Hasan Shirvani / IRNACena do cortejo do presidente iraniano Ebrahim Raisi

Incerteza política em Teerã

25.05.24 12:14

A morte de Ebrahim Raisi está muito além de ser apenas a perda do presidente do Irã. Raisi, além de presidir a teocracia iraniana, era o principal candidato a sucessor de Líder Supremo do país, posição ocupada por Ali Khamenei desde 1989. Uma ausência que torna todo o processo político do país mais nebuloso, liga um sinal de alerta para China e Rússia, além de gerar apreensão nos grupos terroristas financiados por Teerã. O desequilíbrio iraniano criar incertezas e tem potencial para movimentar as peças no jogo político do Oriente Médio.

Internamente, tudo se torna ainda mais turvo diante da teia de intrigas na alta cúpula do país porque o outro nome cotado para a sucessão de Khamenei é justamente seu filho, Mojtaba Khamenei. Porém, o Irã é uma teocracia islâmica republicana, longe de ser uma monarquia, aquilo que poderíamos inferir diante da possível escolha de um descendente direto para a sucessão do Líder Supremo. Além disso, vale lembrar que a presidência pode servir de plataforma para um clérigo ser alçado ao maior cargo do país. Esta era a aposta de Raisi, uma vez que foi o caso do atual, Ali Khamenei, presidente quando do falecimento do primeiro Líder Supremo, Ruhollah Khomeini, em 1989. Com o plano interrompido, resta saber que rumo tomará a elite política iraniana.

Porém, para Mojtaba Khamenei suceder Ali Khamenei, é preciso passar pela Assembleia de Peritos, composto por 88 clérigos eleitos. Eleger o filho do Líder Supremo, entretanto, pode ser um problema, uma vez que a Revolução Islâmica se orgulha de ter derrubado uma monarquia e o Irã aprecia seu modelo republicano, que possui pilares definidos em sua ordem institucional teocrática e uma escolha como esta pode ensejar riscos que seus líderes talvez não estejam dispostos a correr.

A estabilidade do sistema caberá especialmente ao Conselho de Guardiões, composto por seis clérigos especialistas em jurisprudência islâmica escolhidos diretamente pelo Aiatolá e seis juristas nomeados pelo chefe do Poder Judiciário. Cabe ao Conselho vetar candidatos nas eleições para Parlamento, Presidência e Assembleia de Peritos, ou seja, passará pelas suas mãos aquele que irá suceder Ebrahim Raisi, assim como os nomes que devem eleger o sucessor do atual Líder Supremo, Aiatolá Ali Khamenei.

Esta dinâmica mostra o delicado momento político atravessado pelo país com a perda de seu presidente, que servia de ponto de equilíbrio para eleição do Líder Supremo, ao mesmo tempo que mantinha controle do aparato estatal e estabilidade política ao redor do establishment. A saída de cena abrupta de Ebrahim Raisi embaralha o jogo e mexe com as placas tectônicas do regime.

Além disso, o país passa por incertezas econômicas, inflação, a população sofre com a falta de água, mudanças climáticas, violações de direitos, amplamente conhecidas mundo afora, sendo a mais recente a morte da jovem Mahsa Amini enquanto estava sob custódia da polícia, presa por não usar um hijab corretamente. Sua perda ilustrou a brutalidade do regime em relação às mulheres e minorias. Ela era curda, membro de um dos grupos étnicos minoritários mais oprimidos do Irã.

Aliás, esta é a trilha pela qual passam as incertezas em relação ao regime dos aiatolás. O Irã, com todas as suas idiossincrasias, conflitos e precariedades, se tornou um player internacional relevante, liderando ao lado de Rússia e China a iniciativa de questionar as atuais estruturas internacionais de poder, na tentativa de construir ao lado dos sócios uma nova forma de ordem institucional global, baseada nos princípios defendidos por este bloco, que passa pelo regime fechado, autocrático e centralizador e um discurso anti-Ocidente em confronto direto com os valores liberais e democráticos.

Ao mesmo tempo, este novo eixo se transformou em um risco para a Europa, na medida que a Rússia avança em sua iniciativa de invasão da Ucrânia sob o apoio discreto da China que fornece peças e materiais essenciais para a máquina de guerra do Kremlin funcionar no Leste Europeu e o Irã tomou a iniciativa de atacar Israel por meio de suas organizações satélites, a saber o Hamas, Hezbollah e os houthis. Esforços que em conjunto tem por objetivo desestabilizar o sistema internacional e ainda podem contar no futuro próximo com uma invasão de Pequim em Taiwan.

No entanto, estes conflitos constituem apenas uma frente, pois a estratégia também se desdobra em outros planos, essencialmente o econômico. O Irã acaba de entrar no clube dos Brics, iniciativa que se tornou uma frente de países autocráticos de ajuda mútua e principal financiador do estabelecimento de uma nova ordem institucional global. Ao lado de China e Rússia, o Irã agora pode usar o Bric satacomo instrumento de política externa, ao mesmo tempo que pode usar o NDB, braço financeiro internacional, como uma máquina de fomento que atenda estes interesses.

A resistência do Ocidente ocorre em diversas frentes e evitar que os recursos, assim como a dependência econômica de regimes autocráticos se torne uma realidade, vem trabalhando em uma série de mecanismos. Estados Unidos e União Europeia já possuem mecanismos avançados de controle de fluxo financeiro e de investimentos de países autocráticos em seus territórios, evitando assim que setores estratégicos de suas economias repousem no controle destes países, em especial no que diz respeito a energia, infraestrutura, comunicações e transportes.

Fato é que o desequilíbrio político para onde pode ser tragado o Irã neste momento serve como alerta para seus parceiros. O regime dos aiatolás precisará trabalhar em um amplo processo de costura política para evitar que sua república passe a ser questionada pela própria população. Ebrahim Raisi representava a estabilidade e o futuro político do país. A ausência de um nome forte que o substitua joga incertezas sobre quem ocupará a presidência, porém, acima disso, quem será escolhido para suceder Ali Khamenei.

Esta é a pressão sob a qual está colocado o país neste momento e a ausência de Raisi no cenário gera uma brutal disputa interna que passa pelo Conselho de Guardiões, mas deságua na Assembleia de Peritos e naqueles que decidirão quem será o novo Líder Supremo do país. Algo que dificilmente envolverá a oposição moderada, abrindo espaço para uma batalha na frente mais conservadora, com potencial de gerar choques políticos internos que ganhem as ruas em protestos. O tabuleiro está aberto e o jogo sendo estudado, especialmente diante da certeza que o caminho tomado pelo país pode influenciar decisivamente nos rumos do Oriente Médio.

  

Márcio Coimbra é CEO do Instituto Monitor da Democracia e ex-diretor da Apex.

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