Ministério Público Federal

‘O Brasil está atrasado na discussão sobre crimes cibernéticos’, diz o procurador Vladimir Aras

08.08.20 12:06

No fim de julho, o presidente Jair Bolsonaro enviou ao Congresso a proposta de adesão ao texto da Convenção de Budapeste sobre Crimes Cibernéticos. O tratado internacional é de 2001 e há quase 15 anos o Ministério Público Federal pressionava o governo a aderir ao acordo, que facilita a cooperação entre países para a investigação de crimes como pedofilia, violação de direito de autor e terrorismo cibernético.

A possível adesão do Brasil à convenção — o Congresso ainda precisa dar o aval — foi comemorada no MP. Ex-chefe da Secretaria de Cooperação Jurídica Internacional do Ministério Público Federal, o procurador da República Vladimir Aras é um dos maiores entusiastas do tema. Ele estuda a Convenção de Budapeste e suas implicações há mais de uma década e chegou escolher o acordo como tema de sua dissertação de mestrado.

O procurador, que chefiou a área de cooperação jurídica internacional da Procuradoria-Geral da República na gestão de Rodrigo Janot (ele é primo do atual PGR, mas não integra o núcleo mais próximo de Augusto Aras na instituição), fala nesta entrevista a Crusoé sobre a demora do país na ratificação do tratado e diz que o Brasil está atrasado nas discussões mundiais sobre crime cibernético.

Além de simplificar a apuração de casos, a adesão vai permitir novos meios de obtenção de provas digitais, como informações armazenadas em sistemas de computação em nuvem, cada vez mais usados por criminosos. “Será um ganho fenomenal para a cooperação internacional do Brasil”, explica Vladimir Aras.

Qual a importância de o Brasil se engajar, depois de quase 20 anos, na ratificação da Convenção de Budapeste?
Tenho acompanhado o assunto desde 2002 e esperava ansiosamente por este momento. A convenção foi o tema da minha dissertação de mestrado. Ela é a única convenção global sobre cibercriminalidade e o Brasil está atrasado nessa discussão. Desde 2006, o Ministério Público vinha pedindo ao governo para que o Brasil aderisse à Convenção de Budapeste. Felizmente, agora houve avanços. Assim que o Congresso aprovar, e espero que o tema seja colocado rapidamente nas comissões, o Brasil poderá aderir e ingressar na discussão de um novo tratado que complemente a Convenção de Budapeste, para tratar de cloud computing, a computação em nuvem.

O Brasil terá que adequar sua legislação para aderir à convenção?
A convenção trata de aspectos de prevenção, repressão, determina a criminalização de certas condutas, mas quase todos os crimes já temos previstos aqui, seja no Código Penal, seja no Estatuto da Criança e do Adolescente. O texto determina também que haja mecanismos instrumentais para a investigação. Muitos também já temos, como técnicas especiais de investigação. No aspecto da cooperação internacional, ainda temos muito o que avançar. Vai ser preciso mudar algumas coisas da legislação processual. Ao longo dos anos, o Congresso, justamente por perceber o avanço da criminalidade tecnológica, garantiu a adequação. Teve a CPI da Pedofilia, foram feitas leis após casos envolvendo artistas e personalidades, como a Lei Carolina Dieckmann, e em função de casos graves como o que atingiu a ativista Lola Aronovich (os ataques à blogueira motivaram a criação de uma lei que dá à PF a prerrogativa de investigar a difusão de conteúdo misógino). Esse movimento tem sido feito nos últimos anos.

Por que o Brasil demorou quase 20 anos para aderir a uma convenção que é importante para aprimorar os mecanismos de investigação?
Os empecilhos são praticamente todos de natureza política. Houve uma resistência de governos anteriores. Essa resistência se relacionava, segundo alguns, no sentido da orientação da Rússia, que é contrária à Convenção de Budapeste. Tanto que hoje existe uma proposta de convenção das Nações Unidas, que está sendo capitaneada pela Rússia. Nos últimos anos, eles conseguiram montar um grupo no âmbito da ONU para começar a trabalhar nisso, mas a tarefa demanda um esforço gigantesco e demorará mais de uma década até que tenhamos algum resultado. Nada impede o Brasil de querer uma convenção global também, mas o ideal é entrar na que já existe, que é europeia, mas é aberta. A Convenção de Budapeste tem 75 estados partes, boa parte deles não europeus, como Chile e Estados Unidos.

A adesão à convenção ajuda na obtenção de provas digitais de cibercrimes ou de todo o tipo de criminalidade?
A adesão à convenção vai facilitar o acesso a provas digitais em qualquer tipo de crime. Há um protocolo em elaboração sobre computação na nuvem, que tem como objetivo principal justamente facilitar acesso a provas digitais. Tanto a União Europeia quanto o Conselho da Europa identificaram dificuldades no acesso a provas mantidas em provedores de acesso cuja sede é no exterior. O modelo da Convenção de Budapeste permite o contato direto da autoridade investigante com o provedor, tem um espaço jurídico regulamentado para que os provedores passem informações cadastrais ou de conteúdo, se for o caso. Isso facilita muito a atuação do estado, do MP e da polícia, sobretudo em investigações de pedofilia na internet, de abuso sexual de crianças e adolescentes na internet, crimes de terrorismo, propaganda terrorista e outros crimes graves.

Essa cooperação pode ajudar em investigações de corrupção ou casos de lavagem de dinheiro, por exemplo?
No momento em que se implementam os mecanismos de busca de provas digitais, é claro que isso abre a possibilidade de uso dos mecanismos para outros tipos de delinquência, para crimes comuns que tenham provas digitais. Então, será um ganho fenomenal para a cooperação internacional do Brasil e para o fortalecimento das medidas de prevenção de delinquência, especialmente crimes como pedofilia e abuso sexual infantil.

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  1. Nosso país é, não está, atrasado em tudo ! Nem tratamento de esgoto tem ! Com esses politiqueiros de uma figa nunca irá a lugar algum ! Até parece atrasado em Cibernética ! Ká Ká Ká

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