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Edição Semana 333

Queimadas ‘do amor’

A incompetência do governo Lula em apagar o fogo que devasta o Brasil

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Deborah Sena
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Duda Teixeira
8 minutos de leitura 20.09.2024 01:00 comentários 0
Marina Silva, Lula e Janja debatem queimadas no Brasil. Foto: Ricardo Stuckert

Os brasileiros reaprenderam uma lição com as fumaças das queimadas que tomaram quase todo o território nacional nos últimos dias. O país não está preparando para enfrentar as mudanças climáticas e, quando elas se materializam, seja em enchentes no Rio Grande do Sul ou em incêndios no Centro-Oeste, Norte e no Sudeste, a população fica totalmente desprotegida, sujeita a um governo que não sabe o que fazer, toma medidas apressadas e, pior de tudo, tenta se aproveitar da situação para fins políticos.

Quando Lula começava sua campanha para a Presidência, os petistas criticavam o “negacionismo climático” do então presidente Jair Bolsonaro, visto como o grande promotor do desmatamento na Amazônia. Em 2021, mais de 30 músicos e compositores divulgaram a “Canção pra Amazônia”. Seu autor cunhou a palavra “bioecoetnogenomatrisuicídio” para definir o que estava acontecendo no país. “Focos de fogo nos sufocam: fauna, flora e até a alma”, dizia a letra. Eleito no ano seguinte, Lula nomeou Marina Silva para comandar o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, que teve até o seu nome ampliado. ONGs internacionais aplaudiram a escolha de Marina.

Sendo assim, o terceiro mandato de Lula teve início com altíssimas expectativas em relação ao meio ambiente. Quatro meses depois, a cidade de Belém foi escolhida para ser a sede da Conferência das Partes para a Mudança Climática, COP30, da ONU, no próximo ano. Mas, já perto da metade do mandato, quando o governo enfrenta sua segunda crise climática, as ações governamentais ficaram muito aquém das expectativas alimentadas há dois anos — e tudo sem que aparecesse um único artista para gravar uma música de protesto.

Somente no mês de agosto, registrou-se quase metade do total de incêndios florestais do ano, segundo o Monitor do Fogo, da ONG MapBiomas. Foram queimados 5,65 milhões de hectares, o equivalente à cerca de 49% de toda a área devastada desde janeiro — uma extensão comparável ao estado da Paraíba. Ao diagnosticar a situação, Lula e Marina revelaram uma incompetência desconcertante. “O dado concreto é que, hoje, no Brasil, a gente não estava 100% preparado para cuidar dessas coisas. As cidades não estão cuidadas: 90% das cidades estão despreparadas para cuidar disso”, disse o presidente na terça, 17.

A estratégia usada pela dupla Lula-Marina foi tentar tirar a responsabilidade do governo federal e culpar o inimigo. É uma fórmula antiga, gasta. “Não é um problema do governo federal. Eles (as cidades) têm que ter brigada, por exemplo. Ou seja, quando dá uma dor de barriga em Roraima, quando dá uma dor de barriga no Acre, é um problema que lá tem que ter estrutura para cuidar disso e não precisar ficar se socorrendo ao governo federal”, disse o presidente. “Esse fogo é criminoso. É gente que está tentando colocar fogo para destruir esse país.”

Marina Silva acusou a existência de um certo “terrorismo climático” e apontou o dedo para as pessoas que participaram dos Atos de 8 de Janeiro de 2023. “Por isso é tão importante o trabalho da PF (Polícia Federal). É preciso continuar investigando com trabalho de inteligência combinado, porque é aí que vamos poder descobrir de onde vem essa motivação. Eu estou praticamente comparando o que está acontecendo ao dia 8 de janeiro. São pessoas atuando deliberadamente para criar o caos no Brasil, tocando fogo nas florestas e nas atividades produtivas das pessoas”.

