RuyGoiaba

Os videntes da BBBmancia

22.04.22

Vocês se lembram da Mãe Dinah, aquela suposta vidente que supostamente previu a queda do avião dos Mamonas Assassinas e tinha cadeira cativa no programa de Gugu Liberato? E das “previsões de fim de ano” do Fantástico? Não sei se ainda existem — desenvolvi uma espécie de alergia ao programa, certamente porque ele tornava as bad vibes do final de domingo ainda piores —, mas suponho que sim: em dezembro, sempre aparecia um povo jogando búzios, fazendo mapa astral, lendo tarô etc., para tentar prever o que aconteceria no ano seguinte. Em geral, eram “previsões” do tipo “uma pessoa muito querida dos brasileiros vai falecer no ano que vem”. Assim até eu de turbante, amigo.

No fundo, colunistas de jornais e revistas (aqueles que ainda sobrevivem ao clima insalubre do Bananão) somos essencialmente umas Mães Dinah incapazes até de fingir que conseguimos ler o futuro. Nosso negócio é tentar prever o presente — já que no Brasil, como dizem, até o passado é imprevisível —, com os búzios e as cartas de tarô que temos à mão: programas de TV, posts nas redes sociais, mensagens de WhatsApp, acontecimentos cotidianos. Ou seja, coisas geralmente insignificantes que a gente trata como repletas de significado, porque acredita nisso mesmo ou só porque precisa fechar uma coluna. O fato é que, como os videntes e esotéricos do Fantástico, fracassamos miseravelmente: o presente é caótico e faz ainda menos sentido que a mais estúpida teoria da conspiração.

Um bom exemplo é o BBB: acho que já dá para oficializar a BBBmancia como modalidade oficial de adivinhação no Brasil, ali ao lado da numerologia e da leitura na borra do café (atenção, revisão: é “borra” mesmo, com b de “brimo”). Pessoas “leem” o reality show e tentam prever, com base nele, como será a eleição presidencial de outubro — o que é uma previsão facílima: estaremos 100% lascados. Não raro, forçam a barra para ver nas votações um “retrato da sociedade brasileira”, como se o jogo não tivesse dinâmica própria ou como se ele fosse amostragem válida de pesquisa eleitoral. É difícil resistir à tentação de escrever sobre “coisas que explicam o Brasil”: eu mesmo já caí nela incontáveis vezes. Mas vamos admitir que a maioria delas não explica coisíssima nenhuma.

Na semana passada, os votantes da atual edição do BBB eliminaram a última mulher que estava na casa (Jessilane). Árvores foram derrubadas para que pessoas publicassem em papel coisas como “é mais uma comprovação da misoginia do país, da sub-representação das mulheres no Legislativo” etc. Ocorre que as seis edições anteriores do reality show foram vencidas por mulheres, e a de 2020 reuniu três delas na final, por escolha deste mesmíssimo Brasil misógino em que as mulheres estão sub-representadas no poder. Ah, mas nesse caso a votação foi um “sinal de resistência” — sem nem procurar nada no Google, posso apostar que esse foi o hot take favorito de muitos, ahn, analistas na época.

Lembrei daquilo que o filósofo da ciência Karl Popper chamava de falseabilidade: uma teoria só é científica se houver possibilidade de refutá-la. Se ela “servir” para explicar TUDO, inclusive aquilo que a contradiz frontalmente, não é científica. Assim como a astrologia (“Geminianos são assim mesmo!” “Conheço vários geminianos que são o exato oposto.” “Bom, mas aí tem que ver o ascendente, a Lua, onde está Marte” etc.), a BBBmancia explica todas as coisas no Bananão e também o contrário delas — enquanto o país real segue sendo absurdo e inexplicável todos os dias. Quase dá saudade da Mãe Dinah e dos leitores de tarô do Fantástico: pelo menos aquele charlatanismo roots era mais divertido.

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A GOIABICE DA SEMANA

Na última quarta (20), a comentarista Gabriela Publioli, ops, Prioli nos trouxe uma informação surpreendente: no Brasil, pessoas com pós-graduação não são barradas no Carnaval! “Vejo como uma chance de desconstruir estereótipos. Afinal, por que a musa não pode ser uma intelectual?”, disse Prioli, convidada para um camarote no Sambódromo, sobre si mesma. “Vou desfilar cheia de brilho e com meus looks de Carnaval, sabendo que meu diploma de mestrado pela USP continua válido e que meu livro segue na lista dos mais vendidos.”  O mínimo que espero é que ela leve a dissertação de mestrado à Sapucaí para esfregar na cara da patuleia e sambe sem deixar os livros caírem das mãos.

Reprodução/InstagramReprodução/InstagramGabriela Prioli olhando para vocês, que não têm mestrado na USP

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