"A elite que desenhou a Constituição era parlamentarista", diz Leonardo Barreto
Na capa da edição 282, Crusoé traz a matéria de capa "Como o Congresso tomou o poder". O texto, assinado por Carlos Graieb e Wilson Lima, fala sobre como o Parlamento, principalmente a Câmara, foi assumindo as rédeas da política brasileira. Isso se deu principalmente a partir de pequenas reformas, em que a população não...
Na capa da edição 282, Crusoé traz a matéria de capa "Como o Congresso tomou o poder". O texto, assinado por Carlos Graieb e Wilson Lima, fala sobre como o Parlamento, principalmente a Câmara, foi assumindo as rédeas da política brasileira. Isso se deu principalmente a partir de pequenas reformas, em que a população não teve espaço para se posicionar a respeito. Para comentar o assunto, Crusoé conversou com o cientista político Leonardo Barreto, colunista da revista que tem alardeado bastante sobre o empoderamento do Congresso. Eis a entrevista:
O que a Constituição de 1988 tem a ver com o fortalecimento do Legislativo?
Todas as competências do Parlamento já estavam previstas na Constituição. Em 1988, foi elaborada uma Carta muito parlamentarista, apesar de a prática e a vivência do poder no Brasil ser presidencialista, muito centralizadora e vertical. O Congresso não tomou de cara conhecimento das suas prerrogativas, mas esse processo foi ocorrendo naturalmente. No primeiro presidente eleito após a Constituição, já tivemos um choque, que foi o impeachment do Fernando Collor, em um processo comandado pelo Congresso. Isso era algo completamente inimaginável até então. Então o marco institucional de 1988 é que foi dando condições para esse fortalecimento do Legislativo.
Por que o sr. diz que a Constituição foi muito parlamentarista?
A elite que desenhou a Constituição era parlamentarista. Daquele PMDB que trabalhou na elaboração do texto saiu o PSDB, que tem no parlamentarismo uma de suas causas históricas.
Como o Congresso foi ganhando força?
Na época do Fernando Henrique, o governo ia reeditando medidas provisórias indefinidamente. Não era preciso a aprovação pelo Congresso. Aí no governo Lula o Congresso decidiu que uma medida provisória deveria valer por 60 dias, depois mais 60 dias, e que ela cairia ao não ser aprovada até o final desse prazo. No governo Dilma, eles votaram a emenda do Orçamento imperativo. No governo Bolsonaro, o Congresso começou a votar vetos, algo que nunca tinha feito antes.
Qual foi o principal empurrão, o orçamento secreto?
O orçamento secreto nasceu porque Jair Bolsonaro decidiu não formar uma coalizão para governar. Aí o Rodrigo Maia ficou com um baita de um pepino na mão, ao se deparar com um governo que não conversava com o Congresso. O Maia então decidiu que iria usar a emenda do relator, em que os parlamentares teriam discricionariedade para distribuir emendas. Maia pegou um mecanismo que era do Executivo e o dividiu com o David Alcolumbre, então presidente do Senado. Aí tivemos o Congresso realmente tomando o espaço do governo. Sem diálogo com o Executivo, o então presidente da Câmara Rodrigo Maia começou a usar as emendas do relator para encaminhar votações importantes.
E depois do Maia, o que aconteceu?
O Maia ainda fazia isso de maneira tímida. Ele ficava o tempo todo pedindo para o governo mandar a pauta. Quando Arthur Lira substituiu Rodrigo Maia, Bolsonaro terceirizou para valer o trabalho de organização da sua base e o Congresso passou a controlar um processo que era do Executivo de ponta a ponta, desde a formulação das emendas até a execução. Lula não queria conviver com esse modelo e ganhou uma baita ajuda do STF, que cancelou as emendas do relator. Mas em uma manobra, o Lira conseguiu converter uma parte dos recursos em emendas impositivas.
Como se pode medir esse poder dos parlamentares?
Antes desse processo, um deputado que executava 6 milhões de reais em emendas era um grande campeão. Hoje, cada deputado tem mais de 30 milhões para distribuir, seja da base, da oposição ou muito pelo contrário. Para comparar, o orçamento do Ministério do Turismo era de 19 milhões de reais no ano passado. Então, os deputados têm fartura de recursos para despejar em seus redutos eleitorais. Os deputados têm mais recursos sob as suas rubricas que alguns ministérios. Isso traz um poder muito grande para o Parlamento.
Dária para voltar atrás e reduzir esse poder todo?
O Legislativo dificilmente reduziria o seu poder sozinho. Isso só poderia ocorrer se o STF metesse a mão de novo. Além disso, o sistema eleitoral induz a isso. No Brasil, o político pede o voto direto para a população. O que o candidato oferece para as pessoas é o acesso ao orçamento. Eles combinam de lutar para levar uma ponte para a comunidade ou um hospital. O sistema eleitoral estimula o político a trabalhar o orçamento, porque sem ele não é possível cumprir os compromissos assumidos com o eleitorado. E o eleitorado, por sua vez, também é estimulado a pedir isso. Se ele ficar sem orçamento, é uma tragédia.
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Comentários (2)
Renata
2023-09-26 20:26:35Quem tem poder de fato hoje é o STF. Desfazem na cara dura até o que o próprio Congresso aprova.
Amaury G Feitosa
2023-09-25 12:20:33Sou intimidado e ameaçado quando afirmo que a CF de 1988 é um aborto a destruir o país mas o que se poderia esperar de um pacto de viés parlamentarista ser obrigada por plebiiscito ao presidencialismo? Foi a vingança das elites cínicas contra o povo; resumo da patuscada é o executivo para governar ter de comprar o legislativo e por nomeadas espúrias aparelhar o STF que se arvorou publicamente de "poder moderador" a violar aos demais, quando interessa ao dono ... o PIOR ainda está por vir !!!