Flickr Joi ItoOmidyar: missão de reinventar o capitalismo ainda não saiu do plano da utopia

O mecenas interceptador

Quem é o bilionário Pierre Omidyar, o filho de iranianos nascido em Paris e naturalizado americano que ganhou dinheiro com o eBay, investiu no Intercept e quer diminuir o que chama de "déficit de confiança global"
05.07.19

Em 2014, na revista New York, o americano Glenn Greenwald falou sobre o investimento de 250 milhões de dólares feito pelo bilionário Pierre Omidyar na First Look Media. A empresa engloba o site The Intercept Brasil, comandado por Greenwald e responsável pela divulgação das supostas conversas entre o juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato. “Nós nos damos ao luxo de fazer algo diferente porque temos esse tipo de apoiador com recursos infinitos”, disse Greenwald. A fortuna de Omidyar, de 52 anos, está na casa dos 13 bilhões de dólares. A maior parte ele conquistou aos 31 anos, com a venda de ações do site de leilões eBay, em 1998. Mais tarde, aprendeu a como ganhar dinheiro no PayPal, ficando ainda mais rico.

Desde 2004, uma parte desse valor, cerca de 1,4 bilhão de dólares, tem sido gasta em projetos diversos de filantropia. Mas, ao contrário de outros bilionários igualmente preocupados em salvar o mundo, e à semelhança do húngaro George Soros, a encarnação do demônio para os antiglobalistas, Omidyar faz caridade com uma desavergonhada pegada de ativismo político. Em 2017, ao anunciar mais uma rodada de gastos, no total de 100 milhões de dólares, a Omidyar Network, sua rede filantrópica, divulgou um comunicado em que se comprometia a aplacar o “déficit global de confiança” nas instituições, nos especialistas e na imprensa. Entre os eventos recentes listados para fundamentar tal preocupação, a nota citava a eleição de Donald Trump e o impeachment da presidente Dilma Rousseff — sim, o Brasil estava na lista de “missões”.

Filho de pais iranianos e nascido em Paris, Omidyar ganhou nacionalidade americana e vive no Havaí com a esposa Pam, que fundou o eBay juntamente com ele, e três filhos. É um excêntrico com ideias voláteis e dinheiro de sobra. Em 2009, ao saber que o Havaí só tinha estoques de comida para uma semana no caso de catástrofe, ele construiu um armazém perto de sua casa para guardar suprimentos.

Flickr OnInnovationFlickr OnInnovationOmidyar, em 2008: fortuna estimada em 13 bilhões de dólares
Adepto do budismo, fã do Dalai Lama, cujas viagens ele costuma bancar, Omidyar é também um apreciador do jogo Second Life. A empresa que criou o jogo, a Linden Lab, também recebeu investimentos do bilionário. No mundo virtual do game, Omidyar interage com outras pessoas no corpo de um personagem que atende pelo nome de Kitto Mandala. Negro, tatuado e sem cabelo, Mandala usa uma camiseta com uma frase curiosa: “Beije-me, eu sou um mal legal”.

Omidyar começou a se meter no jornalismo em 2010, quando lançou o site de notícias Honolulu Civil Beat, no Havaí. A ideia era apostar no jornalismo investigativo e criar um ambiente para engajar os cidadãos da ilha americana. Mas o modelo de assinaturas não vingou, a ponto de Omidyar perguntar nas redes sociais sobre quanto as pessoas estariam dispostas a pagar para se manter bem informadas. No início de 2013, Omidyar tentou uma aposta mais ousada que poderia emplacá-lo como tycoon. Entrou nas negociações para comprar o jornal Washington Post. Ao final, foi vencido na disputa por outro bilionário do mundo da tecnologia, Jeff Bezos, da Amazon.

Flickr KittoFlickr KittoO personagem Kitto Mandala, usado por Omidyar no jogo Second Life
Até então, a proximidade ideológica de Omidyar era com o então presidente Barack Obama. Os dois estudaram na mesma escola no Havaí, a Punahou, mas em períodos diferentes. “Eu sempre amei este país e os seus ideais com o fervor de um convertido. Ele (Obama) descreve com palavras aquilo que eu sinto”, escreveu o bilionário nas redes sociais, em 2008. Ele também foi um dos principais financiadores da Fundação Clinton, mantida por Bill e Hillary Clinton.

