De repente, o mundo descobre um brasileiro pouco cordial
Surpresa! Um Brasil violento aparece nas manchetes da imprensa mundial. A famosa expressão do historiador Sérgio Buarque de Holanda, sobre o brasileiro cordial, tantas vezes mal interpretada, mas muitas vezes mais repetida à exaustão, não deve ser muito conhecida no exterior, mas o fato é que mundo tinha exatamente essa imagem do brasileiro médio: um...
Surpresa! Um Brasil violento aparece nas manchetes da imprensa mundial.
A famosa expressão do historiador Sérgio Buarque de Holanda, sobre o brasileiro cordial, tantas vezes mal interpretada, mas muitas vezes mais repetida à exaustão, não deve ser muito conhecida no exterior, mas o fato é que mundo tinha exatamente essa imagem do brasileiro médio: um cidadão pacato, folgazão, amigo de todos, sempre disposto à música e à diversão e bem mais associado às imagens de praias e do Carnaval do que ao trabalho duro. A despeito de um ex-presidente carrancudo, mal-educado e inimigo da natureza, prevalecia a noção de que o brasileiro comum era um cidadão simpático, acolhedor, propenso ao futebol-arte, antes que a esses esportes brutos ou à luta livre, apreciados pelos americanos.
O Capitólio tupiniquim do 8 de janeiro veio desmentir, ou desvelar, o ledo engano. A invasão e a depredação, não de apenas um, mas de três poderes simultaneamente, levaram às primeiras chamadas do noticiário internacional, e às primeiras páginas dos jornais, assim como das novas mídias, imagens deploráveis de novos bárbaros tentando derrubar pela força um novo governo legitimamente eleito pouco mais de dois meses antes. Não se deploram mortos como no Capitólio dos trumpistas, mas o cenário de destruição depois da passagem dos hunos bolsonaristas (foto) foi ainda mais devastador do que em Washington. De repente, quase sem aviso, o que eram “manifestações de protesto” – segundo os apoiadores dos vândalos – se converteram em cenas de fúria desenfreada, prontamente reproduzidas em quase todos os canais de informação nos quatro cantos do planeta.
A reação de muitas autoridades mundiais foi também imediata. Poucos minutos após a transmissão das primeiras imagens, declarações, notas e mensagens de indignação e de solidariedade passaram a ser prontamente divulgadas pelos mesmos canais da mídia mundial. Da Argentina à Venezuela, passando por Cuba e Estados Unidos, no hemisfério, da Áustria ao Timor Leste, ao redor do mundo, chefes de Estado, de governo, diretores de organizações multilaterais e de organismos regionais emitiram notas e fizeram pronunciamentos em defesa da democracia brasileira e condenando o que parecia ser, e talvez fosse efetivamente, uma tentativa golpista, no mais puro estilo Donald Trump, inclusive com as mesmas indecisões exibidas pelos órgãos de segurança nos dois casos. O mundo foi então apresentado à face menos risonha do brasileiro supostamente cordial e boa praça, aparecendo em seu lugar um bando de trogloditas enrolados na bandeira nacional. Tudo isso muito pouco depois que o mundo deplorou, de forma unânime, o desaparecimento do rei do futebol, o maior atleta do mundo, o brasileiro mais conhecido do mundo, o “passaporte Pelé”, que salvou a vida de mais de um repórter trabalhando em zonas inóspitas e perigosas.
Imediatamente após as primeiras notícias de Brasília, pelo menos cinco autoridades da União Europeia – os presidentes do Conselho, da Comissão e do Parlamento comunitário, o comissário de relações exteriores e o representante diplomático acreditado no Brasil – emitiram notas, declarações e tuites lamentando o evento e hipotecando solidariedade. Assim também fizeram vários governos europeus na pronta sequência. Na América Latina, não só líderes nacionais dos executivos, mas responsáveis de outros poderes, inclusive do Judiciário, também se manifestaram prontamente. Dos Estados Unidos, tanto o presidente Joe Biden e o secretário de Estado saíram em defesa da democracia no Brasil, além do diretor da OEA e dos conselhos editoriais dos grandes jornais e organismos sediados em Washington; da capital americana, o novo diretor do BID, o brasileiro Ilan Goldfajn, tuitou sua mensagem no primeiro minuto. Letônia, Malta, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Celac, também emitiram seus comunicados. Comissões de juristas, responsáveis de ONGs humanitárias e o próprio Conselho de Segurança da ONU tampouco faltaram na lista das primeiras manifestações de preocupações com a estabilidade democrática no Brasil.
