Eleições no México: quem é Claudia Sheinbaum, a favorita à Presidência
Protégée de López Obrador, a ex-governadora da Cidade do México é cientista de formação e tem a trajetória política marcada por tragédias
Candidata da situação à Presidência do México nas eleições de 2 de junho, Claudia Sheinbaum encerrou sua campanha com um ato em frente ao Palácio Nacional, sede do Executivo, na quarta-feira, 29 de maio.
Ela, que se licenciou do governo da Cidade do México para disputar o pleito, tem certeza de que estará do lado de dentro pelos próximos seis anos. Os mandatos presidenciais duram um sexênio sem direito à reeleição.
“De que vamos ganhar, vamos ganhar”, disse Sheinbaum no palanque enquanto o vento forte soprava o seu rabo de cavalo, marca pessoal da presidenciável.
De fato, qualquer político sempre afirma que será eleito. Mas, a candidata do Morena, partido fundado pelo atual presidente, Andrés Manuel López Obrador, tem motivos para a soberba.
As pesquisas apontam uma vantagem de 20 pontos percentuais sobre a segunda colocada, a senadora Xóchitl Gálvez. Essa diferença se mantém por meses e é ainda mais significativa porque a votação no México se dá em turno único. Não adianta aguardar o voto do contra, típico de segundos turnos.
O favoritismo de Sheinbaum se explica, principalmente, pela popularidade de López Obrador. Em certa medida, toda eleição é um referendo sobre a atuação do governo.
Também conhecido por suas iniciais, AMLO rodeia os 60% de aprovação na maioria dos levantamentos, apesar dos fracassos do governo em reverter a estagnação econômica e em conter a crise de segurança pública.
Fato é que as famílias não sentem inércia na economia, em especial porque o governo impulsionou gastos com programas de transferência de renda.
E, sobre a insegurança, ou qualquer tema, de fato, os mexicanos veem o Morena como, no mínimo, o mal menor. A direita tradicional, que forma a coalizão de Gálvez, está manchada por gestões passadas.
Leia também: Eleições no México - A ascensão meteórica e o futuro incerto do partido de AMLO
O México hoje vive um cenário semelhante ao do Brasil na eleição de 2010. López Obrador é Lula sem a gordura da alta das commodities mas tampouco sem Mensalão.
Apesar de ambas suas protégées compartilharem origem búlgara, Claudia Sheinbaum não é Dilma Rousseff. Nem um pouco.
A aura de cientista
Sheinbaum vem do mundo acadêmico. Ela é doutora em engenharia energética pela Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), onde desempenha as funções de professora e pesquisadora há mais de três décadas.
Crusoé conversou com três professores da Faculdade de Engenharia da Unam que conheceram a hoje presidenciável, dentre eles dois chegaram a trabalhar com ela.
Nenhum quis se identificar por receio de se comprometer com a universidade. Um dos entrevistados também alegou conflito de interesses por estar envolvido atualmente em uma pesquisa com Sheinbaum.
Todos relataram que ela manteve suas obrigações acadêmicas, recebendo alunos e conduzindo pesquisas, mesmo depois de assumir seus primeiros cargos públicos.
Ela foi secretária de Meio Ambiente no governo de López Obrador na Cidade do México entre 2000 e 2006 e subprefeita de Tlalpan, na capital mexicana, de 2015 a 2017.
Um dos entrevistados, que exerce cargo de coordenação na Unam, afirmou que Sheinbaum tirou licença integral da universidade somente após ser eleita governadora da Cidade do México, em 2018.
A presidenciável sabe explorar a sua história no meio acadêmico.
Ela é vista por simpatizantes como uma mulher da ciência na política. A credibilidade do rigor acadêmico a serviço do povo, ao menos no discurso.
Mais do que lhe render a aura de cientista, a universidade foi a porta de entrada de Sheinbaum na política.
Ela participou do movimento estudantil na década de 1980. Essa experiência a levou ao então principal partido de esquerda do México, o PRD, onde viria a conhecer López Obrador.
Quando AMLO largou a sigla e fundou o Morena, no início dos anos 2010, Sheinbaum foi uma das primeiras a segui-lo.
O primeiro desafio na política
Sheinbaum venceu sua primeira eleição pelo Morena. Ela se elegeu subprefeita de Tlalpan, região administrativa da Cidade do México, em 2015.
Com dois anos no cargo, a capital mexicana foi atingida por um terremoto de magnitude 7.1. Mais de 200 pessoas morreram na ocasião.
Dentre essas vítimas, 19 crianças faleceram soterradas enquanto assistiam às aulas em uma escola primária em Tlalpan. Sete funcionários morreram também.
Abraham Carro era o representante da gestão Sheinbaum na zona onde se encontra o colégio.