Em 2013, a divulgação de documentos do hacker Edward Snowden teve um forte impacto sobre a forma como Omidyar enxerga o mundo. A partir de então, ele passou a criticar Obama, a elite do Partido Democrata e o governo americano. Tornou-se um bilionário com causa política. Frustrado por não conseguir comprar o Post, lançou-se em uma empreitada destinada a financiar uma enorme rede de ONGs e sites com a pretensão de fazer jornalismo investigativo e de checar os fatos publicados pelos veículos tradicionais. O investimento anunciado foi o mesmo desembolsado por Bezos na compra do maior jornal da capital americana: 250 milhões de dólares. O valor foi pulverizado em inúmeras ONGs, sites e empresas. No Brasil, Omidyar ajudou a financiar bolsas para jornalistas que se dispunham a fazer matérias na Agência Pública. Ele também apoiou o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS-Rio), que lista entre suas missões o combate a notícias falsas.

Outro ponto de sua agenda é o de “reimaginar o capitalismo”. Omidyar acha que é preciso reduzir a desigualdade e garantir um mínimo de bem-estar para todos. Com uma quantidade maior de pessoas sem conseguir empregos formais, um dos problemas abraçados pela sua fundação é o de prestar serviços para aqueles que não têm trabalho. Omidyar foi um dos investidores do Dr. Consulta, uma rede que cobra preços baixos para brasileiros sem plano de saúde. Ele não tem participação nas decisões do dia a dia da companhia, mas espera um dia recuperar o seu investimento. O bilionário diz que o seu objetivo é fazer uma “filantropia de negócios”, em que as empresas e entidades que recebem seus aportes possam explorar novos modelos e prosperar sozinhas.

Em sua conta no Twitter (@pierre), ele já desferiu diversos ataques ao presidente americano Donald Trump. Em março deste ano, Omidyar debochou do resultado do relatório do procurador especial Robert Mueller, que não conseguiu provar um conluio entre a campanha de Trump e os russos. “Será interessante ver como Trump age quando ele está de bom humor. Alguém se lembra da última vez que isso aconteceu?”, escreveu. Talvez alguém possa roubar mensagens entre ele e Greenwald sobro o assunto. O americano lulista é um dos queridinhos da Fox News por negar qualquer interferência de Moscou nas eleições americanas. A influência de Omidyar na rede, porém, é inversamente proporcional aos zeros de sua conta bancária. Nas suas últimas dez mensagens, Omidyar teve uma média de 32 curtidas. É nada se comparado com as publicações de Jeff Bezos no Twitter, que sempre passam das 3 mil curtidas.

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisJeff Bezos (esq.): na disputa pelo Washington Post, venceu o dono da Amazon
Na política americana, o site The Intercept elegeu os democratas moderados como alvos preferenciais. Munido dos e-mails do comitê democrata vazados por hackers russos, em 2016, os profissionais do site partiram para cima de Hillary Clinton. Os políticos mais elogiados nas matérias do Intercept são os nomes mais à esquerda e mais radicais, como o socialista Bernie Sanders e a deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez. Ambos jamais serão interceptados pelo Intercept, obviamente.

Para surpresa de ninguém, talvez só para ele próprio, Omidyar não conseguiu reimaginar o capitalismo. As empresas por ele financiadas que andariam sozinhas permanecem precisando de muletas. Muitos dos sites escolhidos ou criados pelo americano, por exemplo, seguem pedindo ajuda. Em março deste ano, a First Look Media, dona do Intercept, anunciou um corte de 4% no quadro de pessoal. Os afetados integravam justamente a equipe do site responsável pelas investigações. “Nós não tomamos essas decisões com facilidade, mas elas são um passo importante para nos alinharmos operacionalmente para o futuro”, escreveu o diretor da companhia, Michael Bloom, em e-mail para os funcionários. Na First Look, Omidyar agora se envolve diretamente no controle de custos. É um sinal de que a torneira de recursos infinitos está se fechando.

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