ReproduçãoGiorgia Meloni, a primeira-ministra italiana: pró-Ucrânia e anfitriã do G7

O mundo vai para a direita

Eleições europeias mostram tendência global do eleitorado, enquanto esquerda empaca com discurso de mudanças climáticas e identitarismo
14.06.24

Políticos não criam movimentos e ideias do nada. Eles são, isso sim, os escolhidos pela população por melhor escutarem suas preocupações e encaminharem seus desejos. Nas eleições do Parlamento Europeu, que se encerraram no domingo, 9, muitas páginas foram gastas para descrever os candidatos dos partidos de centro-direita, direita e direita radical, como se eles fossem capazes de magicamente formar a opinião do povo. O que a maior parte dessas notícias falhou em ver foi que está em curso um espraiamento dos conceitos de direita, ao mesmo tem que em as ideias de esquerda perdem tração. Se não fosse esse fenômeno de base, espalhando-se entre os cidadãos, esses políticos de direita não seriam capazes de conquistar 44% das cadeiras no próximo Parlamento Europeu — quase o dobro do número obtido pelos blocos de esquerda.

Essa tendência já vem sendo bem percebida na Europa e nos Estados Unidos. Com matizes um pouco diferentes, também pode ser detectada no Brasil. Por aqui, o ex-presidente Jair Bolsonaro foi quem mais tentou tirar proveito dos números da eleição no Velho Continente. “A Europa mostra que a vontade popular prevalece sem determinadas intromissões e logo mais (esses números) se repetirão em outras partes do mundo”, escreveu o ex-presidente no X. “A vitória do povo mostra que as agendas impostas pelo sistema não estão satisfazendo sua vontade.”

Bolsonaro, claro, quer passar a ideia de que sua família, seu partido ou sua corrente de pensamento irão surfar essa mesma onda. No Hemisfério Norte, o estancamento da esquerda é muito mais nítido. O primeiro grande baque aconteceu com a queda da União Soviética, em 1991. O ânimo dos russos e dos habitantes de países ex-soviéticos da Europa Oriental em viver sob o capitalismo e em Estados democráticos deixou claro o fracasso do centralismo econômico e político exercido por socialistas e comunistas.

A partir desse momento histórico, nos países democráticos do Ocidente, a esquerda procurou se adaptar. No Brasil, Lula se aproximou do cubano Fidel Castro e criou o Foro de São Paulo, aproximando-se da ditadura mais longeva da região. Aqui e em outros países, a esquerda abraçou o meio ambiente, a União Europeia e os direitos das mulheres e outras minorias, como imigrantes, negros, gays e transgêneros.

O que a eleição do Parlamento Europeu mostrou foi o esgotamento de algumas dessas bandeiras substitutas, que foram empunhadas pela esquerda. Uma delas é o combate ao aquecimento global. Ainda que a maior parte da população entenda o seu perigo e conheça a sua causa — a liberação de gases de efeito estufa na atmosfera — há resistência sobre a adoção de políticas que aumentem impostos ou o valor da conta de luz. Na Alemanha, onde vive o povo mais consciente da questão ambiental do planeta, uma proposta do governo de trocar os combustíveis fósseis por fontes renováveis no sistema de aquecimento das casas sinalizou uma elevação dos preços ao consumidor e derrubou o apoio à coalizão de governo, liderada por Olaf Scholz, do esquerdista SPD. Mais de 70% dos alemães hoje reprovam o seu trabalho como chanceler. Nesse país, na França, na Espanha e na Romênia, agricultores bloquearam estradas contra o Pacto Verde Europeu, que ameaçava reduzir o uso de pesticidas e elevar o preço dos combustíveis e, com isso, encarecer a distribuição dos produtores agrícolas. Todas essas pessoas não poderiam ser consideradas como “terraplanistas” ou “negacionistas” das mudanças climáticas. São apenas indivíduos para quem o custo a pagar por fazer a coisa certa pode ser alto demais, e que acreditam que o mais prudente seria fazer tudo gradualmente.

