Ricardo Stuckert / PRO presidente Lula às vezes parece ir contra os próprios interesses

Ser governo e oposição, ao mesmo tempo

Ao exercer um papel duplo, Lula aparenta agir com esperteza, mas o método não está funcionando
30.05.24

Um antigo chefe me dizia que a tarefa mais difícil de um consultor político era manter o cliente consciente sobre o seu verdadeiro interesse. Isso porque, não raro, o líder se perde pelo caminho, o que pode acontecer por diversas razões, mas que se manifesta invariavelmente pela incapacidade de avaliar corretamente as relações de causa e consequência das escolhas em relação aos seus próprios objetivos.

Um comportamento errático não é um problema para os convertidos. Para quem é dominado pelo carisma, a compreensão é um exercício posterior à ação, com o militante seguramente encontrando uma razão justa e inteligente para justificar o que o líder fez. Para os que buscam uma percepção racional das coisas, no entanto, o movimento é o oposto e a compreensão do ambiente estratégico antecipa as ações e, caso o movimento não ocorra de acordo com o cálculo prévio, passa-se a questionar o líder.

Toda essa introdução é necessária para entender a expressão usada pelo deputado Danilo Forte (União/CE) para definir a paralisia que atingiu Brasília nas últimas semanas: “Não é possível que Lula seja governo e oposição ao mesmo tempo”. A frase se deu no contexto da votação da “taxa das blusinhas”, uma tentativa de tributar importações de valores inferiores a 50 dólares de sites de compras principalmente da China.

A realidade é que o governo precisa desesperadamente desse dinheiro. Nos últimos quinze dias, foi anunciado que o Tesouro caminha para ter um déficit semelhante ao do pior ano da pandemia mesmo com a receita nominal crescendo 8% neste ano em relação a 2023 (a despesa aumentou 12%). Somado à perspectiva de um Banco Central mais obediente ao Planalto após a saída do atual presidente, Campos Neto, que será substituído no final do ano, tem-se a fórmula para a piora das expectativas de inflação e juros.

Além disso, a taxação vem de encontro ao que pleiteiam atores importantes da economia – como redes de varejo nacionais – e está de acordo com uma visão tradicional petista de proteção da economia nacional em relação à competição internacional. E, para terminar, o Congresso topa votar a taxação.

Diante de todas essas motivações, no entanto, Lula disse não e pareceu estar agindo contra seus próprios interesses. A situação ficou tão esquisita que se passou a atribuir nos bastidores que a responsável pela mudança de posição do presidente sobre essa questão – ele já tinha defendido a taxação – foi a primeira-dama Janja, que já entrou nesse debate lá atrás. Entretanto, atribuir a ela um posicionamento de Lula parece um subterfúgio para não admitir que Lula está fazendo um julgamento errado que deve ser inserido num rol maior de questionamentos da sua racionalidade.

Lula parece agir integralmente no curto prazo e orientado pelas pesquisas de popularidade da semana que vem. Nessa toada, o presidente já ficou várias vezes indignado com seu próprio governo, já fez a ministra da Saúde, Nísia Andrade, chorar em um evento público, criou uma crise de confiança desautorizando a política fiscal de Haddad, desvalorizou a Petrobras em muitos bilhões em um processo de fritura de meses do ex-presidente Jean Paul Prates e, agora, ensaiou longa recusa de uma chance fácil de melhorar as expectativas das contas públicas simplesmente porque “a Janja, a filha do Lira e a filha do Alckmin compram nesses sites”.

Ao exercer o papel de “governo e de oposição”, Lula aparenta agir com uma esperteza, driblando o que pode minar sua popularidade e se isentando de responsabilidades que são naturalmente do chefe de governo. Está funcionando? Claramente, não, porque ele sofre nas pesquisas de opinião e as expectativas de longo prazo estão piorando. Não há ganho, não importa para onde se olhe. Nesse sentido, ser oposição e governo pode parecer esperteza, mas também é indício de dificuldade de compreender seu verdadeiro interesse.

 

Leonardo Barreto é cientista político e sócio da I3P Risco Político

 

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  1. O álcool em excesso degenerou aquele cérebro há muito tempo estragado. De tão gagá só vê a marmitinha de Curitiba bailando e aparecendo e deitando falação besta e vazia

  2. Mas o Sr LULA sempre se isentou de responsabilidade. Nunca foi seu o triplex ou os sítio. Nunca soube de nada sobre a Petrobrás, nunca soube das acusações de corrupção que a Lava Jato apontou, enfim, esse modus operandi é antigo...

  3. Os pessimos resultados econômicos do atual governo dificultam o fortalecimento das politicas assistencialistas, que garantem a vanguarda do atraso e nosso voo de galinha. E ainda nem vimos o fundo do poço na gestão da Petrobras

  4. Nada a ver com o texto, que é polêmico mesmo, mas como não há uma carta do leitor, pergunto à direção da revista: onde anda o Agamenon e o Nêumane...?

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