas é uma ótima notícia para todos. Mais de 40 delas já estão em estudos clínicos em todo o mundo. No Brasil, com uma população de 210 milhões, seria impraticável contar com apenas uma opção para imunizar toda a população, com duas doses por pessoa. “Para acabar com a pandemia, vamos precisar do maior número de vacinas possível”, diz Gustavo Cabral. Aquelas de maior eficiência, como as que usam o RNA mensageiro, poderiam ser distribuídas nas grandes cidades, onde há melhores condições de armazenagem. As outras, como a Coronavac, mais resistentes, poderiam chegar aos povoados mais distantes e quentes. “Não faz sentido uma briga de vacinas, pois precisamos de todas elas”, afirma Cabral.

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  1. Os chineses já tinham o “código” do vírus em JANEIRO!!! Quase antes da epidemia começar!!! Talvez tenham sido rápidos mesmo, mas.... De qq forma, EXCELENTE reportagem!! Parabéns! É esse tipo de honestidade intelectual que nós, leitores, apreciamos e valorizamos!!

  2. Solução para o impasse das vacinas: mais ciência, menos política. Com certeza, é o desejo da grande maioria dos brasileiros.

  3. Vacina chinesa não tomo nem q me paguem! Crusoé sempre aliviando pro lado do ditaDória! O sonho deles é uma chapa Doria/Huck! Lamento! Ficará só no sonho mesmo! Mas, podem continuar tentando com esse jornalismo barato e enviezado!

    1. Cara, que vc não tome vacina chinesa tudo ok. É seu direito. Agora, explica melhor esse treco de jornalismo enviezado e barato. Nao fez o menor sentido, ou és um caso perdido de radicalismo "enviezado" e confuso?

    1. Concordo! Chega de fazer política com a vida da gente!

  4. Todas as vacinas, aprovadas pela ANVISA, independente de onde venham, serão necessárias para que tenhamos nossas vidas de volta.

  5. A vacina do DORIA EU ESTOU FORA. BASTA VER SUA GANÂNCIA POR DINHEIRO. E NÃO DEVOLVE O LOTE QUE ELE INVADIU EM CAMPOS DO JORDÃO.

    1. Cada vez mais esse povo se imbeciliza. Caralho, o que tem a ver a vacina com os terrenos roubados ou não do Dória?

  6. excelente reportagem. Esta será nossa "salvação". podem falar a vonomas não tem outro caminho. agora quem não quer tomar, não tome, mas deixe os outros viverem

  7. O importante é vencermos a guerra, não importa qual arma usar, desde que ela seja eficiente, produzindo resultados satisfatórios.

  8. Urge vacinar o Minto, com outra vacina do Butantã, a da raiva, antes dele tomar a decisão crucial, sobre as vacinas a adotar no país, considerando-se que o Min. da Saude é um zero a esquerda, já admitiu "ele manda eu obedeço", e critérios nada inteligentes, como a nacionalidade da vacina e motivos políticos, estão na roleta das decisões.

  9. E sobre a Operação Warpspeed, que financiou e agilizou várias vacinas inclusive a da Pfizer, nenhuma linha? Será que é porque neste panfleto absolutamente nada de bom pode ser escrito sobre o homem laranja, que as Folhas de SP dos gringos afirmam ser bobo e feio? Vocês Antaxenetas e Crusoenses são tão jornalistas quanto os ativistas de esquerda que traduzem e retuítam acriticamente.

    1. segundo uma médica com quem meu sobrinho consultou em SP, já existem mais de 20 tipos de SARS Cov.... estas vacinas imunizam contra um tipo. Quer dizer.... estamos todos sujeitos aos outros tipos?

    2. Fico estupefata em ver como os leitores e assinantes da Crusoé são ignorantes e mal informados! Por isso são assinantes né? Minha assinatura está acabando mas continuo abismada!!!

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