O tom geral é de condenação à tentativa de golpe, ainda que os militares brasileiros – tão criticados no passado por uma das ditaduras mais longevas da América Latina – tenham permanecido estranhamente silenciosos durante a ascensão dos golpistas claramente ligados ao presidente derrotado em outubro passado. A maior parte das declarações é de confiança, ainda que puramente formal, na solidez democrática das instituições públicas, embora o mundo conheça o nosso histórico de impeachments, bem ou malsucedidos. O presidente da Argentina, Alberto Fernández – o primeiro a receber uma próxima visita de Lula – deu uma entrevista ao vivo, e à quente, à BandNews na qual não descartou cumplicidades em altos escalões das instituições públicas para que a tentativa de golpe chegasse tão longe no ataque ao coração das principais instituições do Estado brasileiro, o que nenhum outro dirigente estrangeiro ousou ainda aventar. De fato, os golpistas não teriam chegado tão longe se não contassem com uma sólida rede de apoios, tanto entre dirigentes do setor privado apoiadores da agenda reacionária de Bolsonaro, quanto da conivência de comandantes no alto escalão das Forças Armadas, amplamente beneficiadas pelas prebendas do ex-chefe.
O que o atentado frustrado à democracia implica para a imagem do Brasil no mundo? O baixo crescimento brasileiro, as declarações estatizantes e contra o equilíbrio fiscal do presidente recém-empossado e a própria possibilidade de recessão na economia mundial já sinalizavam, desde a formação do governo nas últimas semanas de 2022, perspectivas pouco auspiciosas para a atração de investimentos diretos suscetíveis de criar novos empregos e de dinamizar as exportações, via programas de reindustrialização do setor produtivo. Ameaças de instabilidade política podem representar caução redobrada por parte de empresários interessados no mercado local e, sobretudo, de fundos de investimento apenas financeiros, pois que temerosos de novas turbulências políticas que afetem as reformas mais esperadas pelos mercados: tributária, regulatória, do próprio Mercosul, que ainda é, a despeito de todos os contratempos, a segunda união aduaneira mais relevante no mundo, depois da UE.
Por outro lado, a pronta reação das autoridades, a responsabilização dos autores dos atos atentatórios às instituições e a inédita união – talvez de circunstância – entre os três poderes na defesa da democracia apontam para uma convergência de intenções, na classe política, no sentido de eliminar pela raiz esse tipo de ameaça antidemocrática, pois que poucos parlamentares de direita – e eles são muitos nesta nova legislatura – ousarão apoiar ou enveredar por uma oposição doravante identificada como propensa à quebra das instituições ou da normalidade democrática. Pode-se até dizer, com alguma suspeita de subjetividade em defesa da democracia, que diminuiu sobremaneira a possibilidade de consolidação de uma extrema-direita no país, retornando o sistema político brasileiro ao usual costumeiro, que é a da alternância entre governos oligárquicos ou populistas, sempre controlados, em última instância, por uma maioria conservadora no Congresso.
De todo modo, pode também ter diminuído a confiança dos grandes parceiros do Brasil no Ocidente desenvolvido numa rápida recondução do país aos canais centrais que se espera de um país plenamente integrado aos cânones usuais dos sistemas democráticos: um governo dispondo da confiança da maioria da população para empreender grandes reformas que são urgentemente demandadas numa agenda quase consensual de governança, em especial no domínio ambiental, a área que mais sofreu sob o desgoverno destruidor anterior. Nessa mesma linha, a relutância do Brasil em seguir o Ocidente na condenação veemente da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, assim como declarações do presidente e do seu principal assessor internacional contrárias a uma rápida adesão do Brasil à OCDE podem turvar um cenário que se apresentava como claramente favorável a esse retorno do país ao antigo grande protagonismo diplomático internacional que vinha praticamente desde o início da redemocratização. O terceiro-mundismo de Lula, sua adesão à fantasmagoria de um tal de Sul Global e a aliança no quadro do BRICS não perturbaram gravemente esse protagonismo.
Pelo menos para a fração democrática do mundo, Donald Trump e Jair Bolsonaro representaram – talvez ainda representem – ameaças à necessária convergência de valores na governança das democracias de mercado, o que se converte em uma agenda ainda mais crucial, no momento em que duas grandes autocracias parecem sinalizar uma competição mais agressiva vis-à-vis o Ocidente liberal, no sentido de oferecer uma outra “ordem mundial” que não é exatamente aquela desenhada em Bretton Woods, instituída em San Francisco e mantida contra ventos e marés durante o longo período de confrontação na geopolítica bipolar dos anos de Guerra Fria. Já a aliança do Brasil e da Índia no quadro do Brics a essas duas potências autoritárias enfraquece a necessária unidade do campo democrático na defesa de valores e princípios que sempre foram os da diplomacia brasileira, desde o Barão do Rio Branco, de Rui Barbosa, de Oswaldo Aranha, de San Tiago Dantas e de Celso Lafer no quadro do multilateralismo atual, que tem como eixo central a defesa intransigente do Direito Internacional.
