Análise: Em crise com instituições como PF e Receita, Bolsonaro está sob um teste inédito
A cúpula da Polícia Federal resolveu pagar para ver na queda de braço com Jair Bolsonaro. E, ao menos por ora, saiu ganhando. O anunciado desejo do presidente da República de interferir na escolha do novo superintendente da corporação no Rio de Janeiro pegou mal internamente e, por pouco, não resultou em um pedido de...
A cúpula da Polícia Federal resolveu pagar para ver na queda de braço com Jair Bolsonaro. E, ao menos por ora, saiu ganhando. O anunciado desejo do presidente da República de interferir na escolha do novo superintendente da corporação no Rio de Janeiro pegou mal internamente e, por pouco, não resultou em um pedido de demissão coletiva dos chefes da polícia — incluído na lista o próprio diretor-geral, Maurício Valeixo.
A direção da PF já tinha um nome para substituir o delegado Ricardo Saadi, prestes a ser transferido para Brasília. Era o do atual superintendente em Pernambuco, Carlos Henrique Sousa. Bolsonaro atravessou. Além de dizer que Saadi seria trocado por questões de “gestão e produtividade”, uma avaliação que também não foi bem recebida na cúpula da polícia, o presidente anunciou que seu preferido era outro.
“Quem manda sou eu. (Vou) Deixar bem claro. Eu dou liberdade para os ministros todos, mas quem manda sou eu. Pelo que está pré-acertado, seria o lá de Manaus”, afirmou Bolsonaro na quinta-feira, em mais uma de suas entrevistas coletivas na saída do Palácio da Alvorada.
O tom da declaração do presidente foi enxergado como mais uma reprimenda ao ministro da Justiça, Sergio Moro. Bolsonaro estava incomodado porque a troca seria feita sem o seu aval e, mais que isso, atropelaria o seu indicado para o posto. Por sugestão de integrantes da ala militar do governo, ele queria colocar na chefia da PF no Rio o delegado Alexandre Silva Saraiva, atual superintendente no Amazonas.
A reação foi imediata na polícia. De pronto, Maurício Valeixo deixou claro que não cederia à pressão política e que cabia a ele, e apenas a ele, definir o nome do novo superintendente. Em conversas reservadas, o diretor-geral lembrou que nem durante a era petista houve uma tentativa tão explícita do Planalto de interferir em assuntos internos da corporação. Também disse que se a PF cedesse no caso do Rio, abriria a porteira para outras interferências em Brasília e no restante do país.
Repetindo que não tem apego ao cargo, mas que precisava sair em defesa da instituição, Valeixo fez o que poucos têm feito no atual governo: pagou para ver. Para marcar posição contra o “quem manda sou eu” de Bolsonaro, divulgou uma nota anunciando o nome do delegado que havia escolhido para o Rio. Enquanto isso, dentro de casa, se mexeu para mostrar ao Planalto que as consequências seriam graves se o presidente insistisse em empurrar goela abaixo o nome de Alexandre Saraiva. Estava tudo encaminhado para que, se isso acontecesse, o próprio Valeixo e a maioria dos superintendentes da PF nos estados entregassem seus cargos. Seria um escândalo.
Deu certo. Bolsonaro recuou. Em uma nova declaração a jornalistas, o presidente afirmou que não haveria problema se o chefe no Rio fosse o escolhido da cúpula da PF. “Tanto faz para mim. Eu sugeri o de Manaus e se vier o de Pernambuco não tem problema, não”, declarou. Maurício Valeixo não perdeu tempo: anunciou que o novo superintendente será Carlos Henrique Sousa, o seu escolhido, e não Alexandre Saraiva, o preferido do presidente e de militares do Planalto. Se não houver uma nova ofensiva de Bolsonaro, a nomeação deverá sair nas próximas semanas.
A reação da cúpula da polícia, impensável em outros tempos, é uma amostra do fortalecimento institucional que alguns órgãos tiveram nos últimos anos, especialmente em razão da Lava Jato. Algo louvável, é preciso dizer, em um país acostumado com ingerências politicas de toda ordem no serviço público. O caso da sucessão no Rio era especialmente caro por se tratar do estado de Bolsonaro, onde correm investigações sensíveis que, em algum momento, podem cruzar com interesses do próprio presidente e de seus familiares. Aceitar a interferência significaria, de fato, abrir uma perigosa exceção.
