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Edição Semana 333

Pais e filhos à beira do campo

Estará nos filhos de dois dos principais treinadores brasileiros, o atual e o último técnico de fato da seleção, o futuro do comando tático do futebol no Brasil?

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Rodolfo Borges
6 minutos de leitura 20.09.2024 01:00 comentários 0
FotoL Reprodução/ Instagram

Minha primeira reação é achar bonito. Pai e filho juntos, à beira do campo, discutindo estratégias para enfrentar o time adversário. E se tornou frequente no Brasil. Tite e Matheus Bachi no Flamengo, Dorival Jr. e Lucas Silvestre na seleção brasileira, Ramón Diaz e Michel Diaz no Corinthians. Até Carlo Ancelotti, treinador do Real Madrid, conta com um filho na equipe técnica. Mas a dobradinha familiar é mais complicada do que parece.

Lucas só pode atuar com Dorival na seleção porque o Código de Ética da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) foi alterado, pouco depois de ser criado, em 2016, para permitir que Matheus atuasse com Tite no comando do selecionado brasileiro. Entre as situações que constituem conflito de interesse, previstas no artigo 13, está "empregar cônjuge, companheiro(a) ou parentes em linha reta ou colateral até terceiro grau de dirigente eleito da respectiva Entidade”.

Há oito anos, contudo, o código da CBF também diz que "a situação categorizada como conflito de interesse prevista no inciso V do caput deste artigo não se aplica à convocação ou contratação de parentes para a formação e/ou constituição de equipes de futebol ou para integrar comissões técnicas de clubes ou de seleções, desde que se trate de funções técnicas ou de prática desportiva".

Desconfiança

A razão para o auxílio dos filhos é obvia: confiança. E a desconfiança sobre a opção de contratar o próprio sangue também não é difícil de entender: o auxiliar foi escolhido porque é o mais competente para ocupar o posto ou simplesmente porque é o filho de quem tomou a decisão? A dúvida persistirá até que o filho desenvolva um trabalho longe do pai, é o fardo que a cria carrega pela facilidade da ascensão.

“Meu pai lhe dirá: vejam que homem a Rússia está perdendo… Isso é uma bobagem; mas não desiluda o velho”, diz o niilista Bazárov em Pais e Filhos (Cosac & Naify), de Ivan Turguêniev, seguindo: 

"Contanto que sirva para as crianças se distraírem… a senhora entende. E trate minha mãe com carinho. Não vai encontrar outras pessoas como eles neste mundo… Sou necessário à Rússia… Não, é óbvio que não sou. Mas quem é necessário? Um sapateiro é necessário, um alfaiate é necessário, um açougueiro é necessário… vende carne… o açougueiro… espere, estou confuso…”

Dispensáveis?

Como dizer que Matheus, Lucas e Michel não são necessários? Pelo menos os dois primeiros fazem parte de comissões vitoriosas, no Corinthians, no Flamengo e no São Paulo. O filho de Tite admite que sonha em seguir os passos do pai. "Eu acabei tendo um mestre e um professor em casa, isso é uma grande vantagem que eu tenho. Isso me faz almejar, ter o sonho de ter minha própria carreira. Eu até brinco com ele de vez em quando que eu quero virar treinador e ganhar dele. Aí minha mãe fala que não pode”, disse, rindo, em entrevista à TV Globo há alguns anos.

Quando os dois estavam comandando a seleção brasileira, Matheus chamou mais atenção do que devia, por curtir publicações de rede social com críticas a movimentos de minorias e ao comunismo. O pai se posicionou durante entrevista coletiva por ocasião de uma convocação para a seleção, dirigindo-se a um repórter que questionara o coordenador Juninho Paulista:

"Colocaste e não trouxeste para mim na medida que sou pai do Matheus. Todo preconceito… E me foi perguntado em termos raciais um tempo atrás em relação [a]os técnicos negros. Todo preconceito não deve existir, estamos num processo de igualdade na sociedade, seja de cor, raça ou sexo. Quem pode olhar na sequência aquilo que foi manifestado pela entidade pode ter complemento em cima da pergunta."

Um sonho

O filho de Dorival contou em entrevista ao podcast Tricolaços, no ano passado, que começou a trabalhar com o pai quando tinha 22 anos, quando Vanderlei Luxemburgo deixou o Atlético-MG levando toda a comissão, há 13 anos. “Eu tinha esse sonho. Trabalhar com seu pai, poder aprender com seu pai, não tem nada melhor do que isso”, contou, dizendo que lamentava a distância do próprio filho, que estava com dois anos e meio à época, imposta pelo trabalho.

Nessa mesma entrevista, Lucas prestou solidariedade a Matheus. Disse que também já teve sua competência questionada por trabalhar com o pai. Ironicamente, hoje é ele que ocupa a posição do filho de treinador na seleção brasileira, o que põe em perspectiva a família Scolari que ganhou o pentacampeonato em 2002. Agora os laços são de sangue, pelo menos entre dois membros.

Os filhos de dois dos principais treinadores brasileiros, o último e o atual técnicos da seleção, estão na faixa dos 30 anos em um momento em que a capacidade dos técnicos brasileiros é questionada. Depois de Fernando Diniz decepcionar com recordes negativos, restou apenas Rogério Ceni entre os novos aspirantes ao comando da seleção.

Fernando Seabra despontou bem, mas já começou a irritar a torcida do Cruzeiro. Todos os outros treinadores de destaque em atuação no Brasil são estrangeiros. Estará nos filhos de dois dos principais técnicos brasileiros, o atual e o último técnico de fato da seleção, o futuro do comando tático do futebol no Brasil?

É sem enxergar perspectiva que me sento ao lado dos irmãos Pável e Nikolai Petróvitch, a velha guarda do clássico de Turguêniev, e repito este lamento esperanço:

"Sabe o que estou lembrando, meu irmão? Certa vez, discuti com a nossa falecida mãezinha: ela gritava, não queria ouvir-me… Por fim, eu lhe disse: a senhora, é natural, não pode me compreender; nós, é claro, pertencemos a duas gerações distintas. Ela se ofendeu terrivelmente e eu pensei: o que fazer? O remédio é amargo, mas ela tem que tomar. Eis que agora chegou a nossa vez e os nossos sucessores podem nos dizer: os senhores, é claro, não pertencem à nossa geração, tratem de tomar o remédio."

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