É um fato que os incêndios não surgem espontaneamente. Todas as queimadas são provocadas por alguém. Mas aí há um pouco de tudo. “No Brasil, o fogo é usado por pequenos, médios e grandes produtores rurais em várias etapas, como na transformação da biomassa em nutrientes para o solo e para fazer a roça da mandioca. Há ainda os desaviados que deixam fogueiras acesas e os que queimam o lixo. E há também aqueles que fazem isso de maneira criminosa, por algum motivo difícil de entender. O problema desta vez é que, com essa seca, qualquer faísca pode gerar um enorme incêndio”, diz a geógrafa Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Ipam. Segundo ela, o que também contribuiu para a crise deste ano foi que a estiagem ocorreu em várias regiões ao mesmo tempo, o que atrapalhou o combate às queimadas e ampliou os impactos para a saúde.

Com o ar no Planalto Central imprestável, congressistas do Centrão e da direita cobraram explicações do governo. Marina foi chamada à Comissão do Meio Ambiente do Senado para explicar as falhas para evitar as queimadas. Ela também deverá comparecer à Câmara dos Deputados para dar explicações, após as eleições municipais.

O deputado Ricardo Salles (PL), ex-ministro do Meio Ambiente no governo de Jair Bolsonaro, acusou Marina de desmontar a estrutura do Ministério, necessária para combater os incêndios — uma acusação muito parecida com a que ele sofreu quando era ministro. “Marina Silva tem uma longa história com a questão ambiental. Ao assumir o Ministério do Meio Ambiente, ela levou consigo pessoas com diversos compromissos e amarras. Quando se observa um aumento de recursos sendo prometidos, algumas ONGs e grupos já começam a reivindicar esses recursos. No entanto, esses fundos deveriam ser destinados ao combate aos incêndios, e não para debates, palestras ou estudos intermináveis”, disse Salles a Crusoé. “Muitas vezes, os recursos que são repassados para ONGs e grupos acabam sendo consumidos por custos administrativos, como salários e despesas operacionais dessas organizações. Não há dinheiro que dê conta dessa situação.”

A senadora Damares Alves (Republicanos), que foi ministra no governo de Jair Bolsonaro, também criticou a reação governamental. “O que tem indignado a todos nós é que as notícias de que teríamos muitos incêndios por causa das secas prolongadas eram de conhecimento do governo desde janeiro. Mas nada foi feito. Não houve um plano de contingência. Não houve reunião de emergência. Mesmo agora, com a situação foram do controle, vemos notícias de que eles estão realizando reunião atrás de reunião. E nada de efetivo foi anunciado”, disse Damares a Crusoé. “Eles fizeram um grande barulho quando nós éramos governo. Nos acusaram de sermos negligentes. Hoje, estão no governo e nada de concreto é apresentado. Não há nada além dos discursos. O amor custou muito caro para todos nós e está custando caro também para nossas florestas.”

Com a temperatura subindo, a saída da ministra Marina será pelo aeroporto. Lula autorizou uma viagem dela para Nova York entre os dias 21 e 27 de setembro, para participar da Cúpula do Futuro, durante a 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas. A ministra, assim, mostra que dá mais atenção para o palco internacional do que para o que ocorre no meio ambiente naiconal. Enquanto isso, Flávio Dino, ministro do Supremo Tribunal Federal, STF, solapa a divisão entre Judiciário e Executivo.

Usando como pretexto uma antiga Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), o magistrado pegou o microfone e saiu dando ordens para brigadistas, para as Forças Armadas e mandou todos desobedecerem o arcabouço fiscal, aprovado este ano pelo Congresso. O governo brasileiro, assim, mostra-se como uma dobradinha entre o Executivo e o Judiciário, ambos muito combativos na retórica, mas ineficientes na prática (leia artigo "O judicialismo como rebaixamento da política" de Leonardo Barreto nesta edição da Crusoé).

Decisões tomadas sob pressão costumam servir mais para acalmar a opinião pública do que para instituir práticas eficientes no longo prazo. “Mais importante do que tomar medidas é implementá-las com eficiência. O Brasil já tem programas para orientar as pessoas a usar do fogo e para treinar brigadas. O importante agora é ampliar isso para mais regiões”, diz Luciane Simões, que trabalha no programa Clima da ONG Amigos da Terra.

Enquanto o governo federal se exime da responsabilidade e gasta energia em debates partidários, os brasileiros respirar fuligem e lamentam a destruição do meio ambiente, acelerando ainda mais as mudanças climáticas.

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