'Ele queria 5 mil reais do salário todo mês', acusa ex-assessor de deputado bolsonarista
Alexandre Junqueira era só mais um militante de direita quando conseguiu se aproximar do clã Bolsonaro. Ele conta que se identificava com as críticas que o então deputado Jair Bolsonaro fazia à esquerda. Natural do Rio de Janeiro, mudou-se na juventude para Suzano, no interior de São Paulo. Lá, montou uma página que batizou de “Carioca...
Alexandre Junqueira era só mais um militante de direita quando conseguiu se aproximar do clã Bolsonaro. Ele conta que se identificava com as críticas que o então deputado Jair Bolsonaro fazia à esquerda. Natural do Rio de Janeiro, mudou-se na juventude para Suzano, no interior de São Paulo. Lá, montou uma página que batizou de “Carioca de Suzano”, apelido com o qual ficou conhecido nas redes depois de gravar vídeos na internet em apoio a Bolsonaro.
A partir da página, Junqueira conheceu o deputado federal Eduardo Bolsonaro, o filho 03 do presidente em um clube de tiro em Itaquaquecetuba, no interior paulista. Foi nesse período que ele foi apresentado ao agora deputado estadual Gil Diniz, líder do PSL na Assembleia Legislativa de São Paulo, a Alesp. A aproximação virou amizade e Alexandre passou a trabalhar para ambos na campanha eleitoral de 2018.
Já neste ano, foi nomeado assessor do deputado estadual, também conhecido como "Carteiro Reaça" (na foto acima, de camisa verde, Junqueira aparece com Gil Diniz, Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro). As relações com o deputado estadual, porém, não duraram muito tempo. Os dois acabaram rompendo a amizade porque, conforme Alexandre Junqueira conta nesta entrevista a Crusoé, o parlamentar passou a exigir que ele lhe entregasse uma parte do salário que recebia na Alesp. O dinheiro, afirma o ex-assessor, serviria para financiar a campanha de Gil Diniz a prefeito de São Paulo em 2020.
Nesta terça-feira, 15, o Ministério Público de São Paulo recebeu uma representação em que Alexandre Junqueira formaliza a acusação contra o deputado. O ex-assessor afirma que testemunhou que o "rachid" era comum entre os funcionários do gabinete" e que foi punido por não concordar com o procedimento. Ele vai mais além na acusação: diz que a mesma prática é adotada na liderança do PSL na Assembleia paulista. A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida por telefone -- o ex-assessor diz estar no momento na Indonésia, trabalhando como vendedor.
Como você conheceu a família Bolsonaro e o deputado Gil Diniz?
Eu tinha uma página na internet chamada “Carioca de Suzano”. Aí eu vim morar na Indonésia. Eu tinha um amigo que era amigo de um sobrinho do Jair Bolsonaro, que era deputado na época. Mas eu mal sabia quem era ele. Esse meu amigo falou que era alguém que estava metendo o pau em cartilha LGBT que estavam pondo na escola. Comecei a pesquisar e a me identificar com o Jair. Aí, uma vez, fiz um vídeo de apoio a ele aqui da Indonésia, em frente a um presídio em que traficantes ficavam presos. E esse vídeo explodiu. Foi quando eles me viram.
Eles fizeram contato com você?
Eu comecei a a militar para eles aqui. Fazia sempre o vídeo de apoio ao Jair e os caras postavam nas páginas, como aquela “Bolsonaro Opressor”. Isso deu uma grande repercussão no meio do pessoal do Jair. Quando eu voltei, conheci o Eduardo em um clube de tiro em Itaquaquecetuba em que ele ia fazer uma palestra. Eduardo já me conhecia, me seguia na internet e postava meus vídeos.
Quando foi isso?
Tem uns dois anos. E ali que conheci o Gil (Diniz) também. Tiramos fotos, batemos papo, fomos nos aproximando. Um dia, eles foram fazer uma entrevista em Suzano e ele (Eduardo) me convidou para ser motorista da campanha.
Você foi motorista do Eduardo na campanha de 2018?
Exatamente. E militava para o Gil também. Era um grupo, e estávamos na campanha. Mas, veja, Eduardo é um cara bacana, super gente fina, humilde, tem educação, sabe respeitar as pessoas. Ele está nesse patamar graças a ele mesmo. Eu estava com Eduardo em Mogi das Cruzes no dia da facada. Recebemos a notícia em Mogi e seguimos juntos para Juiz de Fora.
Você continuou a trabalhar para eles depois da campanha?
Eu tinha pegado uma grande amizade com o Gil e falei para ele que ia voltar a trabalhar com vendas depois da campanha, mas que ajudaria ele se precisasse. Falei: “Olha, tem dois meses até a posse, vou fazer as agendas com você de graça e depois, em janeiro, vou trabalhar e você toca a sua vida”.
E aí?
Nesses dois meses eu trabalhei. Quando terminou, ele me chamou para trabalhar no gabinete. E eu ainda continuei trabalhando para ele. Carro meu, despesa minha, ninguém me pagava nada porque ele não tinha salário ainda para oferecer. No dia 15 de março (data da posse dos deputados estaduais), trabalhei de graça, sem contrato nem nada.
