Investigação inconclusa e repleta de falhas fragiliza ação contra Bolsonaro no TSE
A advogada gaúcha Elisandra Tavares foi surpreendida ao receber uma ligação da Polícia Civil em Santo André, no ABC Paulista, para prestar depoimento dois anos depois de ter seu celular hackeado e sua família ameaçada pelos invasores. O contato só foi realizado poucos dias depois da Crusoé pedir esclarecimentos à Secretaria de Segurança Pública sobre...
A advogada gaúcha Elisandra Tavares foi surpreendida ao receber uma ligação da Polícia Civil em Santo André, no ABC Paulista, para prestar depoimento dois anos depois de ter seu celular hackeado e sua família ameaçada pelos invasores. O contato só foi realizado poucos dias depois da Crusoé pedir esclarecimentos à Secretaria de Segurança Pública sobre o andamento da investigação, no início desta semana. O crime cometido contra ela e outras três mulheres seria só mais um entre tantos volumes empoeirados nas estantes das delegacias se não fosse uma peça essencial em uma ação que pede cassação da chapa do presidente Jair Bolsonaro.
Bolsonaro é alvo de quatro ações movidas por adversários derrotados nas eleições de 2018, que pedem investigação por abuso de poder econômico. Tido como o mais difícil de prosperar na corte, o processo envolvendo a invasão da página Mulheres Contra Bolsonaro, que chegou a ter mais de dois milhões de seguidores durante o pleito, ganhou fôlego no dia 9 de junho. Tanto o relator, Og Fernandes, quanto a Procuradoria-Geral Eleitoral concordavam que o destino da ação deveria ser o arquivo. No entanto, o julgamento foi suspenso com placar de 3 a 2, para cobrar diligências à Polícia Civil, ou até mesmo a federalização do caso, a fim de esclarecer o hackeamento.
A sessão foi interrompida por Alexandre de Moraes, que pediu vista – se votar contra o arquivamento, ele formará maioria para que as investigações continuem. O ministro já concluiu seu voto e o plenário do TSE volta a debater o tema próxima terça-feira, 30.
A página Mulheres Contra Bolsonaro foi criada em meio às eleições. O grupo rapidamente passou de um milhão de integrantes e ganhou o noticiário. A partir do dia 14 de setembro, todas as administradoras tiveram seus celulares e contas de redes sociais invadidos.
“Estava em casa reunida com os grupos virtuais, quando repentinamente não conseguia acessar mais nada”, diz Maíra Motta, uma das administradoras da página. “Levei um tempo sem conseguir entender o que estava ocorrendo. Foi quando resolvi acessar o Gmail pelo notebook e vi notificações (que eram encaminhadas ao gmail) de muitas mulheres do grupo me avisando que meus dados todos estavam sendo expostos”.
“Muitas perguntando o que havia ocorrido e comentando que eu havia sido hackeada. Tentei mudar a senha do Facebook pelo Gmail, mas eu alterava a senha e eles alteravam em seguida”, relata.
Já Elisandra Tavares teve seu próprio perfil pessoal de Facebook trocado pela foto de Jair Bolsonaro. Ela também foi ameaçada pelo invasor. “Ouvi ameaças à minha filha”.
Os hackers que invadiram a página, os celulares e as redes das administradoras mudaram o nome do site para “Mulheres com Bolsonaro”. No mesmo dia, o então candidato Jair Bolsonaro compartilhou o perfil desfigurado e disse: "uma página qualquer do Facebook tinha 1 milhão de seguidores quando foi vendida para a esquerda. Então, sem qualquer vergonha, eles mudaram o nome dela para 'Mulheres Unidas Contra Bolsonaro'".
Acuadas, as administradoras desistiram de alimentar a página. As ações da Rede e do PSOL sustentam ao Tribunal Superior Eleitoral que Bolsonaro não só incentivou a invasão, como se aproveitou dela. Os advogados dizem que a derrubada do site beneficiou o então candidato, provocando o desequilíbrio da eleição. Eles pedem a cassação de Bolsonaro e sua inelegibilidade por oito anos.
