Fernando Frazão/Agência Brasil

ENBPar, a estatal dos encostados

Empresa criada após a privatização da Eletrobras emprega filho de deputado, de senador — e um pupilo do ministro
12.07.24

Criada em 2021, a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional, ENBPar, é uma das mais jovens estatais brasileiras. Sob seu comando, ficou aquilo que o governo de Jair Bolsonaro não conseguiu privatizar da Eletrobras: a holding controla as ações do governo federal em Itaipu Binacional e a Indústrias Nucleares do Brasil (INB), responsável pela geração nuclear das usinas de Angra 1,2 e 3 , além de gerir políticas públicas como o Luz para Todos e o Proinfa.

Três anos depois de sua fundação, a empresa tornou-se um cabide de empregos, atendendo a nomes que já integraram escândalos petistas, parentes de parlamentares e apaniguados de figuras políticas em Brasília. 

Um caso está sob análise no Tribunal de Contas da União (TCU), envolvendo um possível nepotismo cruzado entre uma assessora (que seria casada com outro assessor na mesma pasta) e um diretor de outra estatal. Mas o buraco é mais embaixo: há, entre os 124 comissionados da ENBPar, de neto de ex-presidente a filho de deputado, filho de senador e um ex-prefeito petista na folha salarial da estatal. 

 

Uma ascensão meteórica, sob análise no TCU 

Na denúncia apresentada no fim de junho pelo Ministério Público junto ao TCU, o subprocurador Lucas Furtado aponta indícios de nepotismo cruzado entre Rômulo Greficce Miguel Martins, diretor na Empresa Gestora de Ativos (Emgea), e sua irmã, Claudia Martins de Souza, que é assessora na presidência da ENBPar. 

Nada impede que os dois, mesmo com grau de parentesco, atuem em diferentes estatais. O problema está fora deles: ambos ainda têm participação em um escritório de advocacia (o que é proibido a diretores de estatais), sendo sócio de uma banca em Belo Horizonte. Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a banca segue ativa, e os dois são os únicos sócios. 

Na denúncia apresentada por Furtado, Rômulo estaria “valendo-se de sua posição de diretor da Emgea e de uma suposta relação pessoal com o presidente da ENBPar, [favorecendo] tanto a sua irmã, que foi nomeada como assessora da presidência da ENBPar, como seu cunhado, Sr. Antonio Rodrigo Santos, que também teria sido nomeado assessor da ENBPar”.  

O terceiro nome envolvido é o de Antonio Rodrigo, que também é assessor na presidência. Uma fonte ouvida pela reportagem, com conhecimento direto do dia a dia da estatal, confirma as denúncias: não só Cláudia e Rômulo estariam atuando em conluio, como ainda moraria com Antonio Rodrigo. Para evitar rumores de que são casados (e que não deveriam estar atuando no mesmo cargo), Cláudia e Rômulo teriam apresentado uma certidão de desquite — um dispositivo antigo, que já foi superado pela existência do divórcio. Ambos, no entanto, morariam no mesmo apartamento, em um bairro nobre da capital federal, apontam fontes na empresa. 

Cláudia entrou na ENBPar em junho do ano passado, como assessora de nível I. Neste ano, foi promovida a assessora de nível IV, ligada diretamente à presidência e ganhando quase três vezes mais.  

O Ministério Público pede para que se analise o fato de que Cláudia não teria a experiência necessária para o desempenho do cargo em tal nível: dados internos da ENBPar, que a reportagem teve acesso, mostra que Cláudia seria a responsável de apenas seis dos 34 pareceres produzidos pela presidência nesse ano. Outras assessoras, em posições abaixo da sua, teriam produzido mais.  

 

Cabide de empregos 

A lista de assessores na folha salarial da ENBPar ainda mostra que nomes ligados ao governo Lula ocupam cargos de cúpula na empresa. Alguns têm ligação direta com o Congresso, enquanto outros são de outros momentos do PT. 

Paulo Lorenzo Alecar Guedes, filho do deputado federal Paulo Guedes (PT-MG), tem um cargo de assessor IV na presidência da estatal, com um salário superior a 20 mil reais. Além dele, uma ex-assessora do parlamentar, Lidiane Ribeiro Marinho, atua na área de cerimonial da estatal.  

Na folha salarial da ENBPar, disponível no site da empresa, ainda está o ex-prefeito de Ipatinga e ex-deputado federal pelo PT, João Magno — que escapou da cassação na Câmara, em 2006, pelo seu envolvimento no escândalo do mensalão. Depois da volta do PT ao poder, em 2023, ele assumiu um cargo de assessor especial para energia limpa. 

O neto do ex-presidente José Sarney, Daniel Sarney, também tem um cargo de assessor na gerência de inovação da empresa. E na gerência de projeto estratégico, está Sergio Oliveira Cunha Junior, filho do senador Sérgio Petecão (PSD-AC). 

 

Xingozinho 

Nenhum nome no cabide de empregos da estatal elétrica parece ter a sorte de Xingozinho, como é conhecido Leandro Xingó de Oliveira. Em julho do ano passado, o portal Uol revelou como ele chegou aos 42 anos com um salário bruto de 41 mil reais, mais 4,3 mil reais em auxílio-moradia, sem nenhuma experiência no setor, mas com o apadrinhamento do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. 

Até o ano passado, Xingozinho era verador pelo PP em Coronel Fabriciano, cidade de 110 mil habitantes vizinha a Ipatinga. Seu pai, João Xingó, é delegado de polícia civil como Silveira um dia foi, e a amizade das duas famílias levou Xingozinho para a política. 