Outra bandeira da esquerda que está definhando é o europeísmo. Curiosamente, quando a União Europeia, UE, dava os primeiros passos, a esquerda era contra a ideia, porque tinha ojeriza à globalização e ao livre-comércio. Foi nos últimos vinte anos que a esquerda passou a defender o bloco e os seus valores liberais. Quando políticos de direita populista começaram a criticar o bloco, após a crise financeira de 2008, a grita foi geral, e os novos críticos foram rotulados de antidemocráticos. Deu-se, assim, um giro completo. Acontece que hoje a esquerda perdeu a capacidade de colocar a direita contra a parede. O motivo disso é que, após os percalços enfrentados pelo Reino Unido com o Brexit, os líderes da direita desistiram de propor a retirada de seus países da UE. Atualmente, apenas 18% dos italianos acham que Georgia Meloni, a primeira-ministra do país e líder do partido Irmãos da Itália, tem a intenção de fazer a retirada. Na Hungria, na França, na Espanha, em Portugal, na Romênia e na Grécia, menos de 50% de todos os eleitores acreditam que o líder do partido mais à direita quer tirar suas nações do grupo.

Evidências de que as políticas de esquerda não atraem mais os eleitores estão na adoção de políticas de direita por chefes de governo da esquerda. O novo plano da União Europeia e da França para lidar com os imigrantes foi em grande parte baseado nas propostas da direita, mais restritivas. Nos Estados Unidos, o presidente democrata Joe Biden tem procurado se mostrar rígido no controle da fronteira com o México. Esta semana, ele publicou um decreto que pode permitir o fechamento das vias se o número de imigrantes superar um certo patamar.

Outra prova desse colapso ideológico está na conversão de eleitores em regiões tradicionalmente industriais da esquerda para a direita. Isso ocorreu principalmente no Nordeste da França e no Cinturão da Ferrugem, nos Estados Unidos. Nessas áreas, os operários industriais que trabalhavam em grandes fábricas e se organizavam em sindicatos foram escasseando. Com o advento de uma economia mais digital e globalizada, eles perderam seus empregos. No lugar deles, ascenderam pequenos empresários, empreendedores e trabalhadores por aplicativo. A sensação entre os antigos operários de terem ficado para trás aumentou o ressentimento e os sentimentos nacionalistas. Imigrantes passaram a ser vistos como invasores, criminosos ou competidores por postos de trabalho. Nos Estados Unidos, o Partido Democrata, que tinha nos sindicatos de operários sua principal base eleitoral, viu seus eleitores escolherem o republicano Donald Trump em 2016 nos estados mais industriais. Este ano, há uma boa chance de o quadro se repetir.

Para contornar a perda da base eleitoral entre operários industriais, a esquerda cortejou outros grupos. Foi daí que surgiu o identitarismo, com a promoção dos direitos de negros, transgêneros e outras minorias. A luta de classes entre trabalhadores e patrões, então, foi transferida para grupos organizados. “Essa tem sido uma estratégia da esquerda para criar novas classes sociais e dividir a sociedade, mas esse processo tem data de validade, pois o discurso está cansando”, diz  o professor de relações internacionais Christopher Mendonça, do Ibmec de Belo Horizonte.

Um dos limites dessa abordagem é que, quem se diz representante de uma lista longa de grupos sociais, acaba falando em nome de ninguém. Nesta quinta, 13, Lula, em viagem para participar de uma reunião da Organização Internacional do trabalho, OIT, na Suíça, afirmou: “Um discurso de que não abro mão é o de falar contra a desigualdade, a desigualdade no mundo do trabalho, a desigualdade de raça, de educação, de gênero”. Pode até parecer um discurso justo, mas fica mais difícil alguém se sentir representado numa frase como essa.

Outro problema enfrentado pelo identitarismo é que ele suscitou uma reação entre conservadores e religiosos. A postura autoritária e até revolucionária de muitos desses grupos ao defender seus direitos, muitas vezes imaginários, tem contribuído para sua rejeição. No Reino Unido, a palavra woke”, usada para definir a luta desses grupos, é considerada como um insulto por 36% dos britânicos, de acordo com uma pesquisa da Ipsos. Para piorar, em um mundo em que cada grupo defende o seu, perderam-se os valores universais. Isso ficou evidente no apoio ao grupo terrorista Hamas por jovens universitários americanos e europeus.

Essas discussões reverberam no Brasil. O entendimento de um mundo imerso em luta de classes e as promessas de um sindicalismo fortalecido não são mais levados a sério. Na Suíça, antes da reunião da OIT, Lula se disse um “representante dos trabalhadores”. Mas seu discurso no 1º de Maio, em São Paulo, foi um fiasco de público. O governo também não consegue avançar com uma legislação para os trabalhadores por aplicativo, que resistem ao controle estatal.