E depois?
Quando finalmente comecei no gabinete, surgiu a ideia de ele ser candidato a prefeito de São Paulo. Mas na verdade ele não quer sair para ganhar, quer sair para lançar o nome dele e garantir a reeleição de deputado. Esse é o objetivo dele. E ali nessa conversa foi falado de fazer um caixa de campanha. Na minha cabeça seria até algo voluntário. Mas não. A conversa era para colocar o salário de todo mundo no teto e o pessoal devolve a GED (Gratificação Especial de Desempenho, paga pela Assembleia).
Quem estava nessa reunião?
Eu, ele e a chefe e gabinete (Sonaira Fernandes de Santana). Eles tinham feito a proposta de devolver a GED e fazer rodízio da contribuição entre os funcionários que estão no teto.
Como assim?
Cada GED são 5 mil reais. Cada gabinete pode ter só seis GEDs. Então você não paga a GED para todos para não dar na cara. Pode olhar no gabinete, não são todos que têm a GED. Então, com o rodízio, três recebiam por vez e voltariam 15 mil para o gabinete por mês.
E você aceitou?
Não. Eu não ia aceitar esse tipo de coisa porque é peculato.
Por isso você saiu?
O que houve é que um belo dia nós discutimos no carro. O Gil estava meio enfezado comigo. Ele veio me cobrar 5 mil reais do meu salário. Todo mês. Eu dei corda pra ele. Falei: “É caixinha de campanha que você quer?”. E ele pediu 5 mil reais. Eu fiquei quieto.
E o que houve?
Deu dez dias, a chefe de gabinete me chamou. Queria abaixar meu cargo. Me pôr como motorista e minha esposa como auxiliar parlamentar na base em Suzano. Eu falei que não podia aceitar, porque se a imprensa descobrisse, ia cair matando, marido e mulher lotados no gabinete. Ela disse que podia, porque não tem grau de parentesco com o Gil. Eu falei que não ia fazer isso. Ela falou: “O que que eu faço?”. Eu falei que tinha três opções. Ou contratava um motorista e me deixava acompanhando ele do mesmo jeito ou ele me abria o escritório estendido em Suzano ou em Mogi das Cruzes ou me dava três meses (de trabalho) e me mandava embora.
Houve alguma decisão?
Um belo dia, fui buscá-lo em casa. Voltamos numa boa, tudo bem, conversando. Tudo normal. Sem crise. Cheguei no gabinete, ela me chamou pra pegar o carro com o motorista. Eu não aceitei. Aí ela me chamou para falar com ele. A primeira coisa que ele me disse foi: “Me ajuda a te ajudar”. Eu falei: “Você é o deputado”. E coloquei as três possibilidades: "Contrata um motorista e eu continuo te assessorando". Ele falou que se contratasse não precisaria mais de mim. Falei de abrir um escritório estendido em Suzano ou em Mogi para eu trabalhar a militância, mas ele falou que não, que não teria como justificar o meu salário se eu estivesse lá. Aí falei para me dar três meses de trabalho e depois me exonerar.
Por que três meses?
Porque, olha só, eu fui na Dudalina (loja de roupas) e gastei uma fortuna, troquei pneu do meu carro, tinha feito dívida. A minha ideia foi essa. Me dá três meses e me exonera. Mas na minha cabeça a gente ia se acertar.
E como ele reagiu?
Ele bateu na mesa, gritando, e falou: “É isso o que você quer?”. Virou outra pessoa. Começamos a bater boca. Eu falei que ele era o deputado. Ele disse: “É, eu sou o deputado, quem manda aqui sou eu”. E gritou: “Soraya (a chefe de gabinete), três meses e rua". Fui demitido, não oficialmente, do gabinete naquele dia. Fiquei 14 dias.
Como funciona o recolhimento?
Tudo é a chefe de gabinete que faz.
Vai para uma conta?
Nunca é em conta. É saque em dinheiro. Rachadinha é complicado. É uma prática comum que precisa acabar. Mas os salários da Assembleia são altíssimos. Lá existe até deputado que compra carro e dá o carnê para o funcionário pagar. Lá é dinheiro, é saque.
E você ficou nos três meses?
Eu fui afastado não oficialmente do gabinete. Ia uma vez por semana para assinar um livro de presença. Você não assina a semana inteira e depois vai e assina tudo.
Por que você não saiu de vez?
Porque ele não podia me tirar com 14 dias apenas do gabinete. Se não fizesse assim, ia ter que justificar. Antes de três meses de trabalho precisa justificar a demissão.
Ele te deu os três meses, então?
Me deu até um pouco mais. Fui exonerado no dia 31 de julho.
Ficou esse tempo lá sem trabalhar?
Ele não me deixava trabalhar.
Ficou como fantasma?
Exatamente. Ele criou essa situação. Mas não é culpa minha. Ele fez isso.
Só você estava nessa condição?
