Toffoli, don't cut my connection
Se tivesse continuado a cantar a música de Gilberto Gil, ministro do STF talvez percebesse que seu voto por responsabilizar as redes por conteúdos de terceiros não está no mesmo clima de 'Pela internet'
Dias Toffoli (foto) cometeu, durante a última sessão do julgamento sobre a possibilidade de responsabilizar as plataformas de rede social por conteúdo de terceiros, paralisado por pedido de vista, umas das citações musicais mais equivocadas da história da República.
"Vossa Excelência, falando dessa revolução que nós estamos a viver... É impressionante a visão de Gilberto Gil. Em 1997, ele lançou a música Pela Internet, uma alusão ao Pelo telefone, primeiro samba gravado, na década de [19]10. E aí, ele, 80 anos depois, escreve Pela internet", disse Toffoli ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, que falava sobre a "revolução tecnológica" ao divergir do voto mais rígido de Toffoli.
"Se me permite, só a primeira parte...", diz Toffoli a Barroso, antes de começar a cantar "Criar meu web site /Fazer minha home-page / Com quantos gigabytes/ Se faz uma jangada / Um barco que veleje" e brincar que o presidente do STF também deveria cantar.
Promover um debate
Caso tivesse continuado a cantar, Toffoli teria chegado ao trecho "Eu quero entrar na rede / Promover um debate" e, talvez, já começasse a perceber que seu voto para que as plataformas tenham de retirar conteúdos antes de interpelação judicial não tem muito a ver com o clima da música de Gil.
A distância entre o voto ficaria clara quando a música entrasse no trecho final, em inglês, quando Gil faz trocadilhos com o estado americano Connecticut e a palavra "connection". "I'm trying to connect, Connecticut / But you cut my connection", diz a letra, que repete a ideia em "Every time I connect, you cut" e "don't cut my connection".
Gil fez uma versão menos animada com a internet em 2018, chamada Pela internet 2, que talvez se adequasse mais ao clima de Toffoli, Alexandre de Moraes e Flávio Dino, mas mesmo assim o músico não chega a sugerir um controle parecido com o pretendido pelos ministros do STF.
Democracia e liberdade
O voto de Barroso deu uma modulada na rigidez defendida por Toffoli.
“A remoção em casos de ofensa e crimes contra a honra não pode, a meu ver, prescindir de decisão judicial. Conteúdo relacionado à honra, ainda que se alegue que representa crimes de injúria, calúnia ou difamação, devem permanecer, na minha visão, sob o regime do artigo 19, sob pena de violação à liberdade de expressão”, votou o presidente do STF, referindo-se ao artigo do Marco Civil da Internet.
Mas foi o ministro André Mendonça, que interrompeu o julgamento com um pedido de vista, que expôs de forma mais clara questões problemáticas sobre liberdade de expressão que não tinham sido abordadas pelos colegas até então.
"A questão da honra, acho que talvez mereça uma diferenciação entre pessoas privadas e agentes públicos, principalmente no debate político, é uma questão relevante", argumentou Mendonça, mencionando um caso na Europa em que um hospital foi condenado por gravar um parto sem autorização e usar a imagem para propaganda, e outro em que uma princesa não conseguiu garantia judicial à privacidade por ser uma figura pública.
"Eu faria uma distinção nessa questão, até porque a democracia se faz pelo livre exercício público da razão e do discurso, ainda que imerecidos, injustos e até mesmo ofensivos à honra muitas das vezes", seguiu o ministro.
"Então, acusar alguém de ditador, por exemplo, para uma pessoa comum seja extremamente injusto, mas talvez a um político, em função de alguma atitude, faz parte do debate público que nós precisamos preservar. Não é o ideal dos mundos, mas acho que a democracia se enriquece também pelas críticas ácidas e até mesmo os injustas [a] que as pessoas públicas estão sujeitas", completou.
Cerceando as críticas
Mendonça disse que tem dúvida, nesse contexto, se deveria ser determinada a retirada de publicações. "Porque nós estaríamos, em alguma medida, talvez cerceando indevidamente as críticas, mesmo críticas que consideramos injustas e contra nós mesmos", argumentou, ao pedir vistas e interromper o julgamento.
Barroso pediu diligência ao colega, porque quer "avançar numa solução" para "o que pode e o que não pode" nas redes sociais "o mais rápido possível", já que essa questão é "um pouco aflitiva neste momento".
A aflição dos ministros do STF pode levar o Brasil a ter um regime de regulação de redes que “nenhuma grande democracia” tem, alertou a Meta, dona do Facebook. Na tentativa de resolver o problema que os angustia, os ministros do STF podem acabar cortando a conexão de vez.
Leia mais: Lá vai o trem com o ministro
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Comentários (1)
Ângelo Comisso
2024-12-22 11:39:26Li duas vezes bem devagar. Ou seja, lendo e pensando. Resumindo: fiquei encantado com o texto. Parabéns e obrigado pelos belos momentos que seu texto me proporcionou.