Kamala Harris via XTim Walz (ele/dele) e Kamala Harris (ela/dela)

Impacto global

Como a eleição de Trump ou Kamala pode afetar o mundo e o Brasil
23.08.24

Nesta quinta-feira, 22, a vice-presidente Kamala Harris aceitou formalmente a indicação do Partido Democrata para concorrer à Casa Branca, nas eleições de 2024. Foi seu primeiro grande pronunciamento desde que ela tomou o lugar de Joe Biden na corrida eleitoral e a política externa foi uma das áreas em que ela procurou marcar diferença em relação a Donald Trump.

“Eu jamais vou me aconchegar a tiranos e ditadores como Kim Jon Un, que estão torcendo por Trump, porque sabem que ele pode ser facilmente manipulado com bajulação e favores”, disse Kamala.

Cerca de um mês atrás, quando ainda imaginava que Biden seria seu adversário, foi a vez de Trump discursar na convenção do Partido Republicano – ele também deu relevo às questões internacionais.

“Eu vou encerrar cada crise internacional que o governo atual criou, incluindo a horrível guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que jamais teria acontecido se eu fosse presidente”, disse ele. “E a guerra causada pelo ataque a Israel, que também jamais teria acontecido se eu fosse presidente.”

A cada quatro anos, o mundo esquadrinha as plataformas e discursos dos pretendentes à Casa Branca, procurando antecipar seus movimentos na política externa. Mesmo que as diferenças entre republicanos e democratas sejam menos radicais nessa seara do que em outros campos, elas existem.

Em 1996, com o fim da União Soviética e a China ainda longe da riqueza e da influência que detém hoje, não havia quem pudesse contrastar o poder dos Estados Unidos. Nesse cenário, o presidente americano Bill Clinton usou a frase “nação indispensável” para descrever o papel de seu país no mundo.

“Há momentos”, dizia Clinton, “em que só os Estados Unidos podem fazer a diferença entre guerra e paz, entre liberdade e repressão, entre esperança e medo. Não podemos, nem devemos, tentar ser o ‘policial do mundo’. Mas, onde nossos interesses e valores estão claramente em jogo, e onde podemos fazer a diferença, devemos agir e liderar.”

Já faz algum tempo que essa pretensão foi deixada de lado pelos americanos.  Por volta das eleições de 2008, que acabaram sendo vencidas por Barack Obama, a exaustão com as chamadas “guerras sem fim”, em países como Iraque e Afeganistão, havia produzido um novo consenso, que exigia mais contenção dos presidentes americanos.

Mas isso não significa que os Estados Unidos tenham deixado de ser a “nação indispensável” para seus aliados – nem o gigante que adversários como Rússia, China ou Irã sonham em ferir e sobrepujar.

Veja a seguir como a chegada de Trump ou Kamala à Casa Branca pode impactar os conflitos em Gaza e na Ucrânia, as relações dos Estados Unidos com a China – e também com o Brasil.

Gaza

Eleitoralmente, a guerra é a questão mais delicada para Kamala Harris. Frente à destruição em Gaza, muitos eleitores democratas passaram a questionar o apoio militar e político que o governo Biden continua fornecendo a Israel. Uma parte da esquerda, simplesmente abraçou o antissemitismo – um desses grupos protestava em frente à sede da convenção democrata na segunda, 19.

Ainda em julho, Kamala disse “entender a emoção por trás” de atos antissemitas. Em seu discurso nesta quinta, adotou um discurso mais próximo do de Joe Biden, dizendo que sempre apoiará o direito à autodefesa de Israel e que ajudará a nação a garantir que “um ataque da organização terrorista chamada Hamas” jamais se repetirá. Ao mesmo tempo, ela lamentou o “sofrimento devastador” em Gaza e disse que um cessar-fogo deve ser buscado imediatamente, seguido por medidas que garantam “o direito dos palestinos à liberdade”.

Na conversa que teve com Elon Musk no X em 12 de agosto, Trump procurou explorar as ambiguidades de Kamala nesse tema, descrevendo-a como uma “radical de esquerda lunática e muito anti-Israel”. Ele diz que sempre se manterá “orgulhosamente ao lado dos israelenses” e, na diferença mais significativa não só em relação aos democratas, mas inclusive ao consenso entre boa parte dos republicanos, já disse “não ter interesse” num estado palestino independente. Mas Trump também têm pressionado o governo de Benjamin
Netanyahu a encerrar as operações militares em Gaza. Em reunião em julho, ele  aconselhou Netanyahu a “conseguir sua vitória rápido”.

Nesta semana, Israel anunciou ter derrotado a brigada do Hamas em Rafah, mas antecipou novas incursões. Enquanto isso, as tensões com o Irã e o Hezbollah aumentam desde julho. Teerã ainda não cumpriu a promessa de retaliar pela eliminação de um líder do Hamas em seu território. Kamala mencionou o regime dos aiatolás em seu discurso, dizendo que “jamais hesitará em tomar as medidas necessárias para defender nossas forças e nossos interesses contra o Irã”. Em sua primeira passagem pela Casa Branca, Trump impôs pesadas sanções econômicas ao regime iraniano. Em sua entrevista a Musk, ele disse que “não quer fazer nada de ruim ao Irã, mas eles sabem que não podem sair da linha”.

