Waldemir Barreto/Agência Senado

A união de governistas e petistas para desfigurar o pacote anticrime

14.08.20 16:05

O boicote à PEC da Segunda Instância promovido por setores do Congresso não é a única sabotagem em andamento contra a pauta anticorrupção na Câmara e no Senado. A possível derrubada de vetos impostos pelo presidente Jair Bolsonaro ao pacote anticrime, cuja votação está prevista para a semana que vem, é o novo front de batalha da coalizão pró-impunidade do Congresso. O grupo une de bolsonaristas a petistas, passando por representantes do Centrão.

Uma articulação, que conta com o empenho de aliados do governo, está em andamento para derrubar pelo menos dois dos 25 vetos – o número pode ser bem maior, a julgar pelo afinco com que são conduzidas as negociações.

Nos bastidores, a ideia é flexibilizar medidas de combate à corrupção e impor uma nova derrota a Sergio Moro. Boa parte dos vetos agora em análise foi articulada e defendida pelo ex-ministro da Justiça no ano passado. O senador Álvaro Dias, do Podemos, afirma que o adiamento da sessão do Congresso para a votação desses vetos ocorreu por causa da articulação em andamento na Câmara para derrubá-los.

“Não houve acordo em relação à manutenção, mas vamos persistir na defesa de que os vetos sejam mantidos. Votamos favoravelmente ao pacote em dezembro, depois de modificações feitas pela Câmara com as quais não concordávamos, com a condição de que ocorreriam os vetos. Houve esse compromisso”, diz.

Ele critica o empenho de parlamentares para desidratar ainda mais o pacote anticrime. No ano passado, a inclusão da criação da figura do juiz de garantias, mantida por Bolsonaro, já representou uma derrota a Moro. “Entramos com uma adin [ação direta de inconstitucionalidade] e conseguimos suspender a criação do juiz de garantias por tempo indeterminado”, lembra Álvaro Dias.

“É mais uma pauta em que o governo e a oposição, capitaneada pelo PT, estão juntos”, revela o senador Major Olímpio, do PSL. “O Planalto não faz a menor questão de manter o pacote, pensando em impor uma derrota ao Moro. A cegueira é de tal ordem que deixam de lado a preocupação com o Brasil para pensar em questões eleitorais, como derrotar adversários”, acrescenta. Ele conta que trabalhou pelo adiamento da votação para negociar a manutenção de parte dos vetos. Nesta segunda-feira, 17, Major Olímpio terá uma reunião com o deputado Carlos Zarattini, do PT, para apresentar seus argumentos em defesa do pacote anticrime.

Também defensor da Lava Jato no Congresso, o senador Alessandro Vieira, do Cidadania, garante que vai brigar pela manutenção de parte dos vetos, na linha do que, à época, foi acertado com o então ministro Sergio Moro. “O governo mudou suas pautas e seu foco de atuação, mas vamos insistir no acordo feito no ano passado”, explica.

Na prática, a eventual derrubada de vetos pelos quais o ex-ministro Moro trabalhou vai ser uma vitória do Planalto, do Centrão e de seus apaniguados envolvidos em ações da Lava Jato. Em uma das alterações feitas pelo Congresso na Lei de Improbidade Administrativa – e vetadas por Bolsonaro a pedido de Sergio Moro –, os parlamentares querem que réus em ações de improbidade administrativa tenham o poder de assinar os chamados acordos de não persecução mesmo depois de recebidas as denúncias e iniciados os processos.

“O agente infrator estaria sendo incentivado a continuar no trâmite da ação judicial, visto que disporia, por lei, de um instrumento futuro com possibilidade de transação”, escreveu Sergio Moro, à época do veto. Entre as maiores ações de improbidade da Lava Jato que tramitam em Curitiba está a ajuizada contra o Progressistas, que pode acarretar à legenda multas milionárias, com riscos de inviabilizar a atividade da sigla.

O Progressistas não é o único. Advogados consultados por Crusoé consideram que a possibilidade de celebração de acordos no decorrer das ações de improbidade será uma pá de cal sobre os programas de compliance – um conjunto de procedimentos para evitar corrupção e conflitos de interesse – sobre os quais os partidos vinham trabalhando.

Pela Lei Anticorrupção, as entidades e empresas que possuem o projeto de compliance podem ter redução nas multas aplicadas. O caso do Progressistas era justamente o maior argumento usado para incentivar dirigentes partidários a também adotarem o programa em suas legendas, já que o MPF do Paraná demonstrou que a legislação se aplica também às agremiações.

Bolsonaro excluiu da Lei Anticrime a possibilidade de que apenas a defesa de investigados use grampos sem o conhecimento da Polícia Federal e do Ministério Público. Com isso, a gravação das conversas entre Joesley Batista e Michel Temer, por exemplo, usada como prova pelo ex-PGR Rodrigo Janot, seriam ilegais, já que a lei passaria a proibir que esse tipo de gravação seja usado como prova para denúncias.

Esse é um dos pontos que mais preocupam a bancada do Progressistas. Nesta semana, o líder do partido, Ciro Nogueira, formulou requerimento de destaque, com o objetivo de derrubar o veto que trata das escutas ambientais em uma votação em separado.

Na justificativa para o veto desse item em dezembro do ano passado, o Planalto, por orientação de Sergio Moro, alegou que “a propositura legislativa, ao limitar o uso da prova obtida mediante a captação ambiental apenas pela defesa, contraria o interesse público, uma vez que uma prova não deve ser considerada lícita ou ilícita unicamente em razão da parte que beneficiará, sob pena de ofensa ao princípio da lealdade, da boa-fé objetiva e da cooperação entre os sujeitos processuais, além de se representar um retrocesso legislativo no combate ao crime”.

O governo e Moro argumentaram à época que o dispositivo aprovado pelo Congresso contrariava jurisprudência do STF. A corte admite o uso de escutas ambientais feitas por um dos interlocutores, sem conhecimento prévio do MP ou da polícia, como prova criminal. Para isso, basta comprovar a integridade da gravação.

“O próprio governo está capitaneando a derrubada de seus vetos”, denuncia o senador Randolfe Rodrigues, líder da oposição no Senado. “O Governo Bolsonaro se tornou uma coalizão dos velhos interesses corruptos do establishment, somado a novos interesses e com os interesses de sempre, muito bem representados pelo Centrão. Este establishment pró-corrupção está mais fortalecido, e é por isso que essa aliança tende a derrubar os vetos do pacote anticrime”, disse Rodrigues, em entrevista a Crusoé. Nos bastidores das duas casas legislativas, a derrota do combate à corrupção já é dada como favas contadas.

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  1. Com um congresso nacional como esse não há a mínima possibilidade de termos esperança em um país melhor.Presidente que traiu seus eleitores de forma escandalosa,uma aberração.Não pode se eleger mais.E não vai

  2. Acha mesmo que é só a preocupação eleitoral que move o PR? Não, desidratar o pacote é livrar os rebentos da cadeia e impedir que eles fiquem inelegíveis. Sim, pq quando foi que esses caras já trabalharam na vida? Nunca. E mais, quando for conveniente, Bolsonaro e Lula darão as mãos publicamente e dirão que tudo o que disseram sobre eles foi invenção da extrema imprensa. Não existem adversários e muito menos inimigos na política.

  3. Leitores..,sigam sempre o meu conselho. Consigo ver longe. Falo que o Bozismo = Lulismo desde fevereiro de 2019. Desde então todas as minhas previsões estavam corretas.

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