Roque de Sá/Agência SenadoDono do Botafogo não conseguiu superar perda do Brasileirão de 2023 e abraçou explicação alternativa ao péssimo desempenho de seu time

A inteligência artificial mente

Os robôs de John Textor dizem exatamente o que o dono do Botafogo quer ouvir para justificar a incompetência de seu time no Brasileiro de 2023
26.04.24

John Textor perturba o futebol brasileiro há meses com denúncias de manipulação de resultados. O dono do Botafogo não conseguiu superar a perda do Campeonato Brasileiro de 2023 e resolveu se abraçar a uma explicação alternativa para o péssimo desempenho de seu próprio time no segundo turno do Brasileirão.

Suas alegações se escoram em relatórios de inteligência artificial que partem do princípio de que os jogadores brasileiros são bons demais para cometerem erros bizarros. Ingenuidade ou malandragem?

O relatório diz o seguinte sobre a derrota por 5×0 do São Paulo para o Palmeiras, em 25 de outubro de 2023:

“O jogo do São Paulo foi, segundo os principais especialistas e inteligência artificial, manipulado por pelo menos cinco (5) jogadores do São Paulo. Um total de sete (7) jogadores apresentaram desvios anormais em situações-chave de marcação de gols, embora apenas cinco (5) jogadores tenham ultrapassado os limites que estabeleceriam provas claras e convincentes de manipulação do jogo. Deve ficar claro que as provas não estabelecem o motivo, nem sugerem que qualquer clube ou qualquer parte tenha sido responsável pela manipulação, para além dos jogadores específicos identificados.”

Em depoimento à CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas, iniciada nesta semana no Senado, o americano também louvou a arbitragem brasileira, mas apenas para insinuar que os árbitros só erram de forma grave intencionalmente. Quem dera.

Há um problema essencial em pressupor intenção a partir de movimentos, como faz a inteligência artificial da Good Game! de Textor. “Não tem alma”, reclama a mãe que teme um robô-babá comprado para cuidar da filha em “Eu, Robô”, de Isaac Asimov. A máquina pode até identificar o que deveria ter sido feito, mas como vai distinguir entre o erro deliberado e o inevitável?

O mesmo livro conta a história de Herbie, um robô que, por uma falha, adquiriu capacidades telepáticas e consegue ler mentes. “É a sua ficção que me interessa. Seus estudos sobre a interação de motivos e emoções humanas”, diz a máquina ao dispensar livros técnicos durante uma sessão de psicoterapia.

“Eu enxergo mentes, sabe, e você não tem ideia de como elas são complicadas. Não consigo entender tudo porque minha mente tem muito pouco em comum com elas — mas eu tento, e seus romances ajudam”, segue o robô, que, com sua capacidade especial, ganha a confiança dos humanos responsáveis por analisá-lo. Até descobrirem que ele estava mentindo.

Herbie contava mentiras agradáveis para não violar a famosa Primeira Lei da Robótica de Asimov: “Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal”. Como o 34º modelo RB tinha a capacidade de ler mentes, a regra se aplicava também, em seu caso, aos sentimentos dos humanos com que ele interagia. Herbie não podia ferir seus egos ou destruir suas esperanças.

A inteligência artificial de Textor não lê mentes, e nem precisa. Quem projeta malícia nos movimentos alegadamente errados dos jogadores analisados são os responsáveis por interpretar as informações. A máquina oferece apenas um pretexto para esconder os “desvios anormais em situações-chave” dos jogadores do Botafogo no Campeonato Brasileiro de 2023.

 

Rodolfo Borges é jornalista 

 

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  1. Ele está absolutamente correto: "jogadores apresentaram desvios anormais em situações-chave de marcação de gol". É exatamente isso que aconteceu com o time dele , o Botafogo. Parabéns, os robôs conseguiram explicar o que aconteceu com seu próprio time.

  2. Imagine então o robô Herbie, metido em um desses shows de realyte que infestam as redes de TVs brasileiras, analisando seus participantes. Nem Isaac Asimov seria capaz de prever o resultado.

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