Tinha uma funcionária que, com certeza absoluta, estava no esquema até de devolução do salário. É uma coitada. O nome dela é Wagna Carneiro (Crusoé verificou que há uma pessoa de mesmo nome na lista de assessores de Gil Diniz, com salário de pouco mais de 9 mil reais). É uma amiga dele há 12 anos. Apareceu do nada, ele contratou ela. Só que ela fica em casa, busca os filhos dele no colégio e também vai uma vez por semana para assinar o livro. Ele dizia que ela ficava na base, só que a base é em Guaianases (bairro da zona leste de São Paulo) e até então ele não tinha escritório estendido em Guaianases.
Procede a informação de que o trabalho dela, na verdade, é cuidar filhos do deputado?
Eu não posso afirmar isso. Mas que ela é fantasminha, 100%. Só se está indo no gabinete agora. Mas até a minha saída ela era fantasminha.
Você levou esse seu relato para a família Bolsonaro?
Eu passei uma mensagem para o Eduardo dizendo que fui exonerado, mas não cheguei a falar pra ele o que estava acontecendo. Não tive a oportunidade.
Vê semelhança do seu caso com as suspeitas envolvendo ex-assessores do gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio?
Eu não posso falar nada do Flávio e do Queiroz (refere-se a Fabrício Queiroz, apontado nas investigações como responsável por recolher parte dos salários dos funcionários do filho 01 do presidente da República). Não gostaria que respingasse neles. Sei que pode respingar. Mas rachadinha é parecida e tem em todo lugar. Infelizmente, é uma prática normal.
Atualização -- Em nota (leia aqui), o deputado Gil Diniz rebateu as acusações do ex-assessor e anunciou a disposição de tornar públicos seus extratos bancários.
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Comentários (10)
Cássio
2019-11-04 09:57:00Será que esse deputado de meia tigela, Gil Diniz, também conhecido por Carteiro Reaça, consegue se reeleger? DUVIDO!
Joaquim
2019-11-01 15:58:41Todo mundo só pensa em se locupletar. É um absurdo. Não se pode confiar em mais ninguém. CAMBADA DE VAGAUS.
Uira
2019-10-31 23:11:27Eles já votaram a Reforma da Previdência, então perderam a serventia, as outras reformas podem esperar eles irem presos. Se eles não tem utilidade e nem saída, então resta o quê? Ir para a cadeia. Se eles já vão para a cadeia de qq maneira, então pq motivo vão ficar se resguardando e tentando manter as aparências?
Uira
2019-10-31 23:05:03Por isto que solapar a base da pirâmide da corrupção é desejável, pois isto significa que não chegou neles, mas que será só questão de tempo até que chegue. Afinal, se os bagres continuarem indo presos, daqui a pouco só sobrará os tubarões no aquário da corrupção. O ideal é que denúncias de rachadinha começassem a pipocar pelo país inteiro, câmaras municipais, assembleias estaduais, e quem sabe, até o Congresso nacional, os CORRUPTOS não tem serventia para mais nada.
Uira
2019-10-31 22:58:23O preço do sucesso é que eles agora estão arredios, tateando no escuro em busca de uma saída, mesmo que o sonho deles fosse soltar Lula, a manobra é altamente arriscada e o cenário ideal é que eles não precisassem fazer isto. Ele como ativo, desvalorizou mais do que eles esperavam, enquanto Bolsonaro e Sérgio Moro mantiveram suas cotações acima do que eles gostariam. Considerando a situação atual, o melhor para os CORRUPTOS é se eles conseguissem empurrar as coisas com a barriga.
Uira
2019-10-31 22:29:19Os próprios CORRUPTOS não deve ter qq interesse em investigar nada, senão poderiam estar exatamente abrindo a porta para que os esquemas deles viesse a ser descobertos. Até a fala de Queiroz sobre rachadinha no Senado não deu grande Ibope, o que deve indicar que a prática é generalizada e os CORRUPTOS não querem dar o mínimo de sopa para o azar. Daqui a pouco, tentando queimar Bolsonaro, eles passam de acusadores a investigados e passam a ter suas contas de gabinetes devassadas.
Uira
2019-10-31 22:24:56No escândalo de Queiroz havia os outros deputados para contrabalancear e expor o esquema de rachadinha. O problema do suposto esquema que envolve o "Carteiro Reaça" é que ele não é uma Pessoa de Interesse, tal como Flávio Bolsonaro, e não foi revelado nada generalizado envolvendo outros deputados. Se ele como figura é de pouca relevância e não há mais gente envolvida, então ele até poderia realmente estar desviando o salário dos funcionários que ninguém estaria nem aí.
Rafael
2019-10-16 20:57:47Caio, "mais além" é pleonasmo.
Odete6
2019-10-16 17:55:37Obrigada Crusoé e Caio Junqueira, por mais essa ótima e elucidativa matéria.
Carlos
2019-10-16 16:20:29É impressionante a fixação da imprensa em querer ligar tudo de ruim ao nome Bolsonaro. Agora existe "Deputado Bolsonarista".... mas não vi nada na entrevista que ligue o Bolsonaro a essa suposta denúncia... Continuem tentando...