Mais um fio desencapado no Supremo
Constituição é ambígua sobre procedimentos para perda de mandato parlamentar. Cabe à corte interpretar o texto, mas num país doente, parlamentares tentam coagi-la a tomar a decisão que mais lhes interessa
Desde que o STF decretou a perda de mandato do deputado Daniel Silveira, vários parlamentares puseram as garras de fora. Eles dizem que o tribunal atropelou regras claras da Constituição, segundo as quais deputados e senadores só podem ter o mandato cassado pelo plenário das respectivas Casas. Isso é conversa furada. Se existe um ponto em que a Constituição é confusa, é justamente esse.
O artigo 55 da carta trata do assunto. Ele prevê seis hipóteses para a perda de mandato parlamentar. Em três, a cassação deve ser declarada pela Mesa Diretora da Câmara ou do Senado, enquanto nas outras três ela requer votação em plenário. Ou ao menos parece ser assim. A redação deixa margem para dúvidas.
Poucas questões são mais adequadas ao Supremo do que essa. Afinal de contas, interpretar a Constituição é a sua praia. Acontece que o histórico de decisões também é contraditório. Quando julgou o mensalão, em 2013, a corte decidiu que as condenações à perda de mandato deveriam ser simplesmente homologadas pelas Mesas Diretoras. Em outras ocasiões, ignorou a teoria que havia sido desenhada com algum cuidado e delegou a decisão aos parlamentares.
Um tribunal mais sábio jamais teria deixado esse fio desencapado. Nada de bom vem da incerteza, quando se trata de demarcar a fronteira entre dois poderes.
Em meio ao julgamento de Daniel Silveira, o presidente da Câmara, Arthur Lira, se aproveitou do trâmite de uma outra ação, referente ao ex-deputado Paulo Feijó, para cobrar dos ministros uma definição sobre como o artigo 55 deve ser aplicado.
Outra iniciativa foi do deputado Sóstenes Cavalcante. Ele apresentou um projeto de lei para dificultar a cassação de mandatos na Câmara. Um deputado só seria punido se 340 colegas votassem contra ele, e não 257, como acontece hoje. Como esse número está escrito na Constituição, uma PEC seria necessária para alterá-lo. Por isso, o projeto de Sóstenes não vai a lugar nenhum. Mas protocolar essa patacoada lhe deu a oportunidade de atacar o Supremo.
Os deputados, obviamente, querem que a palavra final sobre perda de mandato caiba a eles, em toda e qualquer circunstância. Mas eles estão mentindo quando dizem que essa prerrogativa é uma decorrência óbvia da Constituição. Não é. Num país menos doente que o Brasil, a ambiguidade do texto constitucional seria resolvida pelo Supremo sem que ninguém chiasse. Aqui, vão tentar coagir os ministros a tomar a decisão que mais interessa ao meio político. E os ministros talvez cedam à pressão, porque sabem que contribuíram para deixar o país num permanente estado febril.
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Comentários (10)
Aparecido
2022-04-28 13:06:45Se o STF estivesse cumprindo com o seu dever, isto defendendo a Constituição do Brasil, nao teria se metido nesse buraco sem fundo que se meteu e que agora não sabe como sair.
Maria
2022-04-27 13:57:06Um país febril comandado por um presidente que aposta no caos! Tristeza!!
Tocqueville
2022-04-27 12:51:47Ótima análise, Graieb. Nada pode ficar fora da apreciação do STF, mas é forçoso reconhecer que o Supremo concorreu para a geleia geral brasileira.
Sônia Adonis Fioravanti
2022-04-27 12:21:57🐀🐀SAQUEADORES DE 💰publico ,sempre se blindando .OU LIMPAMOS ESSA ESCÓRIA OU A ESCÓRIA LIMPA O PAÍS PARA ENCHER AS CUECAS SEM PUNIÇAO
LETICIA
2022-04-27 12:20:11Creio que a maior fonte de desestabilização do Brasil foi iniciada pelo STF com suas decisões de ocasião, mudanças da prória jurisprudência e a descarada politização das suas decisões. O preço dessa bagunça esta aí e ficará pior com o tempo.
joão
2022-04-27 09:33:54o brazil fede
Alessandra Abreu Crippa
2022-04-27 09:07:36Isso é o que acontece num país em que a Suprema Corte julga de acordo com sua conveniência. Ela criou a instabilidade jurídica e agora está sendo ridicularizada.
Amaury G Feitosa
2022-04-27 09:06:33Isto comprova o que afirmo TEMOS A PIOR POLITICALHA da história com excesso de membros, representação de si mesmos, de interesses sujos, aquadrilhamento claro visto pela ação e atuação de muitos .. lixe-se o povo sob tantos bandos inexpressivos para enrequecimento de farsantes sob a miséria do povo e no caso nenhuma dúvida só mesmo os covardes deputados podem tirar o mandato do tolo deputado que cometeu crime deveria ser punido corretamente mas foi covardemente rifado por seus cínicos pares.
Paulo Ferreira
2022-04-27 07:30:43Este artigo está confuso: não há hipótese constitucional de perda de mandato sem ser pela via parlamentar. Ora é a mesa diretora, ora é o plenário da casa. Nunca é o STF.
Odete6
2022-04-27 00:00:37As 3 funções do Estado são uma geléia geral, inconsistente, amorfa, são um trio fragilizado pela imensa, extensa, profunda e degradante corrupção generalizada e, ao mesmo tempo um trio monstruoso, agredindo e isolando os pouquíssimos cidadãos decentes que poderiam mudar o rumo do BRASIL.