“Não tínhamos nenhum meio de comunicação. Como funcionários de campo, nós percorremos as ruas da subprefeitura de bicicleta para detectar problemas. O primeiro que vimos foi justamente a escola”, relata Carro.
Hoje, o terreno da escola segue com os restos do edifício abandonado.
Carro afirma que a subprefeitura prestou atendimento pessoal a todos os familiares das vítimas, muitos dos quais abandonaram o bairro devido ao trauma.
Nas ruas que cercam o colégio, os poucos moradores que aceitam conversar sobre o tema não sabem responder como estão as famílias das vítimas ou preferem preservá-las.
Alejandro Jurado, que perdeu a filha no episódio, lidera uma entidade em memória das 19 crianças. Na rede social X, ele costuma publicar críticas a Sheinbaum e a acusa de ter abandonado as famílias das vítimas.
Crusoé contatou Jurado para uma entrevista, mas não obteve resposta.
“Respeitamos muito a opinião e a dor”, diz Carro, que continuou a trabalhar com Sheinbaum também no governo da Cidade do México e, hoje, na campanha presidencial.
A diretora da escola e um responsável de obras estão presos por irregularidades no alvará do prédio. Apesar das condenações, a tragédia continua a ser motivo de jogo de culpa na política mexicana.
Em abril, Xóchitl Gálvez, a presidenciável da oposição, apresentou um documento alegando que Sheinbaum poderia ter ordenado o fechamento da escola mais de um ano antes do terremoto.
Os três conflitos na Cidade do México
No governo da capital mexicana, a hoje presidenciável teve três principais pontos de conflitos, segundo o jornalista Alejandro Almazán, que escreveu um livro sobre todas as gestões da Cidade do México das últimas três décadas.
O primeiro envolveu o movimento feminista, que mobiliza mais pessoas na capital mexicana do que nas grandes cidades do Brasil, como São Paulo e Rio de Janeiro.
Durante o governo Sheinbaum, manifestantes chegaram a acampar em edifícios administrativos, como o Conselho Nacional de Direitos Humanos, e a depredar monumentos históricos.
Sheinbaum não hesitou em usar a polícia para conter os protestos ao longo de seu mandato. “Ela não empatizou com as feministas, porque não se identifica. Sua luta é o movimento estudantil e as causas sociais”, afirma Almazán.
Entidades de direitos humanos denunciam casos de violência policial, incluindo detenções arbitrárias e mesmo o uso de extintores de incêndio à base de pó químico para dispersar manifestantes.
O segundo conflito de Sheinbaum no comando da Cidade do México foi a pandemia. A bagagem acadêmica da governadora trouxe resultados mistos.
Por um lado, ela chegou a se opor ao seu padrinho, López Obrador, que, do governo nacional, afirmava que as máscaras não serviam para nada. Por outro, Sheinbaum distribuiu ivermectina com base em um estudo da sua própria gestão.
A Cidade do México é a segunda unidade da federação mexicana em número de casos e de mortes por 100 mil habitantes, segundo levantamento do New York Times atualizado até março.
O terceiro conflito de Sheinbaum foi o que causou o maior impacto em sua carreira política, segundo Almazán. Trata-se do descarrilhamento da Linha 12 do Metrô em 2021. Quase 30 passageiros morreram e outros 80 ficaram feridos.
Um dos estudos independentes sobre o episódio aponta negligência da gestão Sheinbaum na manutenção do metrô. “Os sobreviventes com quem conversei não culpam só a governadora, mas acreditam em uma responsabilidade conjunta com administrações passadas”, diz Almazán.
Pouco mais de um mês depois do acidente, a Cidade do México realizou eleições distritais. O Morena, de López Obrador e Sheinbaum, venceu por mais de 10 pontos percentuais na subprefeitura onde ocorreu o acidente.
Sombra de AMLO
A militância do Morena reconhece o vácuo de liderança com a saída de López Obrador da Presidência. Também conhecido por suas iniciais, AMLO não pode concorrer à reeleição.
Discussões sobre mudanças na estratégia política do partido, como maior abertura ideológica, ocorrem nos bastidores, apurou Crusoé.
Se confirmar o favoritismo e for eleita presidente, Sheinbaum terá de superar a sombra de López Obrador.
“O México é um país de caudilhos. Só vamos saber se ela conseguirá se impor quando AMLO deixar de existir no cenário político”, diz o militante morenista Ezra Alcazar.
López Obrador vem dizendo que vai se retirar da política quando sair da Presidência.
No ato de encerramento de campanha de Sheinbaum, em frente ao palácio presidencial, na quarta, uma apoiadora carregava consigo uma boneca da candidata.
O atual presidente popularizou uma pelúcia com sua própria figura ao longo do mandato, o "Amlito".
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Comentários (1)
ANDRÉ MIGUEL FEGYVERES
2024-06-01 11:27:10Pelo menos, embora esquerdista, não é burra e corrupta como Dilma Roussef...