Lula foi eleito em 2022 com uma vantagem menor que dois pontos percentuais. Foi uma vitória da esquerda, mas que não se espelhou no Congresso, em que as preferências da população são mais bem dimensionadas. A bancada da esquerda é a menor em vinte anos. Somados, os partidos de esquerda elegeram cerca de 25% da Câmara. A direita ficou com aproximadamente 45%. Este ano, o instituto de pesquisas Ipec entrevistou os brasileiros e concluiu que 41% dos brasileiros se posicionam mais à direita no espectro ideológico. Os que poderiam ser considerados de esquerda somam 18%, menos da metade.

Ao comentar o resultado das eleições do Parlamento Europeu esta semana, Lula afirmou para jornalistas que estavam em Genebra: “Eu tenho dito a todo mundo que nós temos um problema de risco da democracia tal qual nós a conhecemos. Porque o negacionista nega as instituições, nega aquilo que é o Parlamento, aquilo que é a Suprema Corte, aquilo que é o Poder Judiciário, aquilo que é o próprio Congresso”, disse o presidente.

Lula chama de “extrema-direita” todos os partidos de direita, que segundo ele apresentariam um risco para a democracia. É uma maneira distorcida de ver os fatos. O bloco mais bem votado na UE foi o Partido do Povo Europeu, que não representa ameaça alguma para as instituições. Sua líder, Ursula von der Leyen, já comanda a Comissão Europeia. Para ganhar mais um mandato, Ursula tem se aproximado da italiana Georgia Meloni, que apoia a Ucrânia, parou de criticar a UE e será a anfitriã do encontro do G7 neste final de semana. Não há extrema-direita nem riscos para a Europa aí. O medo de Lula e da esquerda não é com a preservação da democracia, e sim o de não conseguir mais fazer frente ao avanço da direita no mundo.

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  1. O que se coloca como 'mundo' restringe-se apenas ao mundo ocidental. China, Russia, Índia e o Mundo Islâmico não compartilham dessa imensa tolice que é a Esquerda.

  2. Sobrou à esquerda, sem pauta económica, pois de economia nada sabe, trabalhista, pois foi o capitalismo que construiu a classe média e mais tirou gente da pobreza, ou identitária, pois está todo mundo cansado dos exageros arbitrários dela, abanar o papão da direita anti democrática que habita apenas na sua cabeça. O eleitor é democrata e assim que qualquer partido de direita se exceda ele será arredado do poder.

  3. Ah! E sempre bom lembrar que, no Brasil, homem branco cishétero é a minoria quantitativa. Falar de raça, classe e gênero é falar sobre a maioria nacional que é reduzia à minoria. Eu concordo com a reportagem que a direita está nas bases e assim será por muito tempo. Mas o que me afasta da direita (especialmente no Brasil) é esse rechaço à alteridade: não há definição de pautas para todos (a.k.a. universais) sem escutar as diferenças. É por isso que o liberalismo da direita nacional é tão raso.

  4. Cara, isso é muito cruel. O que vocês chamam de "identitarismo" é resultado de anos de luta para percebermos que os valores "universais" nunca levaram em consideração o panorama complexo das ao redor do mundo. Ele parte de uma tradição ocidental de matriz judaico-cristã (isso é fato histórico). Como trabalhar a predominância da juventude preta no encarceramento? A disparidade de gênero na representatividade pública? Os altos índices de assassinato da população LGBT+? Interseccionalidade!

  5. Só espero que a Esquerda extremista suma de nosso país assim como a Extrema Direita. Precisamos de equilíbrio.

  6. O EX-PRESIDIÁRIO SÓ FOI ELEITO POR CAUSA DA REJEIÇÃO AO BOLSONARO. QUALQUER OUTRO CANDIDATO SERIA ELEITO.

  7. Espremido entre duas ideologias estúpidas e assassinas o mundo precisa de um novo Iluminismo ... a ignorância dominou o ser humano.

  8. No Brasil, Direita virou um palavrão , segundo o cânon progressista. O que posso dizer, ao senhor presidente: é a democracia, estúpido.

    1. Concordo. Mas pelo menos, hoje em dia, a direita não está "expremida" e acuada pela esquerda, como foi nos quase 16 anos de PT. Outrora, a direita tinha "medo" de se apresentar e questionar as. Imposições da esquerda.

  9. Visão bem abrangente das disputas políticas no Ocidente democrático , pelo menos. Realmente o discurso identitários de esquerda cansa

    1. O discurso identitário já encheu o saco desde sempre. Que esse papinho termine logo.

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