Futura ministra relata que sofreu abuso sexual na infância
A futura ministra de Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, afirma que foi abusada sexualmente quando tinha seis anos. A pastora disse que uma visão de Jesus Cristo evitou que ela se matasse aos dez anos. A seguir, a íntegra do relato da futura ministra a Crusoé: "Quando eu tinha seis anos de idade,...
A futura ministra de Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, afirma que foi abusada sexualmente quando tinha seis anos. A pastora disse que uma visão de Jesus Cristo evitou que ela se matasse aos dez anos. A seguir, a íntegra do relato da futura ministra a Crusoé:
"Quando eu tinha seis anos de idade, estava hospedado na minha casa um falso pastor, um homem que se dizia pastor. Não existe pastor pedófilo, existe pedófilo fingindo que é pastor. Não existe professor pedófilo. Existe pedófilo fingindo que é professor. Meu pai é missionário, acolhia todo mundo, no interior da Bahia. E eu fui abusada por esse homem por um período grande. E depois do primeiro abuso, vem o segundo, a menina fica erotizada, então eu fui abusada por esse homem.
Quando ele abusa de mim, ele num certo momento diz que eu sou culpada porque eu o seduzi. E aí vem a segunda grande dor. Quando você faz uma menina se sentir culpada, a menina é machucada duplamente. Agora você imagina uma menina que é cristã, que aprendeu que para morar no céu um dia com Jesus não pode ser suja, imunda e pecadora. Ele disse para mim que eu era culpada daquilo, que me odiava porque eu era suja, imunda, pecadora e eu tentava ele. Então eu passei esse período da vida entendendo que eu era suja, imunda e pecadora. O abusador faz a criança se sentir culpada. E ele me ameaçava, que se eu contasse para o meu pai ele mataria meu pai, ou então meu pai iria matá-lo, e iria para a cadeia. Eu era a responsável por tudo, pelo abuso e pelas tragédias. Havia muita dor na alma. Muita dor na alma e muita dor no corpo, também.
Esse período de abuso, que demorou um certo tempo, não foi uma única vez. Que eu me lembre, ele ficou algum tempo na minha casa, mas eu me lembro, assim, que ele ficou um período por perto, ali na região. Sempre que podia, abusava. Eu criei muitas dores internas. E eu mandava sinais para as pessoas de que eu não estava bem. E ninguém lia os meus sinais. Estava todo mundo ocupado quando eu tinha seis anos.
A família não viu, a igreja não viu. O meu ambiente de proteção era a igreja e a família. Os dois não viram. E eu mandava sinais. Qual é o sonho de uma menina cristã de seis anos? Um dia ir para o céu com Jesus. A gente cresce sonhando que a gente quer morar no céu. Aí aquele cara, quando diz para mim que eu sou pecadora, suja e imunda, ele tira de mim o céu, ele tira de mim o sonho mais lindo que uma menina cristã de seis anos tem. Ele não tinha o direito de ter arrancado meu sonho. Mas é o que eles fazem. Eles sepultam sonhos de crianças. Eles sepultam destinos. Estar no colo de um pedófilo é sepultar sonhos, é sepultar destinos.
A história começa a machucar. Quando eu chego à escola, que é meu terceiro ambiente de proteção, a escola já conhece uma menina triste. A escola não se importou, porque achava que aquele era meu jeito. Não. Eu era uma menina alegre aos seis anos. E eu passo a ser uma menina triste. Mas a escola não leu aquele sinal. Porque a escola, quando eu chego, entende que eu sou aquilo, mas eu não era aquilo. Então, meu terceiro ambiente de proteção, que seria a escola, também não leu meus sinais.
Aos dez anos, tentei me matar. E eu peguei veneno em casa para tentar me matar. Mas eu vou te contar uma coisa que aconteceu comigo dos seis aos dez anos. Na casa de meu pai, tinha um pé de goiaba. E quando eu queria chorar, eu ia para aquele pé de goiaba. E eu tinha o meu amigo imaginário. As crianças hoje têm um amigo imaginário que é um unicórnio, fada, duende. Eu, o meu amigo imaginário era Jesus.
Era com quem eu falava no pé de goiaba. E no dia em que eu estava com o veneno na mão, eu estava com medo de morrer. Eu não queria morrer, mas era o caminho que eu sentia. Para quê viver? Eu não ia mais para o céu, ninguém me entendia. E eu não fui a única menina de dez anos no Brasil que quis morrer. Crianças estão se suicidando nessa nação.
