O contrato milionário do ‘avião do Zé Gotinha’

As trapalhadas do governo federal na negociação para a importação de 2 milhões de doses da vacina de Oxford fabricadas pelo laboratório indiano Serum seguem reverberando em Brasília.

Sabe-se agora que, para fretar o avião da Azul que decolaria rumo à Índia em janeiro para buscar os imunizantes, a Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde, a Fiotec, vinculada à Fiocruz, fechou um contrato no valor de 2,4 milhões de reais.

Devido aos erros do governo na negociação com o país asiático, a aeronave jamais partiu rumo ao destino final.

A excessiva publicidade dada pelo Ministério da Saúde à viagem foi um dos fatores que jogaram contra as tratativas. A aeronave da Azul chegou a ser adesivada com a imagem do Zé Gotinha (foto), símbolo das campanhas brasileiras de imunização. A propaganda incomodou o governo indiano, porque a exportação da vacina no momento em que país começava a imunizar sua população poderia ser motivo de críticas e desgaste.

Após a polêmica com os indianos e o atraso na remessa das doses, o Itamaraty sugeriu a contratação de um voo comercial, ao custo de 55 mil dólares. Dias depois, a chegada das doses da vacina em Guarulhos, transportadas em um avião da Emirates, foi acompanhada pelos então ministros da Saúde, Eduardo Pazuello, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

O custo da contratação da aeronave da Azul consta de ofício enviado pelo Ministério da Saúde ao deputado Alexandre Padilha, do PT de São Paulo, em resposta a um requerimento de informações.

Crusoé questionou a Fiocruz sobre a contratação. A fundação confirmou que “a Fiotec contratou e realizou o pagamento da empresa de agenciamento de cargas DMS para o fretamento e transporte da vacina”. Indagada se houve estorno da cifra milionária, uma vez que o voo foi cancelado, o órgão não respondeu.

Na ocasião, o Ministério da Saúde informou que a aeronave da Azul, que estava parada, seria usada para levar cilindros de oxigênio de Campinas, em São Paulo, para Manaus, no Amazonas, para debelar a crise no sistema de saúde, que chegou ao colapso diante do agravamento da pandemia. A pasta não esclareceu, porém, se houve a assinatura de um novo contrato.

Na Justiça, uma ação popular pede a apuração e o ressarcimento dos custos do fretamento da aeronave da Azul para transportar os imunizantes do país asiático para o Brasil. A Fiocruz manifestou-se no processo em fevereiro, e afirmou que não tinha conhecimento sobre eventual autorização para que a aeronave fosse utilizada no transporte de oxigênio para o Amazonas.

“Cabe informar que a Fiocruz, assim como o operador logístico contratado pela Fiotec (DMS Logística), não têm conhecimento sobre quaisquer instrumentos autorizativos para a utilização da aeronave e a realização dos trechos SP x PE x Amazonas (transporte de oxigênio) no período citado na inicial (16.01.2021)“, disse a fundação.