Vinícius anda através do fogo
Bola de Ouro encolhe ao não premiar o protagonista do melhor time do mundo, mas Vinícius Jr. pode aproveitar a injustiça para calibrar sua carreira
A Bola de Ouro deste ano foi entregue no clima autodestrutivo dos personagens de Bukowski. Não que o volante espanhol Rodri seja mau jogador — e até merecia ter ganhado no ano anterior, quando marcou o gol do título da Champions League pelo Manchester City —, mas Vinícius Jr. foi o destaque do maior time do mundo nesta temporada, como todo mundo que acompanha futebol sabe.
É por isso que Rodri só ganhou o prêmio, a julgar pelas explicações que se seguiram ao anúncio do vencedor, pela existência de um critério que vai além da bola jogada, e que machuca a Bola de Ouro.
"No limite, entre Rodri e Vini, o que me fez decidir foi o terceiro critério”, diz o português António Tadeia, um dos 100 jornalistas que votaram no prêmio da revista France Football, ao mencionar o critério "classe e fair-play”.
O jogo limpo está na base de qualquer esporte, e é razoável que isso seja levado em consideração ao premiar um jogador, mas Vinícius não marcou gols de mão ou machucou adversários na temporada que passou.
Racismo?
Além das performances individuais dos jogadores e do desempenho coletivo de seus times, os juízes deveriam levar em conta o comportamento dos jogadores, destacou Tadeia, entre outros envolvidos no prêmio, em texto publicado para explicar seu voto.
O português escreveu para se defender das acusações de que Vini foi vítima de racismo e de que o Real Madrid foi alvo de um complô, que povoam o noticiário esportivo e as redes sociais desde o anúncio do prêmio.
"A subjetividade de um prêmio como este leva sempre ao aparecimento de contestações. Não vou sequer validar as mais tontas com respostas longas. Não, não escolhi Rodri por ser branco e Vini ser negro – nem admito que alguém pense isso a meu respeito, porque estive e estarei sempre do lado certo dessa luta. Não, não escolhi Rodri para punir o Real Madrid por causa da tentativa de criação da tal Superliga rebelde”, diz o jornalista.
Soberba
É possível duvidar dessas explicações, mas o que aqueles que alegam racismo ou conspiração não enxergam, imersos em suas pautas próprias, é que a resistência a Vini Jr. tem pelo menos uma outra razão.
Tadeia elogia a "excelente temporada” do atacante do Real Madrid, "apesar de manchada pela seleção brasileira”, que não foi bem na Copa América e claudicou nas Eliminatórias para a Copa do Mundo, mas pondera:
"A relação que ele [Vini] mantém com adversários, adeptos (torcedores) e o ambiente em geral tem muito espaço para melhorar. E era nisso que, enquanto maior clube do Mundo, o Real Madrid tinha o dever de ajudar, em vez de se afundar na soberba florentiniana que não admite senão a vitória."
"Gigantismo"
O texto do português termina com uma última alfinetada ao maior clube de futebol do mundo: "Ainda que tenha no seu hino de 'cavaleiro de honra' a promessa de que 'quando perde dá a mão', o Real Madrid anda demasiado esquecido disso no seu gigantismo para fazer bem a quem dele gosta. E a quem o serve, que é o caso de Vinicius Júnior".
O atacante brasileiro reagiu com orgulho à perda do prêmio. "Eu farei 10x se for preciso. Eles não estão preparados’', escreveu, depois de o Real Madrid decidir boicotar a premiação ao saber que nenhum de seus jogadores — o lateral Carvajal também estava cotado — seria premiado.
Mesmo com milhões de dólares e cheio de assessores em volta, não é fácil ser Vinícius Jr. O brasileiro se tornou alvo preferencial de racismo na Espanha. O próprio português que votou em Rodri reconhece isso. Mas apenas Vinícius tem o condão de facilitar as coisas para si mesmo e passar sua mensagem de igualdade de forma mais eficiente.
Através do fogo
A perda dessa Bola de Ouro não é uma trivialidade, como muitos comentam. Não foi apenas uma premiação injusta, mas a indicação de que há algo prejudicando a percepção sobre o futebol de um dos melhores jogadores do mundo.
"O que mais importa é o quão bem você anda através do fogo”, diz o título de um dos livros de poesia de Bukowski. Que a injustiça da France Football ajude Vini a atravessar melhor o fogo.
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