O desenrolar da crise, porém, realçou alguns desconfortos. Muitos delegados em posições de comando na PF se ressentiram do silêncio do ministro Sergio Moro em meio à confusão. Para eles, teria sido importante que o ex-juiz da Lava Jato tivesse vindo a público defender a polícia. Se por um lado isso poderia agastá-lo ainda mais com Jair Bolsonaro, por outro seria uma oportunidade de marcar posição e se blindar contra possíveis novos arroubos presidenciais. Resolvida a questão do Rio, também há dúvidas acerca de como ficará o animus de Bolsonaro com a PF após a crise. Quem o conhece sabe que ele certamente não gostou de ser contrariado — e que pode retaliar no futuro.
Em tempo: por causa da decisão do Palácio do Planalto de fazer mudanças na Receita Federal, agora chefes do órgão também ameaçam entregar seus cargos. Assim como na PF, eles reagem ao que classificam como uma tentativa indevida de interferência política nos trabalhos da instituição. É outro foco de incêndio que pode ganhar grandes proporções nas próximas horas. Pressionado a impor limites a órgãos de investigação e fiscalização que, na visão de alguns setores do poder (ministros do Supremo, por exemplo) estariam se excedendo em suas funções, Bolsonaro está sob um inédito teste e terá de decidir entre se curvar às queixas dos poderosos ou deixar que instituições como a PF e a Receita sigam fazendo o seu trabalho sem amarras.
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (10)
Claudinei
2019-08-23 08:55:34Acho que o presidente deveria ter mais pulso firme em relação a polícia do Rio ; pois se sabe que lã existe bastante facaltruagem em todos os sentidos, esse Maurício Valeixo está querendo ser maior que o nosso presidente ; acharia q tivesse q se colocar no lugar dele , não querer impor certos requisitos q não cabem no seu cargo.
Regis
2019-08-21 17:53:05Odete6: eu te amo. Tá colunista, minha santa.
Maria Goyabademinas
2019-08-19 14:13:31Agora veremos se o Presidente é só um bufão ou se tem coragem de deixar que as investigações sigam em frente. Pelo que vimos até aqui, estou com pouca esperança. Como deixar que exponham o patrimônio guloso do filhão??
ANDERSON
2019-08-19 12:20:00Parabéns a PF! Avante, Lava Jato!
Joséf
2019-08-19 11:03:55O cara é o presidente e não pode mexer nos petista que a mídia cai de pau.
André
2019-08-19 07:45:03Receita, TCU, Procuradoria etc estão repletos de Petista, Psolista e afins. Eu trabalho em um órgão público e convivo com eles. A PF é exceção.
Cretino
2019-08-18 19:09:57Lema do Boçalnaro: "eu e meus filhos acima de tudo, e os brasileiros que se f@#$%&*...".
Odete6
2019-08-18 18:59:45O Ministro Dr. Sérgio Moro faz muitíssimo bem em ponderar sobre a hora de confrontar opiniões com o "presidente". Muitas vezes é como se um 'antropólogo' tentasse dialogar de igual pra igual com um "selvagem": uma conversa inócua que só provocaria a ira incível do segundo. Silêncio também é sabedoria e desempenho. O Ministro tem vasta cultura jurídica e geral e, sabe que as forças institucionais regentes do país estão funcionais e podem operar eficientemente através de plurais mecanismos legais.
Uirá
2019-08-18 18:40:40São estas relações, associações e transações que permitem aos corruptos saquearem a máquina e, ao mesmo tempo, se protegerem contra quaisquer ações voltadas para acabar com a corrupção. Estas relações em geral saem da esfera pública e invade a esfera privada, formando uma rede de corrupção e favores que suga a máquina e obstruir o combate à corrupção. A rede de relações impróprias e espúrias deve ser revelada, funcionário público competente e honesto não precisa se escorar em conexões políticas.
Odete6
2019-08-18 18:38:20Negativo!!! Nao "manda" não!!! Que pretensa incondicionalidade!!! Embora os últimos venham se comportando como tal, o 'funcionário público', presidente de uma república, obviamente NÃO É COMO UM MONARCA!!! Quem manda no BRASIL é o POVO BRASILEIRO, através do conjunto de INSTITUIÇÕES FUNCIONAIS e CONSTITUCIONALMENTE PREVISTAS, 'QUE OBEDEÇAM RÍGIDA e ESTRITAMENTE os PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS QUE REGEM a ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA', ou sejam: