Foto: João Pedro Moreira/O antagonistaBolsonaro: novidades comprometedoras - Foto: João Pedro Moreira/O antagonista

A um passo de Bolsonaro

Polícia Federal encontra indícios de envolvimento direto do então presidente na armação de um golpe de Estado
09.02.24

Desde os Atos de 8 de Janeiro, a principal defesa de Jair Bolsonaro contra as acusações de que tramou um golpe de Estado foi dizer que nenhum de seus atos poderia ser visto de forma inequívoca como parte de um complô ou de uma tentativa de romper com a ordem institucional. Os ataques ao sistema eleitoral? Um exercício legítimo da liberdade de expressão. A minuta do golpe? Um papel sem valor nas mãos de um auxiliar. O ataque à Praça dos Três Poderes? Ação lamentável, de gente equivocada, num dia em que ele nem sequer estava no Brasil; além disso, ninguém derruba um governo sem pegar em armas. Essa linha de argumentação começou a ruir nesta quinta-feira, 8.

A Polícia Federal deflagrou logo cedo a Operação Tempus Veritatis – ou “hora da verdade”, em latim. Os agentes tinham em mãos quatro mandados de prisão, 33 de busca e apreensão e ainda 48 medidas cautelares, todos assinados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. Entre os alvos, estavam figuras do núcleo duro do bolsonarismo, como os generais e ex-ministros Augusto Heleno, Walter Braga Netto e Paulo Sérgio Nogueira, o ex-assessor especial da presidência Filipe Martins e o presidente do Partido Liberal (PL) Valdemar da Costa Neto. A maior onda de choque, porém, veio das informações inéditas levantadas pela PF na delação premiada e nos equipamentos eletrônicos do tenente-coronel Mauro Cid, que foi ajudante de ordens de Bolsonaro durante todo o seu mandato. Elas constam do despacho de 135 páginas com que Alexandre de Moraes autorizou a operação policial.

Com base no inquérito da PF,  Moraes afirma que se pode confirmar a “materialidade” dos tipos penais de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (artigo 359-L do Código Penal) e tentativa de golpe de Estado (artigo 359-M do Código Penal). “Essa palavra — materialidade — indica que Moraes não tem dúvidas de que esses delitos aconteceram”, diz Antonio Carlos de Freitas Jr, mestre e Doutorando em Direito Constitucional pela USP.

Uma das principais novidades do inquérito é a narrativa de uma reunião da  cúpula militar e policial do governo federal, convocada em 5 de julho de 2022 por Jair Bolsonaro (as campanhas eleitorais começaram no mês seguinte, em agosto). O tal encontro foi registrado em um vídeo, encontrado no computador de Mauro Cid. Nele, Bolsonaro diz que todos os seus 23 ministros terão de dar  declarações questionando a lisura do sistema de votação. O ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, afirma que a Comissão de Transparência Eleitoral do TSE é apenas “para inglês ver”. Em seguida, no melhor estilo militar, ele se refere ao tribunal como “o inimigo”, diz que seus comandados já estão mobilizados pela causa eleitoral de Bolsonaro e que espera a colaboração de outras áreas do governo: “O que eu sinto neste momento é apenas na linha de contato com o inimigo. (…) Eu vou romper aqui e iniciar minha operação. Eu vejo as Forças Armadas e o Ministério da Defesa nessa linha de contato. Nós temos que intensificar e ajudar nesse sentido pra que a gente não fique sozinhos no processo”.

Na mesma reunião, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, GSI, Augusto Heleno, um cargo de nível de ministro, também se mostra disposto a  usar a estrutura do Estado em favor de Bolsonaro. Ele conta que conversou com o diretor-adjunto da Agência Brasileira de Inteligência, Abin, Victor Carneiro, para infiltrar agentes nas campanhas eleitorais, mas também adverte sobre o risco de os agentes serem identificados. Em vez de repudiar a ideia, Bolsonaro pede para discuti-la mais tarde. “Nesse momento”, narra a PF, “o então presidente Jair Bolsonaro, possivelmente verificando o risco em evidenciar os atos praticados por servidores da Abin, interrompe a fala do ministro, determinando que ele não prossiga em sua observação, e que posteriormente ‘conversem em particular’ sobre o que a Abin estaria fazendo.” Carneiro tinha assumido a Abin em março daquele ano, sucedendo Alexandre Ramagem, que deixou o órgão para se candidatar a deputado federal pelo PL.

Em outro momento, Augusto Heleno deixa claro que melar o jogo era uma alternativa a ser considerada: “Não vai ter revisão do VAR (em referência à arbitragem digital no futebol). Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições”.

A operação de hoje também trouxe informações inéditas sobre a célebre “minuta do golpe”, encontrada no ano passado (ao menos em uma de suas versões) na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Ao contrário do que vinha sendo dito, agora há sinais de que Bolsonaro conhecia o documento e chegou até mesmo a editá-lo.

Numa primeira ocasião, segundo narra a PF, “o então presidente Jair Bolsonaro teria solicitado a Filipe Martins que fizesse alterações na minuta, tendo o mesmo retornado alguns dias depois ao Palácio do Alvorada e alterado o documento conforme solicitado. Após a apresentação da nova minuta modificada, Jair Bolsonaro teria concordado com os termos ajustados e convocado uma reunião com os comandantes das forças militares para apresentar a minuta e pressioná-los a aderirem ao golpe de Estado”. Nesse encontro, segundo um trecho da delação premiada de Mauro Cid que vazou em setembro do ano passado, o ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier (também atingido pelas diligências desta quinta) teria abraçado a ideia do golpe, mas o comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, teria ameaçado Bolsonaro com voz de prisão caso ele insistisse na proposta.

Tempos mais tarde, o mesmo general Freire Gomes seria destinatário de um audio enviado por Cid nas primeiras horas da manhã de 9 dezembro de 2022. A mensagem revela que Bolsonaro havia alterado o decreto novamente (dessa vez de próprio punho) e continuava esperançoso de poder utilizá-lo: “O presidente vem sendo pressionado, aí, por vários atores, a tomar uma medida mais, mais radical, né? Mas ele ainda tá naquela linha do que foi discutido, que foi conversado com os comandantes, né, e com o ministro da Defesa. Ele entende as consequências do que pode acontecer. É… hoje ele, ele, ele… ele mexeu naquele decreto, né? Ele reduziu bastante. Fez algo muito mais direto, objetivo e curto, e limitado, né. É, e… acho que a ideia de falar com o general Theophilo é conversar. Como ele, né, ele tá muito preso no Alvorada, então é uma maneira de ele desabafar e falar um pouco o que ele tá pensando e ouvir né, alguém que… não que possa dar uma solução, mas que né. E eu acho que se num… é… se não botar pilha, digamos assim, né, se não botar lenha na fogueira, né, ele mantém ali a… aquela linha que estava sendo, que tá sendo tomada inicialmente”.

No mesmo dia em que Mauro Cid enviou esse áudio, Bolsonaro reuniu-se com o general Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira. E mais uma vez buscou apoio para uma ação militar. Theophilo estava à frente do Comando de Operações Terrestres do Exército e também do Comando de Operações Especiais, que reúne os chamados “kids pretos”, aos quais caberia a missão de prender Alexandre de Moraes. Segundo apurou a PF, o general teria concordado em aderir à intentona, caso Bolsonaro tivesse a coragem de assinar a minuta do golpe. Por causa disso, o ministro do STF determinou a suspensão do militar de suas funções públicas.

Essas são histórias graves. A PF coletou provas de que Bolsonaro se reuniu com ministros que tinham poder direto sobre as forças militares e policiais e ouviu planos para que elas fossem mobilizadas em seu benefício eleitoral. Encontrou evidências de que o ex-presidente editou pessoalmente o documento que daria base “legal” a uma intervenção militar. Achou indícios de que ele procurou cooptar o general-comandante das Forças Especiais. Tudo isso deixa a investigação a um passo do ex-presidente.

A linha de defesa disponível a partir de agora será dizer que Bolsonaro, no fim das contas, não assinou a minuta golpista, ou seja, não “agiu”. Há uma dificuldade nessa estratégia. Os crimes de abolição violenta do Estado democrático de direita e de golpe de Estado são, obviamente, crimes de tentativa (afinal, se a trama desse certo, jamais haveria investigação ou processo). Como está ficando cada vez mais difícil negar que Bolsonaro se esforçou inclusive para convencer generais da ativa a embarcar em sua aventura, será preciso usar muita lábia e muita habilidade jurídica para demonstrar que ele não “tentou” permanecer no governo por vias tortas – e que só foi detido pela oposição firme de militares como Freire Gomes. Aliás, a PF também encontrou provas de que o general Braga Netto, que foi candidato a vice nas eleiões de 2022, fez tudo para constranger os colegas que preferiram o caminho legalista em vez do caminho aloprado.

Na tarde desta quinta, o senador Rogério Marinho (PL-RN) apontou outro argumento que deverá ser utilizado: segundo o relatório da PF, caso os tanques fossem mesmo para as ruas, uma das primeiras medidas seria mandar  Alexandre de Moraes para a cadeia. A “Abin paralela” de Bolsonaro teria até mesmo monitorado os movimentos do ministro, que recebeu o codinome de “professora”. Sendo assim, Moraes está à frente de um processo em que ele mesmo aparece como vítima. Segundo o senador, isso deveria afastá-lo tanto da investigação quanto do julgamento. É uma discussão que não se pode desprezar. Segundo o artigo 254 do Código de Processo Penal, um juiz deve se declarar suspeito para julgar, ou pode ser recusado pelas partes, “se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer um deles”. A conclusão de que Moraes atuou numa causa em que era suspeito levaria à anulação de todo o processo.

Na Polícia Federal, segundo apurou Crusoé, a ordem é continuar aprofundando as investigações. Atualmente, estariam no tabuleiro, pela primeira vez, todos os núcleos de uma organização criminosa aninhada no governo: o núcleo de “desinformação e ataques ao sistema eleitoral”; o núcleo jurídico, “com foco no assessoramento e na elaboração de minutas de decretos com fundamentação jurídica e doutrinária que atendesse aos interesses finalísticos golpistas”; o núcleo de “inteligência paralela”; e o núcleo “operacional”. Mas questões como o financiamento de acampamentos e o transporte de manifestantes ainda não foram devidamente esclarecidas.

Horas depois de encerradas as diligências nesta quinta-feira, a PF divulgou um dos documentos apreendidos durante os trabalhos. Trata-se de um texto apócrifo encontrado na sede do PL, decretando um estado de exceção. Este é o seu parágrafo final: “Afinal, diante de todo o exposto, e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o estado de Sítio e, como ato contínuo, decreto operação de garantia da lei e da ordem.” Os investigadores trabalham com a hipótese de que seria o discurso de Jair Bolsonaro ao anunciar o golpe.

Fábio Wajngarten, o advogado do ex-presidente, negou pelas redes sociais que o documento tenha qualquer ligação com Bolsonaro. “O padrão do documento não condiz com as tradicionais e reconhecidas falas e frases do Presidente”, escreveu ele. “Tal conteúdo escrito depende mandatoriamente de ação conjunta de outros poderes. Não tem limite a vontade de tentar trazer o presidente Jair Bolsonaro para um cenário político com que ele jamais concordou.”

Entre as muitas medidas cautelares decretadas por Alexandre de Moraes na Operação Tempus Veritatis, duas se dirigiram ao próprio Jair Bolsonaro: proibição de que ele se comunique com outros investigados e apreensão do seu passaporte. “Não quer dizer que teremos uma condenação amanhã, longe disso”, afirma o constitucionalista Freitas Jr. “Mas o círculo, definitivamente, está se fechando.”

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500
  1. Ele já tem certeza de que vai ser preso e está convocando a sua tropa de crentes em pastores para ao fim fazer aquele pronunciamento do Collor "meu povo não me abandone".

  2. Bolsonaro deveria ser preso pelas grosserias com as quais se dirigiu aos seus ministros. A "pauta" deveria ser o segundo motivo pela prisão. O sujeito mostrou um nível de educação glacial - abaixo de Zero. Precisamos para de votar nesse tipo de gente. Um horror!!!

  3. Bolsonaro deveria ser preso de imediato, pelas grosserias (palavrões excessivos) com que se dirigiu aos seus ministros. A "pauta" seria o agravante. Estamos cercados de gente sem nível algum. Precisamos parar de eleger esse tipo de gente

  4. Me recordo do termo ‘jogar dentro das 4 linhas’, que o Bolsonaro usou inúmeras vezes. Ele ou algum sabujo golpista deve ter trabalhado na minuta do golpe

  5. Wajngarten diz que as palavras contidas na Minuta de Golpe não condizem com o que Bozo escreveria. E quem falava em !jogar dentro das 4 linhas? Faça-me o favor, que advogado mais fajuto. Mas, isso não é nada comparado a todo o processo para realização do "golpe". Pois é, mais um ex-presidente a caminho da Prisão. Só espero que ele não se transforme num mártir , para seu gado, assim como Lule , o descondenado, é para o seu.

  6. Que o Bolsonaro é muito estúpido, não há dúvida. Mas uma "justiça" que ignora provas contundentes de crime, como são os de Lula nos casos de Guarujá e Atibaia, agora se apega a conversas de botequim como provas. É a ditadura se instalando no País. Tornar o judiciário apenas um braço da defesa do governo é prática comum na Venezuela e na Rússia.

  7. Bozo sempre foi um idiota. Gravar reunião em que trama dar um golpe é o fim da picada. Outra coisa, ele acha que se tal golpe fosse executado ele seria o presidente? A partir do momento em que ele deixasse de ser o presidente legal, deixaria de ser o comandante das F.A., e seria apenas um capitão de merd*, e levaria o pé na bunda se não fosse preso também. Duvido que generais obedecessem ao tal capitão refugo das F.A.

    1. E por falar neles, e aquele que dava boas entrevistas, inspirava confiança (depois é que fiquei sabendo das barbáries no Haiti!!!) e revelou-se um descarado golpista, um odioso traidor da PÁTRIA, enxovalhando seus próprios cabelos brancos e a dignidade do BRASIL E DO POVO BRASILEIRO????? É verdade..... os canalhas com caras de bonzinhos sérios, também envelhecem. É essa outra repugnante subespécie dissimulada e traiçoeira!!!!

  8. A torcida para que o circulo se feche é enorme. Mas a realidade aparece de um lado e de outro. Eleições municipais para o la drão con de nado é questão de vida ou morte. Rodará o Brasil em carro blindado, porque não consegue ir à padaria comprar um pãozinho. Bozo tem que ser preso antes, pois, caso contrário, circulando leve, livre e solto, causará, aí sim, um gópi nas pretenções do nine.

  9. É o golpe, do golpe, do golpe. Olha o bananal passando na avenida aí,. Não precisa nem esperar o desfile terminar: república democrática dos amigos do rei, nota -10!!!!

  10. Se as provas forem robustas, jaula pra todos sem choro nem vela. Mas o Marinho tem razão, o Moraes ainda estar com esse inquérito é uma bizarrice. E, no fim das contas, mais um legado nefasto do bolsonarismo: entregar de mão beijada ao PT o título de delfim da democracia, que NUNCA foi, muito pelo contrário!

  11. Por na cadeia seus ex-presidentes parece a sina do Brasil. Nunca antes neste país, como diria o ex-condenado. Collor e Lula. Faltam o Sarney, FHC e a volta para Curitiba do atual.

    1. O pior cego é aquele que não quer ver! A lavagem cerebral é grande dos bolsonaristas.Ja fui do rebanho e acordei…enxerguei e saí do rebanho.Assimo Crosué e Antagonista desde quando moro escrevia.Ver os dois lados

    2. Você deveria se chamar Acéfalo e não Aceto. Sobrenome: Gado da Silva

  12. Bastante material provatório, embora um tanto subjetivo, a confirmação dos crimes de conspiração, lesa pátria, alta traição e subversão, só seria materializada com os áudios entre Bolsonaro e Steve Bannon e as mensagens trazidas por Eduardo Bolsonaro de Polônia, Hungria, Itália e USA.

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