Ucrânia

Trump disse que, eleito, reunirá o russo Vladimir Putin e o ucraniano Volodymyr Zelensky e eles só deixarão a sala quando tiverem chegado a um acordo para por fim à guerra. Para muitos analistas, a solução desenhada por ele envolveria consideráveis concessões territoriais por parte da Ucrânia. Mas Trump não fez comentários sobre a o contra-ataque ucraniano em Kursk, no início de agosto. Kiev passou a controlar cerca de mil quilômetros quadrados de território russo, área menor que a da cidade de São Paulo.

O republicano foi mais explícito em negar qualquer compromisso com o fornecimento contínuo de armamentos a Kiev. Isso está em sintonia com sua cobrança, desde a passagem pela Casa Branca, para que os países europeus assumam maior responsabilidade no financiamento da aliança militar do Ocidente, a Otan. Em comício da pré-campanha em fevereiro, o republicano afirmou que “encorajaria” a Rússia “a fazer qualquer coisa que quisesse” com membros da Otan em atraso com suas contribuições. Ele també prometeu “reavaliar fundamentalmente” o propósito e a missão do organismo internacional.

Por sua vez, Kamala deve continuar com a política de auxílio de Biden.
Entretanto, a vice-presidente não tem uma relação tão boa com o presidente
ucraniano. Harris discutiu com Zelensky em reunião dias antes da invasão russa, em fevereiro de 2022, e deixou de responder ao ucraniano sobre sanções preventivas a Moscou.

China

Trump iniciou a atual guerra tarifária com Pequim, deve reforçar a aposta. Ele promete elevar as tarifas sobre bens chineses de uma média de 10% a um mínimo de 60%.

Quanto a Kamala, ela não dá indícios de nenhuma “mudança drástica” em relação a Joe Biden, diz Ricardo Caichiolo, professor de Relações Internacionais do Ibmec de Brasília. Isso inclui o protecionismo. Apesar de os democratas criticarem a Trump no tema, o governo Biden aumentou tarifas do republicano à China. No caso do setor de carros elétricos, elas quadruplicaram.

Menos fácil é decifrar a diplomacia de Kamala. Enquanto o atual presidente aprovou um plano para conter a ameaça nuclear chinesa e reitera em discursos seu compromisso em defender Taiwan de uma invasão, a vice quase não fala da China. Ela nunca visitou o país e encontrou o autocrata Xi Jinping apenas uma vez, em 2022. Como senadora, a democrata assinou duas propostas de lei pelos direitos humanos na China.

A pauta é central na vida e na carreira política do vice de Kamala, o
governador Tim Walz, de Minnesota. Ele viveu por um ano na China na esteira do massacre da Praça da Paz Celestial, quando o regime matou milhares de estudantes. Ao longo de sua década na Câmara dos Deputados, Walz foi uma das figuras mais vocais na defesa dos direitos humanos na China. Em 2016, ele chegou a se reunir com o Dalai Lama, em Nova York, em ato considerando por Pequim como uma afronta ao seu controle sobre o Tibete.

Brasil

Assim como a China, o Brasil deve ser atingido pelo protecionismo comercial, seja de Trump, seja de Kamala. Enquanto fala de tarifas mínimas de 60% para bens chineses, Trump também prometeu impor “tarifas de 10% a 20% sobre países que tem nos passado a perna por anos”. A média de tarifas sobre importação de bens fora a China é de 1%. O republicano é vago sobre quais países devem ser alvos de altas nas tarifas, mas o Brasil é um alvo em potencial. Em entrevista à revista Time em abril, Trump criticou o protecionismo brasileiro, citando a indústria automobilística, e ainda afirmou: “o Brasil é um país com tarifas muito altas”. Para Ricardo Caichiolo, um eventual governo Kamala seria “menos pior” para o Brasil, que tem nos Estados Unidos o seu segundo maior parceiro comercial. Os americanos respondem por 12% das exportações brasileiras. Dentre os principais bens de valor agregado exportados pelo Brasil aos Estados Unidos, estão produtos siderúrgicos. Esse setor foi um dos mais protegidos por Biden.

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500
  1. A meu ver os americanos precisam enfrentar a Rússia com maior rigor, exigindo igual postura da OTAN. Precisam enquadrar a China, o Brasil, Cuba, Venezuela, Nicaragua e os demais países esquerdistas. Jamais tolerar terroristas assassinos patrocinados pelo Irã. No Irã, junto com Israel, é preciso eliminar o cancer ayatoliano e devolver a liberdade e a democracia para o povo que quer a paz com Israel, 80% não querem os carniceiros medievais ayatolianos, patrocinadores do Hamas, Hesbolah e Houtys.

    1. Perfeito! Concordo em gênero, número e grau.

  2. E todos se preocupando com o aquecimento global. O maior risco que esse planetinha corre está nas classes políticas que tem sido eleitas ao redor do mundo. Vejam o exemplo: a maior das nações tendo que escolher entre um psicopata e uma tonta que tem o coração partido com a guerra em Gaza, mas não diz uma palavra sobre o massacre que a iniciou.

    1. Bem dito. Mas, convém não ignorar, esses idiotas também são responsáveis por não apontar o dado aos setores que mais contribuem para o próprio aquecimento global, muito por se lambuzarem com as suas doações de campanha e cederem ao seu poder de lobby, vendendo os interesses da nação aos particulares

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