A ação enfrenta dois obstáculos: parte dos ministros do TSE entende que, mesmo se a história for investigada a fundo e ficar comprovado que os ataques tiveram relação com pessoas ligadas a Bolsonaro, o fato não teve o poder de desequilibrar o pleito em favor do atual presidente. O outro ponto é que, em nenhum dos casos, as investigações identificaram os criminosos.
Em seu voto, no dia 9, o ministro Og Fernandes disse que gravou uma conversa com um representante do Ministério Público Eleitoral, em Vitória da Conquista, que apura a invasão aos dispositivos de Maíra Motta. Segundo ele, a Promotoria teria dito que a Polícia teve “dificuldade de localizar as vítimas” e "o inquérito até agora não foi concluído".
No entanto, segundo apurou Crusoé, os problemas vão muito além. Em entrevista, três administradoras da página afirmam nunca terem sido procuradas pelas autoridades após registrarem, a duras penas, boletins de ocorrência. Documentos do Ministério Público Eleitoral e da Polícia Civil da Bahia revelam que nenhuma investigação foi aberta. Nenhuma diligência foi realizada.
“O Delegado da Polícia Federal que nos atendeu na época disse que meu celular deveria ser solicitado para uma perícia e que eu devia ser chamada para uma oitiva. Aguardei, mas isso nunca aconteceu de fato”, afirma Maíra Motta, uma das administradoras da página.
As autoridades locais promovem um jogo de empurra. Quando o Tribunal Superior Eleitoral cobrou informações sobre as investigações, a Polícia Civil da Bahia, onde Maíra fez Boletim de Ocorrência, alegou que a competência seria do Ministério Público Eleitoral, e que, por isso, a investigação não foi aberta - a resposta foi dada quase um ano depois do registro da ocorrência, em junho de 2019. A Promotoria Eleitoral, por sua vez, afirmou que tinha arquivado o caso e nem sequer pediu que a Polícia Federal realizasse uma investigação. Crusoé entrou em contato reiteradas vezes nos últimos 10 dias com a Polícia Civil da Bahia. “Ainda estamos reunindo as informações”, limitou-se a dizer o órgão, por meio de sua assessoria.
Já o caso da advogada Elisandra Tavares foi registrado na Polícia Civil em Santo André, também em setembro de 2018. A delegacia afirma à Crusoé que “realiza diligências visando a identificação do autor e o esclarecimento dos fatos”. Só que os investigadores entraram pela primeira vez em contato com Elisandra, que diz ter insistido em cinco ocasiões para finalmente realizar o boletim de ocorrência, apenas dias depois do questionamento da reportagem. Situações semelhantes ocorrem com outras duas administradoras da página que tiveram seus celulares invadidos na Bahia e no Rio Grande do Sul.
O julgamento do dia 9 sofreu uma reviravolta a partir do voto do ministro Edson Fachin, que se manifestou para que o caso fosse ao menos esclarecido pela Polícia. Seu voto foi acompanhado por Tarcísio Vieira, que ressaltou a gravidade dos ataques realizados por milícias digitais e cogitou até mesmo a transferência do caso para a PF. Carlos Velloso Filho também concordou com Fachin.
A sessão foi encerrada após o ministro Alexandre de Moraes pedir vista. Nas mãos dele está um possível voto de empate pelo arquivamento ou para formar maioria e pedir que a investigação seja realizada. Em outra esfera, no Supremo Tribunal Federal, Moraes conduz o inquérito do fim do mundo e o dos atos antidemocráticos, que miram justamente as milícias digitais bolsonaristas em supostos ataques contra a corte. A ação vista como “azarão” no TSE guarda relação com casos sobre os quais o ministro está debruçado no STF. Seu voto já está pronto e o julgamento deve ser retomado nesta terça-feira.
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