As primeiras reações de Lula aos dramáticos eventos do Capitólio bolsonarista deram ao mundo a impressão de um dirigente partidário mais voltado para o lado ideológico dos embates contra seus atuais inimigos, do que a reafirmação do tino racional de um líder político com estatura de estadista mundial, como ele era visto até o presente momento. Espera-se, de modo otimista, que ele faça de suas próximas visitas já programadas – à Argentina, aos Estados Unidos e à China – novas plataformas para a plena reinserção do Brasil ao mundo e não apenas reafirme o Brasil num papel de mero protagonista típico de um país emergente, ainda lutando para reformar uma democracia de baixa qualidade. Oxalá!
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Comentários (10)
MARIO CAVALCANTI GAMEIRO DE MOURA
2023-01-10 18:32:19Sinceramente escreveu pra caramba e não disse nada....um bla, bla, bla interminável que no final não sabemos se o autor condena ou sei lá o que sobre o ato. Ainda tenho fé que a CRUSOÉ volta aos tempos de Maynard, e vou aguardar mais um pouco, mas se continuar em cima do muro...faço como os demais SAIO FORA.
CARLOS ALBERTO ANDRADE SILVA
2023-01-10 18:23:56putz, cerca de 2005 o congresso invadido 1a. vez pela esquerda e nova/ em 2016 c/ mais violência; agora c/ violência extrema todos os poderes pela pessoal da direita. pelo andar da carruagem e pelo comportamento dos três poderes que não se fazem respeitar, uma quarta invasão está a caminho e pelo jeito teremos uma revolução francesa com guilhotina e tudo o mais!!!!!
cristovao
2023-01-10 17:23:59Engano seu .O presidente além de INELEGIVEl(pôde ser candidato porque a suprema corte ,no TAPETÃO o legalisou, sem contar que houve proteção do TSE para lula na condução do pleito
Paulo Barretto De Araujo Manso Cabral
2023-01-10 16:56:24A Revista Crosué abandona seu passado, vende o seu presente e aluga o seu futuro. Somente a marca Crusoé, valia muito mais do que os patrocínios que vocês passarão a receber com essa nova postura que ,obviamente, não poderia contar com a conivência de Diogo Maynard e Mario Sabino. Não abro mais o aplicativo, esperando apenas o prazo da minha assinatura se encerrar para colocar esse "veículo de comunicação" entre os quais não mais visitarei em busca de notícias isentas e verdadeiras. Meus pêsames
miguel sampol pou
2023-01-10 13:41:35O momento pede aceitar a democracia possível, com repulsa a golpe e terrorismo que deve ser punido. O Brasil necessita ter líderes genuinos que o levem a progredir, priorizando o atendimento dos mais necessitados. Nessa linha, o Governo( não importa se de direita ou de esquerda) deveria um amplo plano, crível e duradouro, de educação profissionalizante( nada de universidade sem qualidade), priorizando para isso recursos orçamentários. Devemos cobrar os políticos para que isso se torne realidade.
Ricardo Heurich
2023-01-10 10:52:17Em geral a imprensa desconsidera o fato de que Lula foi derrotado pelo eleitorado do sul e Sudeste. E , especialmente, no Distrito Federal. Talvez aí a raiz do silêncio e inatividade em geral diante dos atos da turba.
ÉDEN
2023-01-10 10:22:44Quando o autor se refere aos "quatro cantos do mundo" não estaria a reafirmar o terraplanismo ? Um esferoide de revolução, como é o caso de "nosso" planeta, não exibe "cantos"; uma "terra plana", sim.
Peter
2023-01-09 19:51:08Acertou na mosca! Abrangente, cristalino e imparcial - bravos!
Franco
2023-01-09 16:09:50Como se pode ser cordial quando se tem um STF que não respeita a constituição? É notoriamente parcial e leniente com poderosos e ladrões do nosso suado dinheiro? Como descondena notório corrupto por conta de firulas processuais? Os petistas já destruíram mesas e cadeiras do congresso não faz muito tempo. Nunca foram chamados de terroristas. MST sempre foi violento, nunca foram chamados de terroristas. Minha indignação me leva a apoiar esses atos de ontem, mesmo que triste para nosso patrimoni
Ana Lucia Amaral
2023-01-09 13:37:13Parece que estão todos fazendo de conta que os atos de vandalismo de ontem são só por causa das eleições. Boa parte da sociedade, desprezada por não ser de esquerda, está indignada com a facilidade com que os três poderes fazem pouco da aplicação da lei. Os gastos para os reparos dos danos aos prédios públicos serão imensamente inferiores ao que foi saqueado dos cofres públicos pelo atual presidente da República e outros que o apoiam. Não se deve desprezar metade do povo.