A intolerância identitária contra Claudia Leitte
É desgarrador que o Ministério Público seja instrumentalizado por grupos identitários, em total desprezo a um dos direitos mais fundamentais para o funcionamento da democracia

A cantora Claudia Leitte (foto) acaba de se tornar a última vítima do cancelamento feito por grupos identitários no Brasil.
A ONG Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro) e a ialorixá Jaciara Ribeiro a acusam de intolerância religiosa e racismo.
Pior: o Ministério Público da Bahia instaurou inquérito civil para apurar a denúncia.
O pecado de Claudia Leitte teria sido substituir a palavra Iemenjá na música Caranguejo por Yeshua, uma referência a Jesus Cristo (Claudia é evangélica desde 2014).
O trecho "Maré tá cheia/Espera esvaziar/Joga flores no mar/Saudando a rainha Iemanjá" ficou com o final: "Só louvo meu rei Yeshua".
Liberdade de expressão
A acusação não tem qualquer fundamento.
Não mencionar Iemanjá em uma letra não é a mesma coisa que atacar ou menosprezar a orixá ou seus seguidores.
A troca de palavras na letra está inteiramente dentro dos limites da liberdade de expressão.
Cabe a Claudia Leitte e os autores da música Caranguejo — Alan Moraes, Durval Luz, Ninho Balla e Luciano Pinto — se entenderem quanto a isso.
São eles os criadores da obra de arte.
Todos os demais podem ouvir a música, se quiserem. Caso não gostem, é só escutar outra coisa.
Se o bem e o bem existem
O identitarismo não vê as coisas desse jeito.
Para os seus adeptos, a liberdade de expressão deve ser condicionada às cartilhas das minorias que eles dizem representar.
Ressalto o "dizem representar", porque muitos dos fiéis das religiões afro-brasileiras não dão a mínima para Claudia Leitte ter trocado Iemenjá por Yeshua.
E nem sequer as religiões afro-brasileirais formam um bloco coeso ou uma estrutura hierárquica, como tem a Igreja Católica.
Há pouca relação entre os tais representantes e a população que professa essas religiões.
Além do mais, as mudanças nas letras têm impacto mínimo na vida das pessoas.
Quando Roberto Carlos trocou a letra "se o bem e o mal existem, você pode escolher" por "se o bem e bem existem, você pode escolher", ninguém o deixou de ouvir por causa disso.
Quando dançam axé, aliás, os foliões mal sabem o que estão cantando.
Cancelamento
A base do identitarismo, no entanto, é explorar a complacência de jornalistas bem-intencionados, de secretários de prefeituras, de promotores do Ministério Público e de ministros para gerar notícias, constranger pessoas públicas e ganhar influência.
Ao demonstrar capacidade de cancelar qualquer um, eles ganham benefícios diversos: verbas públicas, cargos em conselhos, patrocínios privados e o direcionamento de portarias ministeriais.
Chantagem
Para entender o funcionamento desse mecanismo, basta ler uma das mensagens dos advogados da rede social Twitter, que foram expostas em abril deste ano.
Em um email datado de 14 de junho de 2021, o advogado do Twitter Rafael Batista avisou seus colegas da empresa que ele tinha recebido um "aviso de reclamação", que depois tinha se transformado em uma investigação civil contra o Twitter.
Batista afirmava que "a vítima", no caso, a autora Djamila Ribeiro, tinha solicitado que a empresa realizasse um Acordo de Ajuste de Conduta, implantando medidas para inibir o discurso de ódio no Twitter.
Segundo o advogado da empresa, a companhia seria ouvida sobre as políticas e práticas implementadas para evitar o discurso de ódio.
"Apesar de a reclamação ser legítima, os pedidos são irracionais e nós não temos nenhuma obrigação de implementar essas medidas. Entretanto, nós ainda pensamos que é muito sensível sob a perspectiva reputacional dependendo de como a questão é abordada externamente, então nós estamos trabalhando para resolver isso ("to close with Comms and PP", no original)", escreve Batista.
O Twitter, sob pressão, estava preocupado com uma crise de imagem e queria resolver o assunto. “A denúncia foi apresentada por Djamila Ribeiro, filósofa e jornalista brasileira após ofensas racistas/crimes de ódio dirigidas a ela (embora nenhum conteúdo específico tenha sido fornecido)", escreveu o advogado.
Entre os vários pedidos de Djamila ao Twitter, estava a de "pagamento de danos morais coletivos".
Censura
Não há como ceder ao cancelamento identitário sem comprometer o direito de todos à liberdade de expressão.
Sim, porque os guerreiros identitários de gabinete, além de perseguirem seus próprios interesses, entendem que têm autoridade e legitimidade para dizer o que os brasileiros podem ou não cantar em uma simples letra de música.
É desgarrador que o Ministério Público seja instrumentalizado por grupos identitários, em total desprezo a um dos direitos mais fundamentais para o funcionamento da democracia.
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Comentários (3)
Maraci Rubin
2024-12-21 19:05:41Vão enxugar gelo!
Francisco fontenele tahim
2024-12-21 06:12:30Minorias: coisa de idiotas, revoltados consigo e com todos. E maioria de esquerda. Onde se viu minoria mandar em maioriaa? Vão trabalhar, vagabunfos, idiotas.
Marcio de LIma Coimbra
2024-12-20 19:17:34Há uma clara assimetria com relação às ditas minorias. Por razões que não vêm ao caso, é público e notório que tais minorias são vistas como fracas e oprimidas. Daí a tendência natural para pender a simpatia popular para as suas searas. Infelizmente, tais minorias não querem apenas serem respeitadas, coexistirem pacíficamente. Ao contrário. Querem por que querem impor seus credos e costumes que, por razões sobre as quais não me cabem ilações, tem calorosa acolhida nos meios de comunicação. O fato é que parte do problema, creio eu, é o ar condescendente que as maiorias tratam o assunto. Se sentem desprezados e tocam a tocar o bumbo. Que saco!