Nós já temos registros no SUS de casos de cinco anos. A menina mais jovem hoje que está se automutilando e que interage comigo tem sete anos. Eu pertenço a um movimento chamado "Brasil sem Dor". Nossas crianças são das mais estressadas do mundo. Nossas crianças estão em profundo sofrimento. E um dos motivos é o abuso. Quando eu estava no pé de goiaba chorando, porque eu ia morrer, eu tenho certeza que eu vi Jesus. Eu tive um encontro com Jesus naquele pé de goiaba.
Algumas crianças estão vendo unicórnios, eu vi Jesus. Era a referência de fé que eu tinha, era a referência de acolhida que eu tinha. Então, quando eu conto essa história, a experiência de ter um amigo com quem conversar, e me fazer desistir do suicídio, aquela menininha naquele pé de goiaba desce diferente. Aquele encontro, eu vi, eu me lembro exatamente, aquela roupa comprida, aquela barba comprida, sorrindo, conversando, eu tive uma experiência com ele, e eu acredito no senhor de minha vida.
Ele foi misericordioso, ele tem um propósito para minha vida. Eu entendo que naquele pé de goiaba minha vida muda. Eu desço diferente. A menininha que quis se matar aos seis anos fez da sua dor a sua luta. Eu fiz da minha dor a minha bandeira. Essa menininha foi parar no Congresso Nacional para ajudar a escrever leis de proteção da infância. Essa menininha hoje é ministra e vai liderar a pasta em que estão a criança e o adolescente. Eu sou uma sobrevivente. Eu venci.
Estão falando que eu vi Jesus agora no pé de goiaba. É só pegar minhas histórias, minhas palestras. Eu falo isso há anos. Eu, quando vou para encontros de mulheres machucadas, eu conto a minha história. A minha história é libertadora. Eu venci. Eu estou falando para mulheres no Brasil. Todas vocês podem se libertar da dor.
Você sabe quantas mulheres estão no pé de goiaba ainda hoje no Brasil? Você sabe quantas crianças estão no pé de goiaba ainda hoje? Eu consegui, eu superei, eu fiz da minha dor a minha luta. Uma em cada três meninas pode estar sendo abusada sexualmente no Brasil. Relatórios mostram isso. Então estou falando para um terço das mulheres no Brasil, sendo abusadas. Nós recebemos um relatório agora que diz que o Brasil é o pior país da América do Sul para ser menina. Não dá mais para a gente admitir tanto abuso de meninas e meninos no Brasil.
Essa é a minha história. A minha experiência de fé me faz acreditar que não podemos arrancar a fé da criança. A psiquiatria já está falando que a fé faz bem para a criança. A minha única tristeza é que a imprensa está zombando disso. O momento mais doloroso da minha vida, a imprensa está zombando. Mas que zombe, que fale, a fé me salvou naquele pé de goiaba. Vou deixar todo mundo falar sobre isso. Eu vou até pedir que mais memes sejam criados. Que aquela mulher lá do interior escute que uma ministra sobreviveu à pedofilia e que a gente pode sobreviver.
Eu não estou ofendida. Não, não, não. Eu só acho uma indelicadeza a forma como estão lidando com o tema. Mas essa história precisa ser contada. As mulheres que estão no pé de goiaba precisam saber que há esperança para elas. As crianças que estão no pé de goiaba precisam saber... Que a minha história alcance a criança que está lá hoje querendo se matar, alcance a adolescente que está pensando em se matar. Que essa exposição salve uma vida, valeu a pena ter sido a ministra opressora, como a imprensa fala, do Bolsonaro.
Se toda essa história alcançar uma única menina, já valeu muito a pena. Então foi para isso que eu nasci. Para chegar a ser ministra e salvar uma vida. É isso. Me desculpe toda a emoção. Quero que vocês falem mesmo. Somos milhões.
As pessoas precisam quebrar esse tabu. Somos milhões de mulheres machucadas no país. Chega de dor nesse país. E dizer para essa criança que foi abusada: "não desista da vida". Olha o que aconteceu comigo. Onde eu cheguei. Uma menina abusada pode ser ministra da República! Ministra de Estado! É isso. Não desistam, não desistam da vida.
