KCNAO norte-coreano Kim Jong-un tá com arroz até a cintura

Um apelo, em nome de todos os orizófagos do país

Pra que correr mais riscos com esses leilões, com essas leilonas? Telefona lá. É mais rápido e, se a lábia for boa, até mais barato
14.06.24

Eu não lembro muito bem – sou velho, como o amigo sabe – quem foi que gravou a canção que dizia querer paz e arroz, pois o amor, que também é bom, vem depois. Será que foi o Jorge, antes Ben, ora Benjor? Decerto. Não julgo nem o valor, nem a verdade dos versos, veja bem; eu também gosto de paz, de arroz e de amor, juntos ou separados (tudo junto, claro, é melhor). Se, entretanto, eu tiver que escolher uma ordem de chegada, ou de entrada desses fatores, escolho o amor primeiro, o arroz em seguida, e a paz de sobremesa. Porque é melhor amar antes de jantar, e ter sossego depois da janta.

Em todo caso, arroz é comigo. Sou adepto do arroz-doce, que eu gosto, como o turco Nacib, com cravo e canela. Gosto dele nos sushis, nos temakis, nos oniguiris, em forma de yakimeshi, e até do macarrãozinho que se faz de sua farinha, o bifum. Idem quanto ao arroz que chamam à grega, e o de forno; e, sendo neto de oriundi, também sou muito partidário dos risotos. Se pudesse, aliás, eu noivava com a paella. E sou fã do grão na canja, da qual a velhice vem me fazendo cada dia mais amigo. Por fim, não rejeito aqueles dois dedinhos da cachacinha de arroz. Já vê o amigo que o grão é parte importante da minha dieta e, pois, da minha vida.

Por tudo isso, é natural que eu tenha acompanhado com o maior interesse não a paz nem o amor (esses ficam para depois), mas sim as peripécias do arroz no Governo atualesse Governo da Democracia, da paz, do amor, e agora também do branco e nutritivo grão. É que o arroz anda ou logo andará em falta, visto que seu grande produtor nacional, o Rio Grande do Sul, graças à tragédia recente, teve perdas grandes na safra orizícola (é esse o adjetivo referente à cultura do arroz: orizícola; já quem come arroz é, por sua vez, chamado de orizófago).

Ora, como vai faltar o arroz, o Governo — que, como nos versos imortais de outra canção, esta do Bezerra da Silva, não vacila, não cai nem escorrega, não dorme nem cochila — entendeu ser sua responsabilidade proteger o consumidor e meteu suas muitas mãos e ainda mais dedos à obra de prover os orizófagos da nação de bom estoque do grão: decidiu comandar ele mesmo, Governão batuta, Governão ligeirinho, a importação do arroz necessário ao complemento da safra quebrada.

Fiquei, portanto, aflito de saber que deu muito errado a licitação ou, sei lá, o leilão que o Governo, valendo-se de sua amiga do peito, a Conab (Companhia Nacional de Distribuição, se não me engano de acrônimo), fez para receber propostas de empresas dispostas a importar e lhe revender o arroz.

(A palavra leilão às vezes me faz pensar numa odalisca chamada Leila que é grandona, joga vôlei ou basquete, ou luta judô, MMA, essas coisas – sempre, é claro, coberta lá com seus trajes típicos ou de rigueur. Mas uma tal Leila seria antes uma leilona do que um leilão, não é? Sei lá. Tem dias que acordo assim, meio confuso.)

Bem, falhou o leilão, fiascou a leilona porque, pelo que compreendi, as turmas lá da Conab e do Ministério da Agricultura, que serão sem dúvida muito ocupadas, não tiveram tempo de ver se as empresas que se inscreveram no leilão, ou na leilona, tinham jeito pro negócio – em linguagem governamental, se tinham “condições técnicas e financeiras de executar os contratos”. Não perceberam, por exemplo, que uma das empresas ganhadoras é especialista em aluguel de veículos. Também não perceberam que outra empresa ganhadora é especialista em fazer e vender queijo Minas – no Amapá. E que uma terceira empresa ganhadora fatura espremendo fruta. E nem se deram conta que duas das empresas que intermediaram o leilão, a leilona, pertenciam a um ex-assessor do secretário de políticas agrícolas do Ministério da Agricultura, cujo filho, aliás, é sócio de uma delas. Só notaram tudo isso depois que houve denúncias. Não foi incompetência, não foi malícia: não deu tempo de ver! Acontece! Uma coisa ou outra acaba passando, puxa vida!

Daí que o Governo – que, reitero, não dorme nem cochila – só precisou de cinco dias para anular o leilão, a leilona, e exonerar o tal secretário, assim causando em mim e nos outros membros da AMACARROZ (Associação dos Amigos, Amantes, Coleguinhas e Comedores do Arroz) a angústia de ver que o problema do rombo orizícola persiste. E prometeu que, no próximo leilão, na vindoura leilona (é, ele não desistiu), a coisa vai ser mais organizada.

É o que queremos nós, os sôfregos orizófagos na nação. Aliás, tenho uma sugestão: você tá cheio de amigos na China, na Coreia do Norte, pátrias do arroz – liga pra eles, Governão. Pra que correr mais riscos com esses leilões, com essas leilonas? Telefona lá. É mais rápido e, se a lábia for boa, até mais barato.

 

Orlando Tosetto Jr. é escritor

 

As opiniões emitidas pelos colunistas não necessariamente refletem as opiniões de O Antagonista e Crusoé

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. Foi sem querer, Tosetto. Sabe como é. Tem tanta coisa para fazer por este país que alguns erros acontecem. Mas, antes do próximo leilão que o LeiLula pergunte aos produtores do RS se eles não tem como atender o mercado sem precisar importar.

Mais notícias
Assine agora
TOPO