Mário Agra/Câmara dos DeputadosReforma tributária aprovada foi essencialmente um movimento promovido pelo Estado

Não há civilização com privilégios

Reforma tributária, que teve sua primeira regulamentação aprovada esta semana, é no fundo um grande ajuste de contas feito no Brasil
12.07.24

Quem estuda qualquer uma das ciências sociais terá que passar inevitavelmente por Norberto Bobbio e suas três gerações de direitos. A primeira delas, chamada de “direitos de liberdade”, trata da igualdade civil que, entre outras características, preconiza o tratamento igualitário de todos em relação à lei.  

Por isso, foi com expectativa que a reforma tributária, mais do que um ajuste de impostos, pudesse ser recebida como um movimento civilizatório, colocando todos sob a mesma regra de impostos.  

Se trataria de uma revolução considerando que, ao longo do tempo, cada setor econômico foi obtendo um tratamento especial para si a partir de trocas com o sistema político. Não faz muito tempo, entendendo seu poder, o Estado brasileiro passou a agir como um gângster, criando uma situação insuportável para, depois, vender proteções. Quem pôde, comprou. Por isso, chegou-se a um contraste no qual, embora o sistema tributário fosse um caos de leis, havia uma certa acomodação porque, de algum jeito, os setores econômicos, principalmente os mais significativos, conseguiram suas proteções via lobby ou via litígio.  

Num mundo ideal, a reforma tributária seria gerada na sociedade e representada como uma reação ao Estado. Exigiria que governantes se adequassem a uma boa relação de custo e benefício para as pessoas e priorizassem a competitividade da economia. O Brasil poderia viver a sua própria “Revolução do Chá”, referência a uma das rebeliões que compôs o mosaico de eventos da independência dos Estados Unidos e que teve como significado a forte associação entre pagamento de impostos e reconhecimento de cidadania.  

No mundo real, no entanto, a reforma tributária aprovada foi essencialmente um movimento promovido pelo Estado. E, vindo daí, o principal objetivo não pode ser outro a não ser arrecadar. Depois da falência da política de atração de investimentos via incentivos fiscais, os estados mais pobres aceitaram abrir mão dessa prática em troca da cobrança do imposto onde o bem ou serviço é consumido e de uma compensação a ser paga pelo governo federal. Os estados mais ricos, cansados de perderem indústrias para essas localidades, toparam ceder em troca de uma unificação nacional das alíquotas e o fim da guerra fiscal, esperando voltar a serem polo de atração de investimentos.  

A unificação das alíquotas promove o aumento da carga de muitos setores que, hoje, pagam menos impostos por qualquer razão. Outros contribuirão menos, como a indústria, pois possuem cadeias produtivas que serão beneficiadas pelo sistema de apuração de impostos. No fundo, trata-se de um grande ajuste de contas feito no Brasil, com um reequilíbrio da distribuição de cargas entre todos.   

É claro que um movimento dessa magnitude não é feito sem resistências. E, se alguns atores já haviam conseguido proteções do Estado gângster em outro momento, é fácil deduzir que possuem condições de fazer o mesmo agora. Não por acaso, muitos regimes especiais foram criados, tendo que ser compensados por aqueles que ficaram na vala comum.  

A lógica que deveria ter sido aplicada obedeceria a seguinte ordem. Primeiro, cria-se a lei geral. Depois se decidiria quem precisava de atenção especial por meio de políticas públicas com clareza da renúncia fiscal envolvida, resultados esperados e revisões periódicas. Na prática, se protegeu várias exceções para, a partir do seu custo, saber quanto será a alíquota dos comuns.  

A vantagem é que ficará mais claro para todos o quanto alguns deixam de pagar e o quanto essas vantagens oneram os demais. Pode ser que esse seja um passo necessário para que mais igualdade seja construída. A desvantagem é perceber que o país não está maduro o suficiente para entender o quão bom são os benefícios da civilização. O resultado? O Brasil deverá ter a maior alíquota de imposto do mundo. 

 

Leonardo Barreto é cientista político e sócio da I3P Risco Político

 

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  1. O Brasil é um nojo. Nada aqui dá certo. A unificação tributária em IVA é natimorta no seu desejo de trazer justiça devido ao lobby infernal sobre a fraquissima classe política que temos.

  2. Os três poderes disputam pra ver quem gasta mais, dentro das respectivas alçadas . Ninguém fala em eficiência nem contenção de gastos. Por isso o custo Brasil explode e não há investimentos para nos tirar do voo de galinha

  3. Seria interessante manter essa pauta. Se posso sugerir, o ideal é que se faça uma série tentando explicar o inexplicável, pois a sociedade definitivamente não participou desse debate e nossos "representantes" ( que nada representam a não ser a si próprios) fizeram todo tipo de barganha corporativa e empresarial. O que nos resta é tentar entender e certamente precisamos de ajuda, pois pelo que me consta mais de quinhentos artigos dessa tal reforma virou mesmo um arcabouço( um esqueleto).

  4. A fúria arrecadatória é tão enlouquecida que hoje se discute legalizar o jogo virtual do tigrinho, de péssima e maléfica fama, para colher mais impostos… muito triste, Brasil…

  5. Para haver justiça tributária TODOS deveriam pagar impostos algo que não pode ocorrer na Galinheiri Brazyllis pelo fato dos trabalhadores não terem renda e serem míseros semi-escravos de elites insanas e cruéis.

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