Quando Silveira se elegeu deputado, conta o portal, ele levou o seu apadrinhado. Quando virou secretário de saúde, o assessor foi junto. Em Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD) teria atendido aos pedidos de Silveira e dado um cargo ao pupilo. Quando este chegou ao MME de Lula, Xingozinho não estava longe. Hoje, ele é o diretor de Gestão Corporativa e Sustentabilidade da empresa. 

Pela Lei das Estatais, Xingó não poderia, com tão pouca experiência, assumir a diretoria de uma estatal que teve receita líquida de quase 19,8 bilhões de reais em 2022 — há a cobrança de, no mínimo, dez anos de experiência no setor público ou privado na área de atuação da empresa. O impasse durou até abril deste ano, quando a Controladoria-Geral da União (CGU) reviu seu posicionamento e, segundo o Uol, permitiu que Xingó assumisse a vaga.  

 

O que dizem os envolvidos 

Durante a semana, a Crusoé encaminhou duas rodadas de questionamentos à ENBPar. No primeiro, foram feitas seis perguntas sobre a promoção de Cláudia, sua produção contestada internamente e a relação entre ela e Antonio Rodrigo.  

Sobre o tema, a assessoria respondeu: A advogada Claudia Martins está na ENBPar desde 2023, sempre apta a desempenhar as funções que lhe são atribuídas, seja na Consultoria Jurídica ou na assessoria jurídica da Presidência, onde passou a atuar em junho último. Não há que se falar em nepotismo ou tráfico de influência já que não há relação de subordinação entre a advogada e as outras pessoas citadas”. 

Na segunda mensagem, foram questionadas as relações de parentesco de Daniel Sarne, Sergio Oliveira Júnior e Paulo Lorenzo Guedes, assim como suas produtividades e formas de ingresso na estatal.

Desta vez, a assessoria de imprensa da empresa respondeu que o plano de carreira está sendo montado, que alguns profissionais estão desde antes da constituição da holding e que “os profissionais que integram a ENBPar atendem aos requisitos das funções que desempenham. Seus nomes são submetidos ao comitê interno de pessoal”. A empresa, novamente, não se manifestou sobre os casos citados nesta reportagem. 

Xingozinho afirmou que possui “total domínio” sobre a área e que cumpre o que manda a Lei das Estatais para ocupar o cargo de diretoria, ressaltou ter formação em direito e ressaltou que tanto a CGU quanto a Advocacia-Geral da União (AGU) teriam validado seu nome. Questionado o motivo para críticas ao seu nome, ele disse que isso se dá porque tenho ligação com o ministro [Alexandre Silveira] — por isso virei alvo“.

Eu trabalhei com ele quando ele foi deputado e quando ele foi secretário de estado. E eu tenho muito orgulho disso“, afirmou Xingozinho.

O senador Sergio Petecão negou que tenha influído na escolha de seu filho para um cargo na estatal. “O Serginho —eu me refiro a ele como Serginho— é formado em engenharia civil aqui em Brasília, pelo UniCEUB, e recebeu um convite de um amigo para trabalhar lá”, disse o parlamentar na quarta, 10, valendo-se de alguns palavrões para exaltar as habilidades do filho. O deputado Paulo Guedes foi procurado por meio de sua assessoria, mas não respondeu até o fechamento desta edição. 

Rômulo apresentou ao TCU uma defesa de 27 páginas, em seu nome e de Cláudia, onde nega conflito de interesses e nepotismo cruzado entre as estatais. “[O subprocurador do TCU] não tem nenhum elemento, nem ao menos indícios, a não ser uma suposta denúncia recebida em segredo no seu gabinete, para afirmar, mesmo usando o adjetivo eventual de forma equivocada e como um subterfúgio […] para assegurar essa ascendência de Rômulo sobre o presidente de uma empresa estatal do porte da ENBPar”, argumenta sua defesa, assinada por ele mesmo. “Se a tivesse, ele seria o presidente da própria empresa e não um diretor dentre outros.” 

A denúncia sobre Cláudia e Rômulo Martins, no TCU, tem relatoria do ministro Vital do Rêgo. O caso pode se mostrar ainda mais complexo para o ministro da Corte de Contas, já que uma parente sua atua como assessora na própria estatal. Procurado pela assessoria de imprensa do Tribunal, o gabinete de Vital do Rêgo disse que não irá se manifestar.  

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  1. Brasil sendo Brasil. Bolsonaro ter perdido a oportunidade de privatizar tanta lixarada que temos que sustentar cuja existência é justificada apenas para empregar aliados e apaniguados é mais um crime contra a nação cometido por ele

  2. Eis porque os esquerdistas renegam privatizações que retiram de seu poder os clássicos cabides de emprego nas empresas públicas, para vender favores a aliados em desgraça eleitoral, amigos do peito e afilhados… Que uma renovação à Miley chegue em breve ao Brasil!!!

  3. Acho essas matérias investigativas ótimas, mostram como funciona o "Brasil" de alguns. Só me deixam um pouco triste, me sentindo um verdadeiro idiota, por sustentar tanta gente cuja maior virtude é o compadrio.

  4. REDUÇÃO de impostos NUNCA passa na cabeça desta turma, muito antes pelo contrário. esta reforma tributária é uma armadilha!

  5. Um verdadeiro horror imposto aos contribuintes. Entra ano e sai ano, os sucessivos governos só aumentam o gasto público, e muito!

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