A ciência fala que mais de 40% dos abusados viram abusadores. Uma geração nesta nação vai ter que se levantar para impedir o abuso. Se uma geração impedir o abuso, se tivermos menos abusados, teremos menos abusadores. É a lógica. Então a gente vai trabalhar com políticas públicas. A nossa proposta é escolher melhor os cuidadores de creches, escolher melhor quem está cuidando da infância, orientar os professores sobre como lidar com isso tudo. Os professores não sabem como lidar. Ensinar os professores a ler os sinais que as crianças estão mandando. Conversar com os pais, conversar com as crianças. Vamos ter que empoderar as crianças para se protegerem também.
Se alguém me tivesse dito aos seis anos: "Se alguém te tocar, grite", eu teria gritado! Mas eu me silenciei. Eu não sabia o que era aquilo. Eu nunca tinha visto... Eu achei que aquilo era uma coisa normal. E não era. Ninguém me ensinou a gritar.
Os ferimentos afetaram a minha capacidade de engravidar. Eu não consegui engravidar, eu fui atrás de especialistas, alguns disseram que foi um bloqueio psicológico que eu tive, outros disseram que podem ter sido os ferimentos. Eu sei que eu fiz todos os tratamentos para engravidar, e eles chegaram à conclusão de que pode ter sido por causa dos abusos."
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Comentários (10)
WALTER
2018-12-16 19:21:42Infelizmente é um depoimento das quais milhares de crianças passaram e ainda estão passando no mundo e particularmente no Brasil. Agora como ministra ela toda autoridade de trabalhar para que no mínimo seja minimizado, já que a "energia sexual humana do homem" ainda é mundo animalesca.
Wladmir
2018-12-15 12:33:17eu creio que essa notícia, em especial, tinha que ser liberada pra não assinantes. o relato é esclarecedor. dá pra pelo menos dizer a quem faz piada, conhecer com o que está mexendo. porque a galerinha do "bem", que se diz politicamente correto, tá lá no Facebook fazendo piada disso
Rita
2018-12-15 00:41:15Pois siga em frente Damares! Tenho certeza que milhares de mulheres se identificam com o mal que lhe assolou. Eu entendo você e torço para que seu trabalho evolua e faca sucesso. Deus a abençoe!
Célio
2018-12-14 23:09:34E pensar que canalhas na "imprensa", como Gilberto Dimenstein e Ricardo Noblat, estão ridicularizando a ministra por este relato. Sinto nojo destes pulhas!
Hélio
2018-12-14 20:57:55Você é Jose, que fez comentários aqui anteriormente, não? Você é mulher, não é, Jose? Olha, eu te peço desculpas. Eu entendo que não há apologia ao estupro no episódio, mas entendi o seu ponto. Compreendi a gravidade da ofensa causada pela frase final dele. A bem da verdade, devemos considerar que ele se viu acusado de estuprador. E veio a resposta grotesca. Lamento por tudo. Um abraço!
Vivaldi
2018-12-14 19:08:16Deixei meu comentário e não aparece. Nele eu disse que iria copiar e colar o texto acima no meu Facebook. Descobri que tem um bloqueio. Eu sou assinante desde o número 0 e estou pedindo aos editores, ao Claudio, ao Mario e ao Diogo: liberem este link deste artigo apenas, para que possamos divulgá-lo (como a Ministra mesmo pediu em sua fala) em todos os meios possíveis. Esta fala é emocionante e merece ser divulgada. A ministra foi abusada novamente, hoje, por parte da imprensa, a suja.
Reaça
2018-12-14 16:37:10Num tempo em que tentam considerar a pedofilia como doença e não como crime, a experiência única da fé, transformada, na fase adulta da vida da futura ministra, na pungente metáfora da goiabeira, torna-se fator preponderante na sua missão como representante dos Humanos Direitos contra a violência no segmento da infância e demais assuntos familiares. Parabéns à Crusoé por agir respeitosamente.
LUIS
2018-12-14 14:40:48Grande depoimento. Parabéns à Crusoé por publicá-la com respeito.
Artist Elma
2018-12-14 12:11:41Meu pé de laranja lima :)
RUBENS MORAES
2018-12-14 12:09:47Sou agnóstico, portanto não acredito em religiões, mas me comovi com o relato da ministra. É compreensível que, num momento de extrema dor, a pessoa possa ter "visões" provocadas por emoções acentuadas. O psiquiatras vão dizer que são alucinações, sei lá, não importa. Esses que estão fazendo graça estariam adorando se ela dissesse que as visões foram fruto de uma tragada de maconha. O fato é que sua fé a salvou de um suicídio, fruto de um crime que vinha sofrendo e que ninguém viu. Força...