Crise nas agências reguladoras ameaça investimentos no Brasil
Criadas para garantir a regulação técnica de setores estratégicos, essas instituições veem sua independência ser comprometida, o que afeta a confiança de investidores e a qualidade dos serviços prestados à população
As agências reguladoras brasileiras enfrentam uma crise de autonomia, marcada pela crescente politização e disputas entre o governo e o Congresso.
Criadas para garantir a regulação técnica de setores estratégicos, essas instituições veem sua independência ser comprometida, o que afeta a confiança de investidores e a qualidade dos serviços prestados à população.
O presidente Lula poderá nomear até 70% dos diretores e presidentes das 11 agências reguladoras até o final de 2026. Essa situação gerou uma intensa disputa política, já que as nomeações precisam ser aprovadas pelo Congresso. A indicação de pessoas alinhadas politicamente ao governo, em vez de técnicos com experiência no setor, é uma das principais críticas feitas ao modelo atual.
Essas críticas refletem um cenário de instabilidade que afeta diretamente a capacidade do Brasil de atrair investimentos. Investidores, especialmente estrangeiros, frequentemente questionam a segurança do marco regulatório brasileiro, temendo que mudanças políticas afetem o funcionamento das agências e, consequentemente, os setores que elas regulam, como energia e telecomunicações.
De acordo com estimativas do mercado, o Brasil precisaria investir cerca de 3% do PIB apenas para a manutenção da infraestrutura existente. Em 2021, o país investiu apenas 1,7%. A Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) estima que, para acabar com os gargalos de infraestrutura no país, os investimentos deveriam ser 4,31% do PIB a cada ano pelos próximos dez anos.
Uma pesquisa realizada pela KPMG com 60 executivos do setor de infraestrutura em 2024 revelou que 54% dos respondentes apontaram as questões regulatórias como os riscos mais significativos para o setor.
Em meio a essa tensão, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que há um "descasamento de interesses" entre o governo e as agências, sugerindo até um possível "boicote" ao governo por parte dessas instituições.
O presidente Lula também criticou publicamente as agências, afirmando que muitas delas foram "capturadas" por interesses privados durante a gestão anterior, o que estaria dificultando a execução das políticas públicas.
O clima de confronto se agravou nos últimos meses, com trocas públicas de acusações entre o governo e agências como a Aneel e a Anvisa. O ministro Alexandre Silveira chegou a ameaçar intervenção na Aneel por atrasos em processos importantes. Já Lula criticou a Anvisa pela demora na liberação de medicamentos, o que levou a uma resposta direta do diretor da agência, Antonio Barra Torres.
Além das disputas políticas, as agências enfrentam desafios estruturais significativos. Muitas delas operam com menos de 30% do quadro de funcionários previsto em lei, e não realizam concursos públicos há anos. Essa falta de pessoal compromete a fiscalização, afetando diretamente o consumidor, que sofre com a queda na qualidade dos serviços regulados.
A politização das agências reguladoras e a interferência governamental minam a confiança na regulação técnica e independente. A solução para essa crise passa pela garantia de autonomia dessas instituições e pela nomeação de técnicos qualificados, capazes de regular setores essenciais sem interferências políticas.
Crise nas agências reguladoras no Brasil contrasta com falhas e lições dos EUA
Embora o Brasil tenha adotado um modelo de agências reguladoras com mandatos fixos e independência, inspirado no sistema dos Estados Unidos, a aplicação prática desse formato deixou a desejar.
No Brasil, a politização e as interferências governamentais afetam diretamente a autonomia dessas instituições, gerando ineficiência e incerteza. Nos EUA, apesar de também haver falhas, o modelo é mais eficiente devido ao respeito maior pela independência das agências.
Nos dois países, as agências possuem estruturas formais semelhantes, com diretores indicados pelo presidente e mandatos que não coincidem com o ciclo eleitoral. No entanto, no Brasil, as nomeações frequentemente são politizadas, com interferências que comprometem a autonomia técnica.
Nos Estados Unidos, apesar de o modelo formal ser semelhante, há uma tradição mais consolidada de respeito à independência dessas instituições. As nomeações passam por uma análise rigorosa no Senado, priorizando a competência técnica, o que protege as agências de pressões políticas diretas. No Brasil, a politização é mais evidente, e as nomeações muitas vezes servem a interesses políticos, enfraquecendo a atuação das agências.
Falhas nos EUA: crise de 2008, Enron e opioides
Nos EUA, mesmo com um sistema mais robusto, também houve falhas graves de regulação. A crise financeira de 2008 foi marcada pela regulação insuficiente de produtos financeiros complexos e falhas das agências de classificação de risco, como Moody’s e Standard & Poor’s. A falta de supervisão eficaz sobre práticas arriscadas no mercado imobiliário, especialmente no setor de hipotecas subprime, revelou fraquezas na atuação dos reguladores.
O caso Enron, em 2001, também expôs falhas significativas. A empresa de auditoria Arthur Andersen não identificou ou ignorou práticas contábeis fraudulentas da Enron, enquanto a Securities and Exchange Commission (SEC), equivalente à CVM no Brasil, falhou na supervisão das atividades da empresa, apesar de sinais de alerta. Esse escândalo revelou como conflitos de interesse e uma regulação inadequada podem levar a colapsos corporativos.
Mais recentemente, a crise dos opioides destacou falhas na regulação da saúde nos EUA. O FDA, órgão regulador de medicamentos, foi criticado por aprovar opioides sem considerar adequadamente seu potencial de dependência. Além disso, o monitoramento deficiente das prescrições e a influência do lobby da indústria farmacêutica agravaram a crise.
O que o Brasil pode aprender
A experiência americana oferece lições importantes.
É essencial que o Brasil não apenas mantenha os mandatos fixos e a estrutura formal de suas agências, mas também que garanta uma verdadeira independência operacional.
Nomeações técnicas, fiscalização adequada e menos interferência política são essenciais para que as agências reguladoras brasileiras possam cumprir seu papel de maneira eficaz e confiável.
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