É impossível acreditar no diário inventado de Eduardo Cunha
Decisão de Moraes resvala no direito à liberdade de expressão, mas, do ponto de vista literário, Cunha não deveria ter qualquer receio sobre o conteúdo de 'Diário da Cadeia'
Alexandre de Moraes ressuscitou a polêmica do diário inventado do deputado cassado Eduardo Cunha (foto), publicado em 2017. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) mandou retirar de circulação o livro “Diário da Cadeia” (Editora Record), escrito sob o pseudônimo do ex-presidente da Câmara dos Deputados.
A decisão, que restabeleceu determinação da Justiça estadual do Rio de Janeiro, chega um pouco atrasada, porque o livro está esgotado, mas impede sua comercialização em versão virtual até que seja retirada a menção a Cunha. Na ação que moveu, o deputado cassado apontou “gravíssima tentativa de ganho comercial” no livro, escrito por Ricardo Lísias.
O diário inventado prometia "trechos da obra inédita 'Impeachment'", em referência ao livro que o artífice do impeachment de Dilma Rousseff publicaria em 2021, sob o título de "Tchau, Querida: o Diário do Impeachment" (Matrix).
Cunha imaginário
Os advogados de Cunha argumentaram o seguinte:
“Qualquer jornalista pode escrever sobre Eduardo Cunha. E qualquer jornalista pode escrever até mesmo uma biografia de Eduardo Cunha. Ou produzir obras críticas, humorísticas, satíricas, enfim. Mas ninguém pode escrever uma obra em nome de Eduardo Cunha, em primeira pessoa, como se ele fosse, a não ser ele próprio.”
Ao decidir contra a editora, condenada a uma indenização de 30 mil reais por dano moral, Moraes concluiu que "induz o público ao erro, uma vez que sua redação e apresentação criam a impressão de que Eduardo Cunha é o verdadeiro autor da obra".
"Observa-se que há uma exposição ao nome do autor que ultrapassa o mero direito à liberdade de expressão", segue o ministro na decisão, completando: "Deste modo, muito embora seja reconhecida a liberdade de expressão, não se revela legítimo o uso irrestrito deste mandamento constitucional".
Não dá para acreditar
Apesar das preocupações alegadas pela defesa, quem leu o livro sabe que é impossível acreditar que Cunha de fato escreveu esse diário. Recupero resenha que assinei na época do lançamento para deixar isso mais claro:
"A faceta pública de Eduardo Cunha está toda no livro, que, para não deixar dúvidas, a expõe de forma exaustiva. O homem devoto a Deus, desconfiado, frio e calculista, autoconfiante, de formação cultural limitada — escancarada por meio de erros e erros gramaticais — e de destacada sagacidade (nem tão destacada assim pelo diário). Mas a mistura insistente de tudo isso fica longe de tangenciar a alma do ex-presidente da Câmara. Para resumir: enquanto avançava na leitura, eu ia me convencendo de que Eduardo Cunha nunca escreveria um diário. Caso escrevesse, não seria nesses termos. E, se o fizesse nesses termos, nunca o publicaria."
O verdadeiro Cunha
"Cunha nunca se exporia tão fragilizado como aparece no livro — a não ser que tivesse uma meta clara ao fazê-lo", segue a resenha.
"É preciso acreditar em tudo o que ele disse nos últimos anos (e esquecer que fez campanha para Dilma Rousseff em 2014 e que durante meses protegeu seu Governo do processo de impeachment do qual viria a se tornar o artífice) para retratá-lo como alguém que acredita piamente no liberalismo econômico. É possível argumentar que, ao escrever seu diário, o Eduardo Cunha imaginário veste a mesma máscara que usou nos meses anteriores à prisão, mas, para tanto, sua escrita precisaria ser completamente diferente: cínica, recheada de deboches provocativos e bem mais cuidadosa."
A análise da obra termina assim:
"É no exagero, na sátira aberta, que o autor se aproxima mais da persona de Cunha. O resto do livro deixa um gosto de debate político aguado, superficial. E essa é uma pena que Cunha, já condenado a mais de uma década de cadeia, não merece."
"Lamento a censura"
Desde que a resenha foi publicada, a Operação Lava Jato, que levou Cunha para a cadeia, passou por um processo de desmonte, com uma série de cancelamentos de condenações, inclusive do próprio Cunha.
Autor da sátira, Lísias escreveu o seguinte em seu perfil no X sobre a decisão de Moraes: "Lamento a censura. Não vou aceitar".
A decisão do ministro do STF causa desconforto, pois resvala sim na questão da liberdade de expressão, mas, do ponto de vista literário — ou mesmo psicológico —, Cunha não deveria ter qualquer receio de que as palavras publicadas no diário inventado possam ser confundidas com o que ele próprio teria escrito.
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Comentários (3)
MARCOS
2025-01-18 20:06:38DO JEITO QUE TÊM IDIOTAS NESSE PAÍS DE M... QUE ACREDITAM EM TUDO QUE OUVEM E LEEM, DOU RAZÃO AO MINISTRO. HIPOTETICAMENTE FALANDO, SE FOSSE ESCRITO UM LIVRO CONTANDO AS CORRUPÇÕES DO EX-PRESIDIÁRIO E COLOCADO O NOME DELE COMO AUTOR DO LIVRO, A PETEZADAIRIA ENDOIDAR.
Carlos Renato Cardoso Da Costa
2025-01-18 15:15:09Liberdade de expressão relativa mediante a interpretação de um super homem de capa negra. Seja bem vindo ao Brasil!
Amaury G Feitosa
2025-01-18 11:50:18Impossível aos idiotas manipulados pela ditadura assassina que viola o Estado e massacra a Nação sob a covardia de um parlamento rendido e vendido a enriquecer com emendas milionárias divididas muitas entre a politicalha criminosa e seus sequazes e as denúncias disto são incomensuráveis .. O PAÍS VIROU UM IMENSO PUTEIRO ... Cazuza xapado estava certíssimo.