Jefferson Rudy/Agência Senado

Exclusivo: em mensagens, senador do dinheiro nas nádegas faz lobby na Justiça para empresária investigada

26.02.21 19:02

Não foi apenas dinheiro entre as nádegas. As buscas e apreensões da Policia Federal em endereços do senador afastado Chico Rodrigues (foto), do Democratas, revelaram sua intimidade, também, com o Judiciário.

Os investigadores descobriram o lobby de Chico Rodrigues junto a uma desembargadora do Tribunal de Justiça de Roraima para obter uma decisão a favor de uma empresária que mantém contratos com o governo local. A empreitada, que envolveu comunicação direta com a magistrada, foi bem sucedida.

Inicialmente, a relação entre Chico Rodrigues e a empresária era investigada somente em razão da atuação dele para garantir que a Secretaria da Saúde do estado liberasse para ela pagamentos relativos a contratos para fornecimento de equipamentos de proteção individual em meio à pandemia da Covid-19 — os investigadores suspeitam, inclusive, que os produtos tenham sido superfaturados.

A investigação colocaria o senador, de atuação discreta no Congresso, sob holofotes. Em outubro de 2020, Crusoé revelou que, durante uma ação de buscas e apreensão, a PF encontrou 30 mil reais escondidos sob as roupas do senador. Parte das cédulas estava entre as nádegas dele.

Em relatório, a PF lista os contatos entre o senador e a desembargadora
Como celular de Chico Rodrigues foi apreendido, os agentes puderam avançar ainda mais na apuração, e obtiveram então as mensagens que revelaram os préstimos do parlamentar à empresária Gilce Pinto junto à Justiça.

As tratativas ocorreram em novembro de 2019, quando a empresária procurou Chico Rodrigues, e se estenderam pelos meses seguintes, sempre pelo aplicativo WhatsApp. Inicialmente, o senador a empresária tratavam de um contrato com a Secretaria de Educação. Ela dizia estar com receio de perder um contrato na pasta. “Nós só temos Jesus e o senhor e eu sei que não vamos ficar desamparadas“, dizia a empresário. Chico responde: “Vou me informar e apertar eles“. O senador, aliado do governo local, chega a dizer que falou sobre o contrato com a “secretária e o governador“.

Em março de 2020, a secretária de Educação de Roraima, Leila Perussolo, entrou em contato com Chico Rodrigues. “Estamos com problemas. A empresa (referia-se a uma empresa concorrente) entrou com MS (mandado de segurança). Está com liminar para suspender a contratação. Desembargadora Elaine. Contrato de apoio…“. O senador responde: “Pois é“. A secretária ainda opina: “Lamentável“. Em seguida, Chico Rodrigues promete: “Vamos resolver, secretária. Sei das dificuldades, mas é assim. Vamos ajudar resolver“. A liminar a que a secretária de Educação se referia havia suspendido o processo de licitação no qual a empresária estava interessada.

As mensagens com a secretária: pedidos de ajuda de vários interessados
Dias depois, Gilce Pinto enviou recomendações ao senador para a conversa dele com a desembargadora, por meio de uma mensagem de áudio. “Pode dizer pra ela que o contrato já tá pronto desde o dia 13 de março, já foi feito caução, os funcionários já tão trabalhando. Tudo pronto. Essa empresa (a empresa concorrente)… ela não tem capacitação dentro do certame, pra participar, não tem documentação, pode falar pra ela“.

Três minutos depois da mensagem, Chico Rodrigues encaminhou as mensagens da empresária para o celular da desembargadora Elaine Bianchi. Com o passar dos dias, a Gilce Pinto, ansiosa pela decisão da magistrada, voltou a cobrar o senador: “Se der pro senhor dar uma ligadinha pra desembargadora ela ainda não respondeu aquela situação do processo da educação“. Chico Rodrigues responde prontamente: “Amanhã comunico com ela“.

No dia seguinte à cobrança, em um recurso apresentado pelo governo do estado, a desembargadora deu um despacho que, na prática, atendia o interesse da empresária. A decisão manteve o contrato firmado entre o governo e a empresa de Gilce Pinto, que aparecia como “terceira interessada” no processo.

A empresária pediu claramente que Chico Rodrigues agisse junto à magistrada
De acordo com a desembargadora, “a suspensão do contrato de prestação de serviços ao sistema educacional, que já se encontrava em execução quando do ajuizamento da ação mandamental, não se mostra razoável para a continuidade do servido público, mormente porque as escolas públicas estaduais continuam em funcionamento, conquanto não esteja havendo aulas presenciais, mas sabendo todos que estas podem ser retomadas a qualquer momento, o que implica na manutenção dos prédios e serviços administrativos em funcionamento“.

A magistrada prosseguiu: “Sobre a continuidade do serviço, o Superior Tribunal de Justiça orienta no sentido de se dar continuidade à execução do contrato, inclusive, quando necessária a prorrogação ou o saneamento de irregularidades, em prol da razoabilidade”.

Indagada por Crusoé sobre a decisão e sobre os contatos do senador, a desembargadora Elaine Bianchi não se manifestou. A Secretaria de Educação de Roraima também não. Por meio de sua assessoria, Chico Rodrigues afirmou que todos os “esclarecimentos necessários” foram feitos pelo senador “em sua carta aos senadores, quando do retorno de sua licença parlamentar“. “Não há nada mais de essencial a acrescentar“, diz a nota enviada pelo gabinete de Chico Rodrigues.

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